quinta-feira, 1 de abril de 2021

Crónicas de Bruxelas - 93: O mundo tem de mudar e em Bruxelas já se começa a notar

Anúncio público de remodelação urbana em Bruxelas.
Foto: F Cardigos
 

Com honestidade, é impossível afirmar perentoriamente como será a realidade depois de terminar este quase Calvário a que chamamos de pandemia de covid-19.  Parece certo que haverá mudanças e, olhando com atenção, há já alguns vislumbres desse mundo novo. Claro que, entre aquilo que pareceria lógico e de bom senso e a realidade que iremos observar, haverá, certamente, imprevisíveis diferenças. No entanto, deixemo-nos aventurar por esse perigoso mundo da adivinhação por algumas linhas…

Aqui em Bruxelas, os cientistas têm sido questionados pela comunicação social, tentando obter pistas sobre esse futuro. Mais do que dar respostas sobre o que nos espera, os cientistas, pejados de discernimento, têm antes alertado para as oportunidades que se nos apresentam.

Essencialmente, tentam transmitir uma mensagem de contenção e de sustentabilidade. O racional é simples: se conseguimos optar por produtos e serviços sustentáveis durante a pandemia e se conseguimos reduzir o consumo durante este período, porque não continuar esse percurso. É que, salientam os cientistas entrevistados, a manutenção dos níveis de consumo de antes da pandemia acabarão por exaurir o nosso planeta.

Num mundo perfeito, cada pessoa que não consiga reduzir o consumo deverá colmatar o seu impacto com ações ecológicas e sociais. Por exemplo, quem viajar de avião deverá garantir que plantará ou onerará a plantação de árvores que consumam os combustíveis que foram emitidos. Ou seja, o viajante deverá compensar a sua pegada ecológica de alguma forma. Para se ter uma ideia, uma viagem entre Lisboa e Ponta Delgada “custa” cerca de 20 árvores por pessoa.

Também no tecido urbano há outras mudanças no horizonte. Salientava há uns dias o Presidente da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa que os grandes edifícios da cintura de Bruxelas ocupados por escritórios das multinacionais estão a ser adaptados para prédios de habitação. Isso resulta de uma sequência de fatores que começou no início da pandemia; fatores estes que, aparentemente, modificarão a cidade para sempre. Passo a explicar.

Durante a pandemia, as multinacionais foram obrigadas a colocar o seu pessoal a trabalhar a partir do domicílio. Estes prédios ficaram vazios de uma semana para a outra e algumas empresas, obviamente, terminaram os seus contratos de aluguer.

Ora, acontece que uma grande parte dos funcionários vivendo em Bruxelas, se antes se contentavam com um apartamento onde pudessem essencialmente dormir, agora querem uma habitação onde, adicionalmente, tenham condições para trabalhar. Portanto, de repente, passou a haver uma enorme procura por apartamentos de maiores dimensões e estes, simplesmente, não existiam. Ao mesmo tempo que grandes prédios ficaram vazios. Uma combinação com consequência óbvias…

Mesmo para as instituições europeias, onde o teletrabalho generalizado era suposto ser temporário, há mudanças aparentemente perenes. No caso da Comissão Europeia já se fala em haver, pelo menos, 40% do pessoal em teletrabalho permanente. Também estes funcionários irão querer os seus espaços de habitação ampliados. Para além disso, ao contrário de preferirem uma habitação perto do centro da cidade, com acesso fácil a restaurantes, cultura e outros serviços similares, agora, com o isolamento social, estão a prescindir dessa proximidade.

Estas pequenas habitações no centro também lhes davam acesso rápido aos empregos, visto estarem inevitavelmente perto dos transportes públicos. No entanto, para ir uma vez por semana ao emprego, como agora parece ser a nova realidade, passou a ser confortável estar mais longe do centro.

Quem parece regozijar-se com isso são os municípios limítrofes de Bruxelas. Enquanto as pessoas se contentaram com espaços pequenos situados perto dos locais de emprego, estes municípios pouco beneficiavam com a “bolha europeia”. Agora, com esta desintegração do bairro europeu, olham para os “estilhaços” e tentam capturá-los para seu benefício. Novos habitantes significam mais impostos recolhidos e novos empregos criados nas lojas e serviços de apoio. Esta migração é um autêntico maná para os autarcas com visão.

Hoje de manhã, a caminho do Gabinete dos Açores em Bruxelas, parei a bicicleta num semáforo vermelho. Olhei distraidamente para um edifício de escritórios e estranhei a sua aparência decadente. Dou mais atenção e reparo num anúncio de obras que preenche parte da sua face lateral onde leio: “demolição (…) reconstrução (...) com 124 alojamentos”. Se faltava alguma evidência, ela aqui está! O mundo de Bruxelas está a mudar. Nada será como dantes!



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