segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Casa-Alugada Especial: Um País Entre Dois Tempos

Que fique claro: considero que houve uma evolução positiva no conhecimento do património marinho, na consciência ambiental e esforços de conservação marinha em Portugal nos últimos nove anos, durante os quais foram publicados 100 números da Revista Mundo Submerso. Infelizmente, aquilo que os interessados no conhecimento e conservação do mar, como eu, gostariam que acontecesse, de facto, não evolui com a velocidade por nós desejada. Esta assincronia entre o nosso desejo e a realidade deixa-nos, por vezes, à beira do desespero e a interrogar-nos se vale a pena. Por isso, é bom fazer um balanço e chegar, como penso que facilmente se chega, à conclusão que o balanço é positivo e que vale a pena continuar o esforço.

Mas comecemos um pouco atrás. Aquando da revolução dos cravos, para a generalidade dos portugueses, o mar não passava da via que tinha ajudado no engrandecimento da nossa nação há meio milénio atrás e dava o alimento à comunidade piscatória. Não tenho dados estatisticamente válidos sobre este assunto, mas é a minha percepção. Evidentemente que o Rei D. Carlos já havia dado um primeiro grande passo na exploração dos mares e que o Aquário Vasco da Gama, que desde 1898 espevitava a curiosidade dos mais e menos jovens e, indirectamente, alertava para a necessidade da sua preservação. É muito pouco, admitamos, para um país com jurisdição sobre uma área marinha dezassete vezes maior que a área terrestre. Para o grande público, o mar continuava a ser, basicamente, um infinito caixote do lixo ou uma fonte inesgotável de recursos vivos.

Houve, entretanto, uma série de eventos no pós 25 de Abril que deram uma outra perspectiva sobre o ambiente em geral e o mar incluído. Nesse sentido, sou forçado a admitir que a televisão deu uma grande ajuda. “O Homem e a Terra” de Félix Rodriguez de La Fuente, os programas do António Hipólito, o Comandante Jacques Cousteau a bordo do Calypso e Alcyone e, mesmo, o Ilhas Vivas de José Serra e Ricardo Serrão Santos, transformaram significativamente, entre meados dos anos 70 e 90, a percepção que Portugal tinha sobre o mar, sobre o seu mar. O livro Fauna Submarina Atlântica do Professor Luiz Saldanha deu à generalidade do público a primeira oportunidade de conhecer os organismos que habitam as nossas águas. Eu comecei a dar nomes aos peixes por conversas com os pescadores, mas aquilo que aprendi sobre taxonomia e ecologia, antes de entrar na universidade, devo-o ao excelente manual do Professor Saldanha. Regularmente, o Jornal Notícias do Mar também dava informações sobre caça-submarina e mergulho com escafandro autónomo.

A meio dos anos 90, quando surgiu a Revista Mundo Submerso, começou também a haver um outro tipo de consciência sobre os mares. À compreensão da beleza e riqueza, juntou-se, para o cidadão comum, a informação sobre o seu valor, a sua complexidade e a sua sensibilidade. O mar passou a ser algo de que nos orgulhamos, mas com o qual temos de ter cuidados muito especiais. Para esta alteração de visão contribuiu muitíssimo a Expo’98. Não há dúvida que a exposição internacional, completamente dedicada ao gigante azul, teve o enorme mérito de gerar um conjunto de iniciativas que puseram Portugal a adorar o mar. Antes, durante e após a Expo’98, e sempre catapultados por esta exposição, nasceram programas de televisão, regatas internacionais, uma miríade de pequenas iniciativas e um enorme alerta para a necessidade de preservar e, em diversos casos, recuperar, os nossos mares. À volta da Expo’98, digo eu, nasceram, cresceram ou ganharam crédito diversos cursos de biologia-marinha e oceanografia. Antes da Expo havia cursos na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na Universidade do Algarve e no Instituto Abel Salazar. Hoje em dia quase todas as Universidades têm uma licenciatura ou mestrado nesta área. Um enorme salto.

Evidentemente que este salto, para quem gosta verdadeiramente de mar, sabe a muito pouco, muitíssimo pouco. Aqueles que sabem que ainda há poluentes a ser descarregados impunemente, que demasiadas pescarias prosseguem a níveis insustentáveis para os Mares e Oceanos, que o ordenamento costeiro continua a ser uma miragem e que as iniciativas de conservação marinha parecem sempre ser demasiado difíceis de implementar, consideram que Portugal continua a andar muito devagar. E com razão. No entanto, a verdade é que está melhor. Praticamente, já não se vêm esgotos a ser largados nas praias, as quotas pesqueiras estão na ordem do dia, as denúncias das más iniciativas na orla costeira costumam ser consequentes e já há algumas áreas marinhas protegidas. Em 9 anos, e 100 números de Mundo Submerso, Portugal tem-se reconciliado com o seu mar.

