sexta-feira, 6 de maio de 2022

Voo do Cagarro - 24: No contexto da chantagem energética por defender a Ucrânia

 
Pescador na Ucrânia em 2017.
Foto: F Cardigos

Regularmente, consulto as mais diversas estatísticas. Faço isso por prazer e porque me quero manter informado de base, sem influência dos fazedores de opinião ou outros intermediários. Gosto de fazer a minha apreciação olhando para os dados crus.
Ao “andar por aí”, descobri que os esforços globais de emancipação do carvão, enquanto fonte energética, estão longe de ter sucesso. Segundo a Ember’s Eletricity Review 2022, para atingirmos a absolutamente necessária neutralidade carbónica em 2040 (o grande objetivo do Acordo de Paris) há que decrescer o consumo de carvão em 13% ao ano. Paradoxalmente, no último ano, o uso de carvão para produção de energia elétrica aumentou 9%. Parece estar tudo louco!
Os principais países aparentemente responsáveis por este atentado ambiental são a China, destacada, a Índia e os Estados Unidos da América. Segundo o sítio internet Visual Capitalist, estes três países, em conjunto, são responsáveis por 72% do consumo de carvão. Ou seja, 40% da população mundial usa quase 3/4 do carvão.
No entanto, para sermos intelectualmente honestos, temos que procurar quais são os consumos per capita e aí os resultados são diferentes. Procurei no worldmeters.info que, com base no Statistical Review of World Energy (da BP) e na US Energy Information Administration, nos dá dados relevantes. Nesta perspetiva, a Austrália, a Bulgária e a Sérvia são os principais consumidores e, nos dez primeiros lugares desta triste lista, estão 5 países da União Europeia.
A China, a quem culparíamos facilmente se olhássemos apenas para os consumos totais, aparece em 13º lugar e os Estados Unidos em 18º. A Índia, apesar do consumo elevado, dada a sua enorme população, aparece lá para o meio da tabela.
O consumo de carvão é um dos indicadores da inadequação energética, mas não é o único. A súmula é dada pelas emissões de gases com efeito de estufa. Ao integrar todos os valores de emissões, segundo os dados de 2019 do Statista, aparecem nos três primeiros lugares desta ainda mais triste lista de emissões per capita: Austrália, Estados Unidos e Canadá. Nos dez primeiros lugares, mais uma vez, cinco países da União Europeia.
Segundo o Renewables Global Status Report (REN21) em 2019, apenas 19,9% da energia produzida a nível planetário teve origem em fontes alternativas. Também a União Europeia conseguiu atingir o pouco ambicioso objetivo para 2020 de ter 20% da produção energética com base em alternativas. Faltam 80%!
Segundo James Lovelock, o criador da hipótese de Gaia, a fonte energética alternativa mais limpa é a geotermia, abundante nos Açores. Os três países do mundo que mais usam a geotermia são a China, a Turquia e a Islândia. Nos dez primeiros lugares desta positiva lista estão apenas dois países da União Europeia, segundo a Agência Internacional para a Energia, e nenhum deles é Portugal.
No dia em que escrevo esta crónica saíram os dados rápidos do Eurostat sobre inflação. Atingiu uns impressionantes 7,5% na zona euro. A causa? “Os preços da energia continuam a ser o motor da subida da inflação”, leio no Observador.
Ao mesmo tempo, vemos a União Europeia a ser vítima de chantagem energética por parte da Rússia e da Argélia, dois dos nossos fornecedores de combustíveis fósseis. A Rússia quer manietar a União Europeia no que diz respeito à Ucrânia e a Argélia, aproveitando a onda, tenta fazer o mesmo em relação a Marrocos.
Sumariando… A União Europeia é um dos grandes emissores de gases com efeito de estufa, ainda está dependente de fontes tão sujas como o carvão, importa e depende de poluição sob a forma de energia potencial ficando com isso condicionada na sua ação externa, e, como consequência de tudo isto, a inflação está galopante.
Visto desta forma, é simples resolver o problema. Há que investir massivamente nas fontes energéticas limpas, locais e baratas, ou seja, pragmaticamente, as que aproveitam a radiação solar, o vento e o calor interno do nosso planeta e haverá que usar o Hidrogénio para armazenamento. Para que isso possa ser uma realidade é necessário investir na pesquisa e desenvolvimento.
No entanto, verificando o número de patentes registadas nos Estados Unidos da América em 2021, segundo a Harriet Patents Analyctics, nas 25 primeiras posições não consta qualquer empresa da Europa. Há, naturalmente, empresas norte-americanas, mas também sul-coreanas e japonesas, entre outras. Do continente europeu, nem uma… Este é um sinal sério de que algo vai muito mal na pesquisa e desenvolvimento do velho continente.
Há também que investir radicalmente na execução de projetos de energias alternativas. Apenas com mais infraestruturas de produção implementadas no terreno poderemos abandonar as energias de origem fóssil. O ambiente do futuro assim o exige e a paz e a economia de hoje assim o aconselham.
Para atingirmos os objetivos ambientais, todos teremos de fazer um esforço. Esse esforço terá de incluir a União Europeia e, dentro da União Europeia, Portugal e as suas regiões autónomas.
É escusado perpetuar a retórica, como oiço desde há muitos anos também nos Açores e na Madeira, de que quando nos toca devemos resistir. Não! Vai ser difícil pagar o preço das emissões nas viagens de avião e no transporte marítimo de mercadorias, mas, como pessoas dignas que somos, teremos de fazer um esforço. Mais, devemos ter orgulho e apregoar esse esforço. É publicidade da boa!

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