sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 69: Adrenalina climática!

As alterações climáticas estão a acelerar devido ao uso excessivo de combustíveis fósseis, requerendo a intervenção humana para abrandar esse processo e mitigar os seus impactos.

Aceitar esta simples frase foi um trabalho de décadas, que exigiu lutar contra opiniões, laxismos e ações de empresas poderosíssimas e seres humanos mal-intencionados ou, no mínimo, irresponsáveis. Todos aqueles que menorizaram o problema entre levianos escritos nas redes sociais, em confrangedores discursos ou mesmo em livros publicados, ou seja, todos aqueles que arrastaram a dúvida e a preguiça deveriam colocar a mão na consciência. A negação, o cepticismo e a inacção exacerbaram a crise climática.

Por se ter arrastado o inevitável (aceitar a frase inicial e agir em consequência), o certo é que estamos num momento crítico. Como tantas vezes acontece, é tendência humana extremar posições, o que, geralmente, não ajuda.  Portanto, há que pensar um pouco e, com calma, mas ativamente, planear, agir, avaliar os resultados e reiniciar o ciclo.

Com bom senso, há que contrariar as ações precipitadas e deprimidas que apenas servem para focar os olhos da opinião pública no acessório. Refiro-me aos activistas climáticos que, cheios de razão, têm feito grandes asneiras contra o património cultural comum da humanidade. Os fins não justificam os meios, até porque estas atitudes geram aquilo que se designou por “ansiedade climática”. Como todas as patologias, a sua intensificação pode gerar doenças, como a depressão, ou, nos casos mais benignos, o simples afastar de potenciais aliados e comprometer a causa.

No outro extremo, há que contrariar os messiânicos que consideram que uma qualquer epifânica invenção nos irá salvar, como aconteceu no passado, por exemplo, com a alimentação. Para quem não se recorda do que sucedeu no primeiro quartel do século XX, eu refiro-me à providencial invenção dos fertilizantes agrícolas por parte de um dos mais controversos cientistas da História, o químico alemão Fritz Haber. A humanidade salvou-se então da fome que parecia certa.

Talvez haja um inesperado desenvolvimento tecnológico, mas isso não é garantido. Atente-se ao que aconteceu aos Rapa Nui, vítimas da exaustão ambiental que os próprios provocaram. Quando as coisas correm mal, podem correr mesmo muito mal!

Pessimismo, não; relaxamento, nem pensar! Não, não podemos esperar. No entanto, esta ação tem que partir dos sorrisos e do optimismo, da energia saudável da juventude e dos pensamentos arrojados. “Vamos fazer acontecer”, alguém disse um dia.

Foi no meio desta convulsão de pensamentos que me pareceu que era necessário dar expressão escrita ao que estava na minha mente. Ocorreu-me então: “Adrenalina climática!”. Ora aí está! Com o sentido da urgência, mas imbuídos de boas intenções, assentes no saber científico, correndo de frente para o vento e para a maresia, vamos fazer o que é necessário sentindo os elementos a salpicar-nos a cara. Ousadia e responsabilidade! Com criatividade, com génio, com arrojo estruturado, saltemos para a linha da frente! Emancipemos o movimento Verde, tão preso a dogmas do passado e tantas vezes agrilhoado a interesses sectoriais incompreensíveis, e encontremos as soluções que sejam aceitáveis pela sociedade no seu todo. A cada momento e em cada detalhe, polvilhemos este planeta das condições que permitam a nossa própria sobrevivência.

Não esperemos que o vizinho do lado o faça, até porque ele não o irá fazer; não aguardemos que haja unanimidade, porque isso não acontecerá. Vamos nós, já! Lideremos pelo exemplo.

Criemos a harmonia ambiental que permita que cada um de nós possa ir à procura dos seus sonhos individuais de forma justa e que nos encontremos juntos nas ambições coletivas sustentáveis. Olhemos para cada situação, para cada problema e para cada gesto pincelando-os com a fantástica cor da adrenalina climática!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 68: O Dever Cívico

Alinharam-se as estrelas e vim votar presencialmente ao Faial. É sempre agradável participar na festa da democracia in loco e rever bons amigos!

