Montra com cartazes de publicidade partidária em Bruxelas.
Por: F Cardigos
Ao chegar a Bruxelas, depois de umas
magníficas férias nos Açores, não posso dizer que as diferenças fossem muitas.
No entanto, havia uma que me entrava pelos olhos dentro. As montras estavam
povoadas por cartazes com caras de pessoas bem penteadas e com ar confiante que
sorriam na direção de quem passava. Para além do sorriso, havia um nome,
provavelmente correspondente à pessoa ilustrada, um logótipo ou pequena frase e
um número.
Não foi
preciso pensar muito para concluir que estes cartazes estavam relacionados com
as eleições Comunais da Bélgica que se realizam a 14 de outubro. Estas
estruturas do ordenamento administrativo, que em Portugal estariam entre a
Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, procuram eleger, como acontece de seis
em seis anos, novos titulares ou confirmar os atuais.
Portanto,
se a face e o nome eram autoexplicativos, o logótipo e, essencialmente, o
número não o eram. Se fosse sempre um logotipo de um partido ou coligação,
ainda compreenderia. Mas não era o caso. Em muitos casos, o logotipo era
substituído pela expressão: “Liste du Bourgmestre”.
Fui à procura de explicações.
O
essencial e que caracteriza indelevelmente as eleições na Bélgica, em completo
contraste com Portugal, é que o voto é obrigatório. Por essa razão e porque no
passado houve excessos, a publicidade eleitoral está muito orientada para
prestar a informação essencial e não para aliciar os eleitores a irem votar, já
que esse é um dado legalmente adquirido. Portanto, na Bélgica não há isqueiros,
chapéus, aventais e outras bugigangas para serem oferecidas. A publicidade
eleitoral está normalizada. Há cartazes, panfletos, sessões de esclarecimento e
pouco mais. Já vi os candidatos e seus amigos nos parques e lojas a dar
explicações sobre o recenseamento eleitoral para estrangeiros residentes e clarificando
as suas ideias.
Segundo
me explicaram, a tal expressão, “Liste du
Bourgmestre” é utilizada nos casos em que o atual presidente se
recandidata. Como tenho verificado, a “lista do Presidente” é, muitas vezes,
constituída por diversos partidos e independentes. Faltava-me a explicação
sobre o número que constava nos cartazes…
Ora,
o que acontece é que, aqui na Bélgica, o voto pode ser preferencial. Para
explicar como o processo funciona irei descrever o ato de votar em si. Oxalá
fosse escorreito, mas não é. Começa logo pelo facto de não haver apenas um
processo, mas sim quatro: um para a Flandres, outro para a Valónia, um outro
para Bruxelas e, finalmente, um para a região germanófona. Portanto, irei descrever
o processo usado em Bruxelas e salientarei algumas diferenças para as restantes
regiões.
Nas
comunas de Bruxelas há voto eletrónico presencial (na Valónia ainda se vota em
papel). Assim, depois de identificado, ao cidadão eleitor chegado à mesa de
voto é dado um cartão magnético. Com esse cartão, o eleitor dirige-se à câmara
de voto onde está um ecrã táctil e uma ranhura. Na ranhura, o eleitor insere o
cartão e no ecrã aparece uma pergunta sobre a língua que pretende utilizar.
Pode-se escolher entre o francês e o flamengo, dado Bruxelas ser uma região bilingue.
Na Flandres, na Valónia e na zona germanófona esta pergunta é redundante, visto
o flamengo, o francês e o alemão serem as línguas oficiais respectivas.
Depois
aparecem no ecrã as diversas listas concorrentes. Nesse momento, o eleitor
decide se vota na lista A, B, C, etc... Ah, uma diferença em relação a Portugal,
apenas se vota numa única lista. Ao contrário, relembro, em Portugal, nas
eleições autárquicas vota-se três vezes. Uma para a junta, outra para a
assembleia municipal e, uma outra, para a vereação. Aqui não há duas estruturas
(junta e município), apenas uma (commune)
e é a Assembleia da commune que elege
o órgão executivo. Das eleições resultam o Presidente, que é o primeiro na
lista mais votada (na Valónia pode não ser o primeiro) e os conselheiros
(equivalentes a membros da Assembleia Municipal/Freguesia).
Depois,
após negociações, de entre os conselheiros eleitos são nomeados os diversos
vereadores (órgão executivo). É muito habitual os vereadores serem oriundos de
diversas listas. Por exemplo, em Ixelles, uma das comunas da Região de Bruxelas,
a presidente pertence ao MR (“Movimento Reformador”, liberais), há quatro
vereadores do MR, três vereadores do PS (socialistas francófonos) e um do SP.A
(socialistas flamengos). Todos têm competências atribuídas, ao contrário do que
acontece tipicamente em Portugal, em que os vereadores da oposição são ostracizados
do poder.
Portanto,
voltando à minha linha de descrição, o eleitor regista a lista em que quer
votar na segunda pergunta. Depois de escolher a lista, pode escolher quais os
candidatos em que quer votar dentro dessa lista. Caso não escolha ninguém, é
como se tivesse escolhido todos. Não pode, como me interroguei de imediato,
fazer uma mistura entre candidatos de várias listas. Portanto, fazendo um
paralelismo com as eleições regionais dos Açores, caso houvesse voto
preferencial, poderia expressar que queria votar no candidato a presidente do
seu partido favorito e no candidato número 14 desse mesmo partido, mas não pode
dar a sua preferência a todos os candidatos a presidente de todos os partidos. É
que a resposta à segunda pergunta na sequência de voto exclui de imediato os
candidatos das restantes listas.
É,
assim, por esta razão que o número que aparece nos cartazes é tão importante. O
eleitor pode mesmo expressar que não gosta do candidato a presidente proposto
pela sua lista e escolher, dentro da lista, outras pessoas para o representar. Para
escolher, há que encontrar o número e registá-lo no ecrã no momento do voto.
Estive
a fazer uma pequena pesquisa e encontrei um caso em que o candidato a Presidente
foi preterido pelo voto preferencial. Mas, segundo apurei, isso é possível na
Valónia, mas não em Bruxelas. Em Bruxelas, mesmo que o candidato a Presidente
não tenha qualquer voto preferencial, será sempre o Burgomestre se a sua lista
for a mais votada. Em resumo, o voto preferencial em Bruxelas pode alterar a
ordem de todos os membros da assembleia eleitos exceto o candidato a
presidente.
A
existência do voto preferencial provoca autênticas guerras dentro da própria
lista. Deparei-me com um curioso caso em que desapareceram os cartazes de um
determinado candidato e os principais suspeitos eram os concorrentes da mesma
lista. Na minha investigação, um outro candidato queixou-se que os seus parceiros
estavam a colar os seus cartazes por cima do seu. Uma autêntica selva…
Ainda
é cedo para me pronunciar sobre o voto preferencial, porque me dá a sensação de
privilegiar os candidatos populistas e espertalhões e não os mais virtuosos. No
entanto, entre ter um partido a seriar os candidatos ou os eleitores, como eu
ou quem me lê, parece-me ser mais interessante a segunda opção. Algo a
refletir!
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