sexta-feira, 24 de julho de 2020

Crónicas de Bruxelas - 74: Somos todos heróis!

 


Irina Plis quando compreendeu que tinha ganho o prémio da Semana Europeia das Energias Sustentáveis.
Foto: emissão da conferência.


Decorreu entre os dias 23 e 25 a chamada Semana Europeia para a Energia Sustentável 2020. Anualmente, esta semana permita ficar a conhecer as novidades tecnológicas, os últimos desenvolvimentos plasmados no terreno e as tendências para o futuro na área das energias alternativas e trocar impressões com os líderes de projetos verdes em toda a União Europeia e, como veremos, mais além.

Dadas as condicionantes causadas pela pandemia de covid-19, decorreu tudo via internet. O próprio Gabinete dos Açores em Bruxelas manteve reuniões virtuais com outros participantes, obtendo, como lhe compete, contactos com potencial para o nosso arquipélago.

Um dos momentos tradicionalmente mais esperados no início desta semana é a cerimónia de entrega de prémios. São reconhecidos os esforços feitos com ou sem o apoio da União Europeia um pouco por todo o Continente. Entre outras, as múltiplas categorias incluem “envolvimento” (“engagement”), “mulheres no mundo da energia”, “juventude” e “inovação”.

O prémio com maior relevância é o atribuído pela sociedade em geral, selecionado pelo voto de milhares de cidadãos europeus por entre a dezena e meia de finalistas. Este ano, os europeus decidiram atribuir o prémio a uma iniciativa holandesa financiada pelo Interreg, de nome Community-based Virtual Power Plant (CVPP), que, nas cidades dos Países Baixos, incentiva os prossumidores a encontrarem e escolherem as melhores opções por entre as diversas soluções de produção alternativa, gestão de rede e armazenamento de energia para o benefício da comunidade em geral.

Para quem não saiba, prossumidor é um anglicismo que designa um pequeno produtor que é também consumidor e está em voga por essa Europa fora não apenas no domínio da energia. Por exemplo, as pessoas que têm uma parcela nas hortas comunitárias são produtoras agrícolas e, como não podem produzir tudo o que necessitam, são também consumidoras. No entanto, tal como acontece no campo da energia, a componente mais complexa é a gestão do eventual excesso de produção. É aí que entra o CVPP em força.

A categoria de prémios mais emocional, no entanto, foi a destinada à Parceria a Leste. A União Europeia financia projetos de energia sustentável nos países terceiros do antigo bloco de leste e, nesta Semana, premeia os melhores esforços. Entre os premiados estavam iniciativas da Geórgia, Arménia e Moldávia.

Os premiados da Arménia, nas suas declarações de aceitação do prémio, estavam deliciados afirmando que querem “voltar a este prémio com novos projetos e novas ideias!”. A animação era grande e, estou certo, vão voltar mesmo.

Os grandes vencedores desta Semana, oriundos da Moldávia, completamente surpreendidos por terem ganho, espelhando uma muito emocionada satisfação, quase gritaram “Somos todos heróis! No meio de tantas dificuldades, com esforço, estamos a contribuir para um mundo melhor. We are all heroes!

A expressão “Somos todos heróis” ecoa-me com insistência a... “Somos todos heróis” sabe-me a grito de guerra pacífica, a apelo ao resto da Europa, como quem diz, estamos aqui, convosco, com todos. “Somos todos heróis!”

A Moldávia é um país fruto do acaso resultante de inúmeros conflitos internacionais. Nunca votaram pela sua independência e, culturalmente, são, de facto, romenos. No entanto, este território ainda extenso e com cerca de dois milhões e meio de pessoas, é hoje independente e reconhecido por todos os países do mundo. Geograficamente está encaixado entre a Roménia e a Ucrânia e não tem acesso ao mar.

Sei as dificuldades que se passam na Roménia e na Ucrânia e imagino as mesmas ou parecidas neste canto perdido e ainda mais remoto... Junte-se o pânico causado pelo coronavírus e conseguimos vislumbrar o peso das palavras de uma líder de equipa que, apesar disso tudo, , quer contribuir para um mundo melhor.

Ah, que lição para os populistas, nacionalistas e egoístas deste mundo… Viva a União Europeia que permite e estimula tudo isto e vivam os heróis da Moldávia!

