sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Crónicas de Bruxelas - 83: Quinze minutos de leitura


Lendo "Uma Aventura Corvina", de José Carlos Magalhães Cymbron

Desde há cinquenta anos, um programa de rádio divulga o Jazz do mundo em Portugal. Quando trabalhava no nosso país, ouvia esta emissão sem grande atenção, mas com prazer. Chama-se “Cinco minutos de Jazz” e, nela, o autor, José Duarte, faz-nos viajar por um qualquer tema, compositor ou instrumentista através de estilos que vão do “New Orleans, ao swing, do bebop ao hard bop e ao free jazz”, como indicado no sítio internet da RDP.

Invariavelmente, trauteava os acordes e a melodia passava a acompanhar-me pelo resto do dia, como uma quase impercetível aula de tolerância e abertura à diversidade musical. Fui aprendendo a conhecer e a apreciar este género com os “Cinco minutos de Jazz”. "1, 2, 3, 4, 5 minutos de jazz"!

Dado este historial, quando em Bruxelas ouvi a diretora de uma escola secundária referir as palavras “quinze minutos de leitura”, rendi-me de imediato. Apenas podia ser uma fórmula ganhadora! Mas seria mesmo…?

Naquela escola secundária, dois dias por semana, as aulas param ao som de um sino e, durante quinze minutos, todo o pessoal escolar lê. Desde o mais pequeno dos alunos, passando pelos professores, até ao mais idoso dos auxiliares de ação educativa, todos se sentam, abrem o livro que escolheram antecipadamente e atacam as letras, palavras, linhas, parágrafos, páginas e capítulos. Durante 15 minutos dedicam-se à aventura, ao drama ou à comédia que estiver escondida por entre aquelas folhas de papel.

A própria diretora desce do seu gabinete, também com o seu livro debaixo do braço, e junta-se a uma turma ou a um dos múltiplos grupos de leitura que já nascem de forma razoavelmente desorganizada. Durante quinze minutos impera o silêncio, apenas obscurecido pelo murmurar quase surdo do juntar de sílabas que fazem os mais jovens ou pelo virar de mais uma página.

Tem sucesso?”, perguntei com o olhar desconfiado de quem não acredita nas novas gerações, vítimas oferecidas ao tuíter, ao tique-tóque e ao faissebuque. “Agarram-se aos livros e não querem parar!”, afirmou com um não disfarçado entusiasmo. “Aliás, a ideia foi deles. Publiquei no nosso boletim de segunda-feira a experiência que nasceu na Turquia e que se multiplicou por outros países, incluindo na Bélgica, e foi a comunidade escolar a sugerir que fizéssemos o mesmo. A iniciativa foi da comunidade escolar e tem estado a correr bem.”. Complementou dizendo que algumas turmas já estão a constituir as suas próprias bibliotecas e onde incluem outros objetos alusivos às tramas que leram.

Tento imaginar que livro escolheria, caso fosse estudante neste liceu. Que me lembre, o primeiro livro que li foi “As Aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain. Não teria gostado de o ler em frente a outras pessoas, até porque chorei com algumas passagens… Talvez escolhesse “A Crónica dos Bons Malandros” do Mário Zambujal, como sinal de rebeldia, ou o “Amor nos Tempos da Cólera”, porque sempre gostei de literatura sul-americana e este livro do Gabriel García Márquez foi publicado precisamente quando eu andava no liceu. Pergunto-me que livros escolherão e quais as razões da escolha… Tenho que perguntar na próxima vez que vir a diretora da escola.

Em Bruxelas, no meu bairro, há uma outra escola que levou esta ideia ainda mais longe. Adaptou o horário escolar e os 15 minutos de leitura passaram a fazer parte do quotidiano oficial da comunidade todos os dias da semana. Com estes interessantes passos, alguns jovens belgas estão progressivamente a voltar aos livros e à leitura. Parece-me uma iniciativa a equacionar pelas escolas nos Açores, se é que ainda não o estão a fazer…

Fica a ideia!


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