No passado, aproveitando as ainda escassas ferramentas de voto antecipado à distância, várias vezes votei a partir do local onde estava a trabalhar. No entanto, o número de vezes que o meu voto não chegou a tempo à urna, a incerteza sobre a elegibilidade da minha situação de deslocado e a importância que dei a estas eleições em particular, fizeram com que viajasse do Luxemburgo até ao Faial.

O voto está feito e inserido na urna. Foi um prazer ver o sempre dinâmico e empenhado Presidente da minha Junta de Freguesia, o Sr. Laurénio Tavares, os muitos amigos que prescindiram do seu domingo para estar nas mesas de voto e todas as pessoas que ordeiramente e respeitosamente exerceram o seu dever cívico. Excelente!

Quando escrevo estas primeiras linhas, ainda não sei qual foi o veredicto eleitoral. Vou deixar os últimos parágrafos em aberto para elaborar sobre isso, mas, para já, há algumas considerações que me parecem ter valor e são independentes do resultado.

Primeiro que tudo, considero lamentável que ainda não haja ferramentas tecnológicas implementadas em Portugal que garantam que os votos exercidos à distância cheguem a tempo de serem validados no processo eleitoral. Para quem não sabe como funciona, eu explico que quando se vota antecipadamente em local que não o de residência, o voto tem que ser transportado fisicamente até à mesa de voto onde estamos registados. Se o voto chegar antes do dia de eleições e a justificação dada para o voto antecipado for considerada válida, a expressão do mesmo é contabilizada. Caso não chegue a tempo ou a comissão eleitoral considere a situação invocada como não elegível, o voto é inválido.

Sinceramente, eu não entendo qual a vantagem para a democracia em limitar o voto. Por que existem condições de elegibilidade para exercer o voto antecipado à distância? Mas a minha indignação é ainda maior no que diz respeito ao não uso das novas tecnologias. Como já referi num artigo anterior, na Bélgica o voto é eletrónico desde os anos 90 do século passado. Em Portugal, continuamos em experiências e projetos-piloto… Qual a razão?  O resultado desta inércia e desta inépcia é ter de transportar fisicamente os votos. Se o transporte atrasar, aumenta a abstenção. Quem ganha com isto? Não é o processo democrático, certamente.

Felizmente, eu tenho possibilidade de pagar a viagem de avião e faltar ao emprego pelo tempo necessário. Mas quantas pessoas deslocadas em serviço o poderão fazer? Não me parece minimamente justo.

Entretanto, terminou o período de voto e os resultados já são conhecidos. Primeiro que tudo, manda a democracia e a boa educação felicitar os vencedores, a coligação PSD/CDS/PPM (“coligação”, a partir de agora), e dar os parabéns aos 57 eleitos. Que façam um excelente mandato que beneficie os açorianos e quem nos visita!

Segunda observação: houve 114 mil abstenções em 230 mil inscritos. Quem quiser minimizar este facto que o faça. Eu não! Para se ter uma ideia deste valor e da sua importância diga-se que a coligação teve 49 mil votos, e o PS, o segundo mais votado, teve 42 mil.

Fazendo algumas simplificações e extrapolações, de forma grosseira podemos afirmar que, caso a abstenção fosse um partido, teria eleito 28 deputados. Isto faria com que a coligação tivesse eleito 12 deputados, o PS teria eleito 10, o Chega teria eleito 3, o BE, a IL e o PAN 1 deputado cada e os votos em branco e nulos teriam eleito um deputado. Não defendo uma opção de cadeiras vazias, em que os lugares “eleitos” pela abstenção, nulos e brancos ficariam vazios no Parlamento, mas é preciso enfrentar o problema.

Há quem refira que os cadernos eleitorais, onde constam os votantes potenciais, pecam por excesso. A isso eu respondo que no Corvo a abstenção foi de 14%, o que compara com os 50% a nível regional. Quando há um esforço de mobilização, as pessoas comparecem, é a minha conclusão.

Haveria muito mais a dissertar sobre as razões e os efeitos desta enorme abstenção, mas o espaço não é suficiente. Portanto, termino com um repto para os responsáveis. Que analisem com detalhe o perfil do abstencionista e se faça um esforço sério para criar a educação cívica e se introduzam os estímulos e as condições (legais e técnicas) para que todos participem no processo eleitoral. Seria uma boa serventia para a democracia e ela precisa!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.