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Crónicas de Bruxelas - 73: Estratégias Europeias Verdes

 


Paisagem protegida na Ilha das Flores, Açores.
Foto: F Cardigos

 

Quando a atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tomou posse, garantiu que iria apresentar uma estratégia que conciliasse o progresso com a necessidade de nos conformarmos com práticas adequadas à mitigação dos efeitos climáticos e à compatibilização da vida humana com o ambiente. Poucos meses depois, através da pluma do primeiro vice-presidente, Frans Timmermans, nasceu o Pacto Ecológico Europeu. O Pacto Ecológico Europeu é a primeira das seis prioridades da ação da Comissão Europeia para a atual legislatura que começou em 2019 e terminará em 2024.

O Pacto Ecológico Europeu, que aconselho a leitura pela simplicidade e objetividade, deu o mote para um conjunto de estratégias, legislação e ação de que começamos apenas ainda a vislumbrar o início. Apenas para dar uma ideia da complexidade e potencial, refiro que há onze áreas de diálogo com os interessados abertas na internet para recolher opiniões e sondar tendências. Estas áreas incluem temas como “Aumentar a ambição climática” ou “Acelerar a transição e o acesso à energia limpa em parceria com a África”.

Comprovando a sua transparência, por muito que os extremistas, os populistas e os decisores  pouco competentes digam o contrário, a Comissão Europeia tem sempre linhas abertas para recolher opiniões e informar sobre todos os passos que dá. Ilustrando mais uma vez, todos os dias da semana a Comissão Europeia, pelas 12 horas de Bruxelas, dá uma conferência de imprensa em que, durante cerca de uma hora, esclarece com jornalistas todos os tópicos pertinentes. Perguntas incómodas, como a invasão da Crimeia, o autoritarismo na Hungria e o paradoxo entre o desrespeito pelos direitos humanos na China e as relações comerciais deste país com a União Europeia, são respondidas por responsáveis da Comissão. Qualquer pessoa pode assistir, basta googlar: “ebs live site:europa.eu” (sem as aspas).

A dissertação sobre a transparência afastou-me do tema. As minhas desculpas, mas revolta-me a falta de honestidade sobre a ação da Comissão. Esta instituição tem muitos defeitos, mas a falta de transparência não é um deles.

Estava eu então a referir-me às onze áreas de diálogo relativas à concretização do Pacto Ecológico Europeu. Duas dessas áreas tiveram nos últimos dias avanços importantes. Foram apresentadas as estratégias relativas à biodiversidade e à alimentação sustentável. O nome completo de cada uma delas é: “Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 - Trazer a natureza de volta às nossas vidas” e “Do Prado ao Prato” ou na sua forma híper simplificada “B2030” e “F2F”.

Não há qualquer dúvida que ambas são muitíssimo importantes e o apelo da Comissão Europeia é, na realidade, simples: “tudo o que for feito a partir de agora deve estar em consonância com estas duas estratégias”.

Imagine-se que alguém dizia que queria reduzir em 20% o volume de fertilizantes e em 50% os pesticidas que são utilizados na agricultura. E que tal aumentar as áreas das zonas formalmente protegidas até 30% do território? Poderíamos pensar que esse alguém estava fora do seu perfeito juízo, certo? No entanto, é mesmo isso que está mencionado na página 7 da F2F e na página 4 da B2030! São compromissos internos à própria Comissão e progressivamente vertidos em propostas de legislação, mas que, em breve, se estarão a alastrar por toda a União Europeia e mais além. Assim, por exemplo, a renovação da Política Agrícola comum sofrerá três alterações para se poder conformar com as estratégias e, outro exemplo, em Portugal, o Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos já confirmou ser solidário com 30% de mar classificado como área marinha protegida na União Europeia.

Podemos pensar, erradamente, que o cuidado com a natureza é uma leveza romântica da alma humana. Nada mais longe da verdade. A natureza fornece serviços aos seres humanos contabilizados em 40 biliões de euros por ano ou, posto de outra forma, mais de metade do produto interno bruto do planeta depende do ambiente. Não é uma questão esotérica, representa dinheiro.

A ambição destas duas estratégias é elevada, mas é a solução para termos esperança no futuro. Estas duas estratégias representam a resposta do mundo civilizado às gerações vindouras, aos nossos filhos e netos. Com estas duas estratégias, e com a sua aplicação no terreno, poderemos afirmar que fizemos, com esforço real, o que estava ao nosso alcance.