Navio de Investigação "Arquipélago",
uma peça fundamental para estudar o Mar dos Açores.
uma peça fundamental para estudar o Mar dos Açores.
Foto: F Cardigos
A vida levou-me a trabalhar em
Bruxelas, junto das instituições europeias. Apesar de, na maior parte do tempo,
observar de longe o que se passa nos Açores, até por inerência das minhas
funções, olho para as ilhas com enorme atenção. Talvez esta distância me tire
um pouco da paixão da discussão do momento e da emoção do envolvimento na
argumentação, o que lamento, mas dá-me o tempo para pensar e relacionar com o
que de bom e de mau se vai fazendo noutras geografias da Europa e que confluem
em Bruxelas.
Ao mesmo tempo, por defeito de
formação, sigo com enorme atenção os temas relacionados com o mar. Para além de
ser licenciado em biologia marinha, sempre me dediquei profissional e emocionalmente
aos assuntos do mar. Mergulho, nado, navego, adoro comer bom peixe e outros
produtos do mar e, quando nos Açores, vivo com vista para o mar e detenho a
audição nas ondas que batem contra os rochedos.
Não se pode amar o que não se
conhece e dificilmente se justifica a conservação do que não tem utilidade. Por
isso, compreendo que para gostar e proteger o mar é necessário conhece-lo ou
usá-lo ou, preferencialmente, ambos.
Apenas compreendo o
desenvolvimento da economia do mar com base no investimento e resultados
privados. Ao sector público compete acompanhar, regular, estimular e, em casos
excecionais, liderar, mas o investimento deve ser privado. Se um pequeno
investimento não for privado é porque, possivelmente, não tem razão de ser. O
protagonismo do investimento apenas deve fugir aos privados nas grandes obras
ou nos setores estratégicos com volumetrias não facilmente assimiláveis pelas
empresas. São os casos dos portos, dos transportes marítimos de passageiros e
do sector educativo, no caso dos Açores. No que ao resto diz respeito, atuem os
privados!
Pode dizer-se, e é verdade, que o
sector privado marinho nos Açores ainda tem pouco peso e que este está
razoavelmente dependente dos fundos europeus postos à disposição pelo Governo Regional.
Em termos históricos isto foi importante para estimular o aparecimento do
investimento privado, não sendo menos verdade que este aconchego continua a ser
essencial para reduzir o risco associado aos investimentos no oceano. Ou seja,
entre aplicar as reservas financeiras privadas no mar de uma região
ultraperiférica da Europa ou no continente, onde a proximidade ao mercado tudo
simplifica, dificilmente um privado apontará às ilhas a não ser que haja um
estímulo adicional. Este estímulo pode ser emocional, pelos que se apaixonam
pelos Açores ou que aqui têm relações familiares, ou económico. É aqui, no
estímulo económico, que entra o apoio do Governo, criando programas para os que
optam pelo território insular.
É difícil traçar a linha que
define o limite do estímulo financeiro. Por exemplo, poderíamos pensar em
estímulos equivalentes a 100% do investimento. Isso facilitaria certamente a
celeridade do investimento, mas permitiria uma total desresponsabilização do
investidor.
Pelo que vou verificando, no
investimento privado marinho nos Açores há quase sempre três componentes:
capitais próprios, empréstimos bancários e estímulo das entidades públicas. Já
o balanço entre os três é muitíssimo variável.
A Economia Azul é o conjunto de atividades
com intuito lucrativo, realizadas em meio marinho e enquadrados pelo desenvolvimento
sustentável (ações que respeitem e não hierarquizem o ambiente, a economia e a
sociedade). Nos Açores, na minha opinião, a economia azul tem ainda um valor
residual comparado com o potencial existente. Para além das atividades
monitorizadas pelo Barómetro PwC da Economia do Mar, e que tem apontado
resultados razoavelmente positivos, há setores ainda inexplorados ou ainda com
elevado potencial de crescimento. De entre os que não oferecem grandes
resistências ambientais a priori, destaco
pela sua diversidade tipológica a produção de energia com origem marinha, a
exploração biotecnológica, a aquicultura, a mediação jurídica para o sector
marítimo, o cinema e divulgação televisiva e a construção e reparação naval,
entre muitos outros. São muitas e muito contrastadas as atividades que me
ocorrem ao correr da pena. Sendo arrojado, porque, de facto, não se sabe se terá
viabilidade ambiental, a exploração de minerais no mar profundo parece ser uma
atividade adicional com interesse económico. Para estas e outras atividades marinhas
há estímulos disponíveis e estes, aparentemente, ir-se-ão manter no futuro, de
acordo com a tendência apontada pelas negociações nas instituições europeias
para o próximo quadro comunitário de apoio.
A pesca e o turismo são
atividades com evidente interesse e lugar no mar do arquipélago dos Açores. No
entanto, porque são atividades já consolidadas, é essencial acompanhar o seu
desenvolvimento para garantir que não são vítimas da massificação. A aposta na
qualidade, em ambas as atividades, tem de ser constante e isso inclui também novos
investimentos.
Um dos outros fatores limitantes
ao investimento privado é a falta de educação ou cultura na temática em causa.
No caso dos Açores, para além dos departamentos de oceanografia e pescas (DOP)
e de biologia da Universidade dos Açores, do AIR Centre e dos clubes navais,
está prestes a entrar em funcionamento a Escola do Mar dos Açores e avizinha-se
o Observatório do Atlântico. Para além destas, há outras estruturas
educacionais indiretamente relacionadas com o conhecimento marinho e, estou em
crer, sempre que é identificada uma oportunidade ou debilidade, o investimento correspondente
é feito. Parece-me que, do ponto de vista estrutural, estão a ser dados os
passos certos para munir o Arquipélago com as ferramentas educacionais adequadas.
Do ponto de vista humano, na
educação há passos a dar e parece-me que a total falta de investigadores no
quadro do DOP com menos de cinquenta anos é um sinal muitíssimo preocupante.
Não é um ponto insignificante e condiciona alguns investimentos, mas ainda não
ensombra o potencial da economia do mar nos Açores.
Por tudo isto, parece-me que o
futuro pode, deve e será muito azulado nos Açores. O mar, esse gigante que nos
abraça com quase um milhão de quilómetros quadrados, é já casa para diversas
empresas, mas tem ainda um enorme potencial. Estou em crer que o crescimento do
investimento privado marinho irá dar um interessante contributo para contrariar
a contração demográfica, aumentar a qualidade de vida e reforçar o valor
estratégico dos Açores.
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