A casa da democracia europeia, o Parlamento Europeu em Estrasburgo.
Por F. Cardigos
Ultimamente, temos sido confrontados com resultados de
plebiscitos que levantam algumas dúvidas relativamente aos nossos mecanismos
democráticos, particularmente quanto à consulta direta dos cidadãos. A vitória
da intolerância, do populismo e do isolacionismo que foram expressos nas
eleições norte-americanas, do lado de lá do Atlântico, e na Turquia, Hungria e
Polónia, deste nosso lado, e, claro está, o Brexit demonstram que há
necessariamente que refletir o processo democrático.
Neste artigo, não irei discutir a justiça dos resultados ou
o mérito dos concorrentes, mas apenas a introdução de ferramentas que possam
reforçar a democracia. Esta minha reflexão, apesar de defender alguns pontos de
vista, não me encerra neles próprios. É uma reflexão e isso significa que é um
processo em curso, até para mim próprio, passe o pleonasmo.
Quando analisamos o resultado de cada uma das eleições
mencionadas atrás, verificamos que, por trás, há uma qualquer particular
disfunção. Por exemplo, nos Estados Unidos da América jamais o Presidente Trump
teria ganho as eleições se cada voto contasse o mesmo. Isto porque, segundo o
sistema utilizado, o vencedor de cada Estado, com exceção do Maine e do Nebraska,
tem direito a todos os votos (the winner
takes it all). Apenas para dar uma ideia, caso houvesse uma democracia de
um ser humano um voto, teríamos tido o Presidente Al Gore e a Presidente Hillary
Clinton. Assim não foi. O voto de um republicano da Califórnia ou o voto de um
democrata do Texas deveria contar igualmente para a eleição do Presidente dos
Estados Unidos, mas, na realidade, não é bem assim. Portanto, ponto 1, para a
eleição dos Presidentes, cada cidadão deveria contar um voto.
Tanto nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos
da América como no Brexit muito se falou da interferência russa. Fosse esta
concretizada através das notícias falsas (fake
news), de apoios a determinados candidatos ou pontos de vista ou de interferência
no sistema eletrónico de contabilização de votos, houve, de facto, uma enorme
desconfiança. Há, portanto, que munir o sistema judicial de instrumentos
financeiros e legais para detetar e punir quem disseminar notícias falsas, quem
der apoios ilegais ou quem tente atentar contra a cibersegurança. No antigo
bloco de leste, os regimes populistas que começam a grassar nalguns países são
também, em parte, resultado das notícias falsas propagadas pelos próprios
governos. A Comissão Europeia tem estado a reagir, mas, eventualmente, já vai
tarde. No caso da Polónia, a situação já é tão grave que o governo está a
tentar interferir diretamente no sistema judicial, um crime contra o Estado de
Direito e, se o conseguirem concretizar, fatal para a democracia.
Outro ponto que me parece interessante estudar é a
abstenção. Não seria um problema se a abstenção tivesse uma distribuição
homogénea no espectro social. No entanto, estou convencido que os votantes muito
descontentes são mais facilmente mobilizáveis para votar e estes são, também,
os mais facilmente atraídos pelos discursos extremistas. O descontentamento com
a sua situação ou com a classe política motiva as “franjas” da sociedade que
consideram que as soluções radicais podem ser os elementos necessários para se
chegar a uma sociedade mais justa e equitativa. Não ceio que assim seja, e, portanto,
parece-me, é essencial que os moderados voltem às urnas. Alguns países, como a
Grécia e Bélgica resolveram esse assunto com o voto obrigatório. De facto, se
somos obrigados a pagar impostos, e bem, porque não somos obrigados a
contribuir para a identificação dos nossos governantes? O que é mais importante?
Contribuir para o sistema pagando os impostos ou decidir quem os vai gerir?! Se
não gostarmos de qualquer das propostas que nos são apresentadas, podemos
sempre votar em branco, mas nem sequer ir às urnas?! Não me faz qualquer
sentido. Penso que, no caso do Brexit, se todos os cidadãos britânicos tivessem
votado, o resultado teria sido outro.
Por fim, a questão do acumular das eleições. Em Portugal, há
sempre datas diferentes para as eleições presidenciais, europeias,
legislativas, regionais e autárquicas. Já na Bélgica, as próximas eleições
europeias serão acumuladas com as federais (equivalentes às nossas legislativas)
e regionais. Eu compreendo que ambos os sistemas têm vantagens, mas defendo que
deveria prevalecer a acumulação de eleições numa mesma data. Aponto como
vantagens, por um lado, o combate à abstenção, porque as pessoas tendem a votar
mais para as legislativas e menos para as europeias, e, por outro, o desentrelaçar
do voto de penalização. Em Portugal, as pessoas votam para as europeias não tendo
em conta as questões verdadeiramente da Europa, mas sim para promover ou
penalizar o governo da República ou Regional, esquecendo-se que não são essas
as eleições que estão em questão. Se, no mesmo dia, tomassem decisões relativas
a cada nível de decisão, este factor de “transferência” ficaria grandemente
atenuado.
Há outros instrumentos que deveriam ser equacionados, como o
voto à distância pela internet e um maior investimento na componente
informativa das campanhas. É inacreditável que as pessoas conheçam minimente as
pessoas por quem vão votar, mas desconheçam os respetivos programas. Se eu
perguntar quem conhece o programa proposto pelo partido em quem vão votar,
quantas pessoas poderão responder com honestidade que o conhecem?! Talvez uma
medida ou outra mais popular, mas de resto… tenho grandes dúvidas.
A democracia é o melhor dos métodos para nos governar. No
entanto, ela não está fechada numa redoma. Pode ser manipulada e pode ser
melhorada. Apenas com reflexão e discussão poderemos chegar mais longe e fazer
melhor. Aqui deixo o meu ponto de partida.
Notas:
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