sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Crónicas de Bruxelas – 81: Tiros nos pés? Não, obrigado!


Foto: F. Cardigos

Um pequeno à parte em jeito de introdução para explicar que este assunto me perturba particularmente. Eu sou mesmo muito ambientalista e fico possesso quando vejo alguns autoproclamados ambientalistas agirem contra os interesses do mundo natural. Para mais, neste caso, ainda me multaram!

Há uns dias informaram-me que na maioria da cidade de Bruxelas não se poderia circular a mais de 30 km/h. Essa medida foi promovida pelos partidos ditos verdes e, alegadamente, para limitar a poluição. Ora… Como explicar esta decisão sabendo que um carro polui muito menos se andar a 50km/h do que a 30 porque pode circular com uma engrenagem mais elevada?! Não querendo poluir e circulando tão lentamente quanto possível em quinta velocidade, eu fui multado. A uns “estonteantes” 36km/h, numa das avenidas da cidade capital da Bélgica e, para muitos, da União Europeia, eu fui multado. Está na lei e não cumpri, portanto, pague-se. Claro está.

Ter pessoas bem-intencionadas, mas sem a necessária competência técnica resulta em péssimas decisões. Não seria muito mais simples taxar a gasolina à proporção? Ou seja, quem gastasse menos combustível, poluía realmente menos e, desta forma, atingiam-se os objetivos iniciais.

Alguns amigos, perante esta proposta, dizem-me que a população se iria revoltar com mais taxas. “Foi o que aconteceu em França com os coletes amarelos”, referem. No entanto, o fenómeno dos coletes amarelos é muito mais complexo e resulta, essencialmente, do aprofundar do fosso geográfico, com a centralização de serviços públicos em terras distantes para obter otimização económica, e do fosso social. A classe média francesa está a ver diminuir a sua qualidade de vida e os seus rendimentos e, ao mesmo tempo, por exemplo, as grandes empresas tecnológicas de fora da Europa nem sequer pagam impostos naquele país… É realmente exasperante, mas penso que a questão do preço do combustível foi, simplesmente, o rastilho de algo mais profundo e importante.

Ao mesmo tempo, posso acreditar que não é verdade por uma razão simples: onde trabalho, o preço da gasolina desceu até 0,9 euros por litro e voltou a subir até 1,5 nos últimos meses e não houve qualquer revolução. Se as pessoas entendem que os preços variam de acordo com as regras de mercado, claramente, estas mesmas pessoas entenderiam se o preço variasse numa escala muito menor para recuperar o ambiente para si e para os seus filhos e netos.

Admito, talvez as taxas não sejam a melhor solução e haja outras ações mais adequadas para proteger o ambiente e respeitar o Acordo de Paris para as Alterações Climáticas. Aquilo que ninguém entende são as medidas (supostamente) ambientais que resultam em maior impacto ambiental! Isso, claramente, não faz sentido absolutamente nenhum.

Não é a primeira vez que sou confrontado com a incompetência bem-intencionada de pessoas ditas ecologistas (nada contra as pessoas verdadeiramente ecologistas, reforço). Quando trabalhava no Parlamento Europeu, fomos confrontados com uma nova técnica de pesca: pulse fishing (do inglês, “pesca por impulso elétrico”). Em termos simplistas, esta é uma arte de arrasto de fundo em que os peixes são capturados por uma rede em forma de saco em movimento depois de serem atordoados por um impulso elétrico.

Esta técnica estava em desenvolvimento pelos pescadores holandeses e, essencialmente por três razões, tem um impacto ambiental mais reduzido que a pesca de arrasto tradicionalmente usada para capturar pescado nos fundos marinhos. Primeiro, a arte mal toca no substrato: isto resulta num menor revolvimento, reduzindo a destruição de corais e esponjas ou, pelo menos, facilitando a sua recuperação após a passagem da arte. Ao mesmo tempo, em segundo lugar, como mal toca no fundo, as embarcações que rebocam a arte gastam muito menos combustível, logo, poluem menos. Em terceiro, como a arte emite um impulso e este pode ser modelado, apenas as espécies-alvo e do tamanho selecionado serão atordoadas e, em consequência, capturadas.

Os pescadores franceses, confrontados com uma técnica que não dominavam e que permitia capturar peixe muito mais barato (por não ser necessário tanto combustível) ficaram em pânico. Para minha surpresa, os poderosos ambientalistas franceses também se uniram aos pescadores, salientando, como ouvi numa conferência no Parlamento Europeu, que não se podia pescar com eletricidade porque “é mau”. Com esta argumentação “brilhante” e alguns erros processuais por parte dos holandeses, que se precipitaram antes de terem terminado os testes e esconderam a técnica (por causa das patentes), a nova arte, depois de discussões longas e ruidosas, foi mesmo bloqueada no Parlamento Europeu. É natural que seja totalmente abandonada nos próximos anos. Ou seja, os “verdes” conseguiram bloquear uma técnica Verde. Bravo!

Legislar e gerir com excelência o bem público é uma arte que não resulta apenas de boas intenções, até porque dessas está o inferno cheio… Para merecer o poder legislativo e executivo é necessário ter permanente bom senso, saber ouvir quem mais sabe e aplicar os conhecimentos com competência técnica e estratégica. Aproximando-se novas eleições, há que ler os programas eleitorais propostos e confrontar os candidatos com o seu conteúdo. É desta dialética entre a adequação do programa proposto com a nossa própria visão de futuro, a competência para o aplicar e a confiança que os candidatos nos merecem que deve nascer a decisão do voto. Fica a sugestão ou, como canta Sérgio Godinho, “cuidado com as imitações”.

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