Por outro lado, ainda há sinais de uma perigosa apatia em relação aos recursos marinhos. Uma demagogia perigosa. Exemplifiquemos: Os dirigentes políticos continuam a considerar que a obtenção de quotas pesqueiras elevadas, ou tamanhos de primeira captura pequenos, é uma vitória para Portugal. Não faz sentido. É um tiro no pé a longo prazo. É necessário concretizar urgentemente as indicações científicas, incluindo essas e outras ferramentas de gestão.

Outro dos casos em que Portugal está a falhar é no Parque Natural da Arrábida. De facto, implementar um Parque Marinho é urgente, os próprios utilizadores (incluindo os pescadores) sabem disso. No entanto, tentar fazê-lo à sua revelia apenas pode ser justificado com razões científicas de extrema evidência. Os nossos dias não são compatíveis com restrições impostas “porque sim”. É necessário informar, explicar, expor, permitir a participação, e, um recado muito importante, é necessário saber ouvir, seguindo as sugestões construtivas de quem adora o salitre do mar e o vento na cara. Esses são os aliados e não os travões. No entanto, o “não, porque não”, como por vezes se ouve nas comunidades mais imobilistas, também não serve. Construir é um acto positivo no qual todos devem contribuir para um mundo melhor, esquecendo os seus mesquinhos benefícios resultantes da destruição do património ambiental.

É um país entre dois tempos. Entre o desespero de não vermos as opções a serem tomadas em função do bem, da justiça e da inteligência, mas sim, do facilitismo e populismo. Entre aquilo que é tão claro e aquilo que é possível. Entre o país que todos os anos destrói os seus recursos naturais (em terra e no mar) e o país que começa a perguntar “porquê?”. Parafraseando os Trovante estou cheio de “saudades de futuro”. No mar há apenas uma coisa infinita, a sua enorme capacidade de nos dar prazer. Às pessoas de bem resta continuar a fazer um esforço para que essa fonte se mantenha.


Publicado no âmbito da coluna Casa-Alugada

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

A Responsabilidade da Participação

Por iniciativa do Ministro da República para os Açores, Laborinho Lúcio, irá decorrer no nosso Arquipélago durante os próximos meses o “Congresso da Cidadania”. Na minha opinião é pena este tema ser tão pertinente. De facto, é comum a falta de empenho do cidadão no seu próprio destino e motivador da lenta, mas constante, auto-degradação da Sociedade. Há uma sequência de acontecimentos encadeados e recorrentes que vão progressivamente minando o que de bom tem a nossa Sociedade. Primeiro, os cidadãos alheiam-se da participação, isso provoca uma perda de qualidade nas decisões colectivas e a exigência diminui. Depois, visto não haver participação nem ao nível do voto, são empossados dirigentes muitas vezes pouco competentes e, como consequência, a qualidade das decisões desce. Más decisões provocam ainda um maior distanciamento dos cidadãos em relação à participação. E por aí fora... Esta “pescadinha de rabo na boca” está-se a alastrar e poderá acabar por provocar um drama social de proporções ainda não vislumbráveis.
A única forma de acabar com este ciclo de degradação colectiva é motivar a participação. É principalmente por isso que, apesar de tudo, fico animado ao verificar que foi um dos políticos mais importantes da Região que identificou esse problema e que gera uma série de acontecimentos cujo o lema é precisamente “a participação”. Seria interessante se todos nós conseguíssemos identificar pelo menos um momento em que iremos participar neste conjunto de eventos. Pode ser tão simples como assistir a um qualquer acontecimento, mas pode elevar o seu empenho e tornar-se participante activo ou, ainda melhor, como organizador (veja detalhes sobre este acontecimento em http://www.congressodacidadania.com/). Eu, pessoalmente, já preparei a minha pequena contribuição.
Mas, para poderemos funcionar como Sociedade, teremos, mais tarde ou mais cedo, de ir mais longe. Temos de ser nós próprios a envolvermo-nos nos outros momentos de participação e ajudar a gerar as melhores decisões. Socialmente, há diversas oportunidades para participarmos, embora que, obviamente, os momentos mais importantes sejam os correspondentes às eleições. Em Fevereiro haverá eleições e, claro está, teremos de nos informar para no dia certo, ajudarmos a que a Sociedade tome a melhor escolha.
Há, no entanto, outros momentos em que o cidadão responsável deveria estar atento e participar. Por exemplo, nas reuniões públicas dos órgãos de deliberação locais como as Assembleias Municipais, ou simplesmente deixando uma mensagem construtiva/corrosiva na caixa de sugestões de uma qualquer instituição pública.
Pessoalmente, prefiro outros momentos de participação. Os meus favoritos são as “discussões públicas”. Na realidade não são bem “momentos”, mas sim “períodos” em que os órgãos de gestão são obrigados ou, mais raramente, tomam a iniciativa de convidar a população a opinar sobre um qualquer projecto. Todos os Planos Directores Municipais e outras figuras de Ordenamento Territorial têm, tipicamente, de passar pelo crivo dos cidadãos. É nossa obrigação estarmos atentos, participar opinando e, construtivamente, sugerir novas soluções. Principalmente ao nível do Ambiente (lá estou eu a olhar para o meu umbigo!) é essencial que todos os utilizadores opinem. É muito tentador para os dirigentes tomarem decisões restritivas ou permissivas nesta área, conforme o sentido da maioria dos votos. É essencial que os cidadãos informados e/ou interessados se envolvam nas decisões por forma a aumentar a sua qualidade e eficácia. Os dirigentes têm, essencialmente, uma grande apetência de tomar decisões populares e de visão a curto prazo. Os cidadãos responsáveis devem tentar ver para além do populísmo das decisões fáceis e equacionar o resultado das mesmas nas suas vidas, dos seus filhos e dos seus netos. Os nossos descendentes merecem o melhor e o melhor necessita da nossa atenção.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

