sexta-feira, 9 de julho de 2021

Voo do Cagarro - 5: Em Mértola

Rio Guadiana em Mértola.
Foto: F Cardigos
 

Muito provavelmente, já terei referido que um dos livros que mais me agradou ler foi o “Um Deus Passeando Pela Brisa da Tarde” escrito por Mário de Carvalho. A descrição dos ambientes romanos na Lusitânia sempre me fizeram sonhar, talvez porque se cruzem com a minha meninice do sul do Ribatejo. Os entardeceres pintalgados por um vento fraco, constante, cortante e quente, o coaxar de batráquios e os sons de insetos, a enorme luz e a ausência de vivalma são algumas das características que procuro em cada desejado regresso a estas paisagens, sejam elas no Ribatejo ou no Alentejo.

Neste quadro, Mértola é uma exceção. Dificilmente se pode esperar encontrar em
Mértola o sossego bucólico do Alentejo. Aqui, nesta vila, a dinâmica é dada pelo relevo, pelo rio e, principalmente, pela história.

A vila de Mértola acompanha um monte que sobe desde o rio Guadiana até que, no seu apogeu, se encontra com o castelo altaneiro. Nota-se que estamos longe das amplas planícies alentejanas. Aqui respira-se o vale do Guadiana.

Lá em baixo, o rio corre devagar, é certo, mas está permanentemente a ser utilizado por canoístas, banhistas, turistas, pescadores… Eu sei lá… Muita gente!

Há muitos anos atrás, ainda adolescente, desci este rio de semirrígido com familiares e a impressão com que fiquei foi bem diferente. Então, o rio sofria agressões de poluição constantes; agora vi peixes a saltar durante todo o tempo que estive nas águas e, sobre nós, algumas aves tentavam usufruir daquelas iguarias. Talvez ainda haja problemas com a qualidade da água, mas nada tem a ver com o que observei anteriormente. Melhorou e muito. Este Alentejo está bem vivo!

Na minha opinião, no entanto, aquilo que dá agitação a Mértola é a sua História e a capacidade para a contar. Não se espere que os transeuntes e que a generalidade dos empregados de restaurantes e hotéis saibam as histórias da História da vila. Não sabem.

Fruto de anos de estudo em escavações arqueológicas, os funcionários dos museus, incluindo os museus a céu aberto, dão boas explicações sobre o que está na nossa frente. Através destes fiquei a saber que a ocupação humana daquele território recua, pelos menos, até ao neolítico. Mas o ponto alto da História local foi a transição entre o período romano e o muçulmano. Fiquei espantado ao compreender que, nesse tempo, Mértola era tão importante que chegou a ser, por duas vezes, a capital de um principado (Taifa de Mértola).

O início do estudo sistemático da História de Mértola remonta ao final dos anos 70 do século passado. Desde então, com altos e baixos, as academias universitárias, apoiadas pelas autarquias e pelo Estado, têm investido num percurso que desenclausurou um passado extraordinário. Para o futuro, já foram estabelecidas novas parcerias que irão alargar o âmbito da ciência feita em Mértola às áreas da agricultura e da biologia. O objetivo essencial, em termos práticos, é que os terrenos agrícolas e o rio passem a garantir a segurança alimentar da vila.

Estive novamente em Mértola há uns dias atrás. Ao entardecer, soprou uma brisa ligeira. Em frente, já do outro lado do rio, um outro monte escondeu, brevemente, uma lua linda e cheia. Foi bom parar e olhar para o horizonte, ali pertinho, e ter a oportunidade de ver nascer a lua num entardecer revigorante. Não seria verdade, mas senti-me tão em paz que seria capaz de jurar que havia um Deus por ali…


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