RTP Açores no Cabo

Um dia destes recebi um lisonjeador telefonema de uma estação de televisão privada do Continente. Era um daqueles canais sucedâneos das estações generalistas principais. Estavam interessados em me convidar para participar num programa sobre mergulho com escafandro autónomo, no qual eu daria a perspectiva do biólogo marinho. Os outros convidados eram especialistas noutras áreas do mergulho e, eles sim, reconhecidamente interessantes. Por azar, as datas que eles sugeriram não eram compatíveis com outros afazeres profissionais que já tinha agendados e acabei por prescindir. Como manda o bom tom, sugeri que contactassem outros colegas e, depois de por eles autorizados, dei o respectivo contacto. Mais tarde vim a saber que a dita estação – daí não mencionar o nome – não possuía orçamento para pagar as passagens ou sequer a estadia no Continente. Resultado, não foi ninguém do DOP e acabou por ir um colega de Lisboa. O programa correu bem e parece-me que os pontos de vista essenciais do biólogo mergulhador foram transmitidos. No entanto, o problema base mantém-se e é interessante: os Açoreanos estão impedidos de honrar convites oriundos do Continente de um dos órgãos de comunicação social por excelência, a Televisão. É mais fácil um açoreano ter visibilidade nos Estados Unidos, ou no resto do mundo, através da RTP Internacional, do que no Continente.

A forma de resolver este problema é, na realidade, extremamente simples. Bastaria que a RTP Açores passasse a ser transmitida nos emissores por Cabo do Continente e Madeira. Esta solução já foi equacionada, mas, por qualquer razão que me escapa, ainda não foi posta em prática. Até lá os Açoreanos estão, de facto, em desvantagem em relação aos continentais na capacidade de expor as suas ideias, os seus problemas e os seus anseios. A isto chama-se “isolamento” e era também estes assuntos que a Autonomia deveria ajudar a resolver. Em minha casa no Faial vejo o Canal da Galiza e os nossos compatriotas do Continente não imaginam o que se passa nos Açores, a não ser quando a coisa é tão grave ou tão gritante que lá acabam por nos meter na vídeo conferência.

A televisão dos Açores não vive propriamente num mar de rosas, em termos financeiros. Nem é necessário perguntar para saber isso, basta verificar qual é a quantidade de equipamentos e meios humanos que possui e comparar com a publicidade que apresenta. Por muito que não gostemos de anúncios, são eles que pagam as emissões e permitem ter televisões independentes. Acaso a RTP Açores passasse a ser emitida no Continente passaria a dispor de um público potencial de cerca 10 milhões de pessoas. Aumentaria em 30 vezes o número de pessoas que poderiam receber o canal Açoreano. Claro que isto teria implicações nas receitas. É óbvio.

Fala-se muito, e bem, na entrada gratuita dos Canais generalistas do Continente na TV Cabo Açoreana. Por um lado é uma óptima ideia, mas, inevitavelmente, irá tirar alguns dos poucos espectadores potenciais da televisão feita nos Açores. Como as televisões generalistas não estão nada interessadas em manter delegações permanentes nos Açores (principalmente nas ilhas menos povoadas), parece-me que estaremos a médio prazo perante um problema de falta de capacidade de expressão. E como se pode ter liberdade de expressão se não tivermos a plataforma para a exercer?

Claro que, como co-autor de um programa de televisão dos Açores (Mar à Vista) sinto-me particularmente triste. Quando mostro uma gravação do programa aos meus amigos Continentais sinto uma óptima receptividade. Honestamente, gostaria que mais gente tivesse oportunidade de ver os belíssimos mares Açoreanos e partilhasse alguma da investigação científica que aqui se faz.