terça-feira, 20 de abril de 2021

Voo do Cagarro - 1: Assim começa o meu “Voo do Cagarro”

Cagarro.
Foto: Paulo Henrique Silva, SIARAM.

Ao longo dos últimos anos, tenho mantido uma colaboração regular com diversos órgãos de comunicação social. Primeiro, na saudosa Revista Mundo Submerso, onde publicava crónicas sob o título genérico “Casa Alugada”. Depois, no Correio dos Açores e no Tribuna das Ilhas, as “Crónicas de Bruxelas”. Terminado o meu período de vida em Bruxelas, a minha vinda para Lisboa leva-me a iniciar um novo ciclo.

Para encontrar um nome para este novo ciclo, resolvi começar por pensar como me sentia. Admito, rapidamente concluí que me sinto um pouco nómada. Senti-me bem nos Açores, em qualquer ilha, e chamo casa ao Corvo e ao Faial. Senti-me bem em Bruxelas e em todos os locais que fui visitando ali à volta em trabalho ou lazer. Nos diferentes sítios do continente onde vivi na minha juventude, Lisboa, Casal Vidigal, Torres Novas e Faro, senti-me sempre bem. Os primeiros dias de regresso a Lisboa vão no mesmo sentido, sem problemas de adaptação.

No entanto, há sempre uma subjacente vontade de regressar ao Mar e, em particular, ao Mar dos Açores. Vou viajando, mas, aquilo a que posso chamar casa tem maresia e água salgada, como um cagarro. Cagarro!? É isso, digo silenciosamente em tom de eureka!

Entre o estridente som dos cagarros a povoar o céu noturno da Vila do Corvo e as horas passadas na campanha SOS Cagarro, sinto que tenho alguma afinidade com esta ave marinha, apesar de não ter qualquer pretensão a ser ornitólogo. Até o meu primeiro trabalho de campo sério nos Açores foi com cagarros. Então, no Morro de Castelo Branco, recolhia regorgitações de cagarros e tentava, com verdadeiros especialistas, identificar os seus itens alimentares.

Muito bem, cagarros será. Mas cagarros quê? Falta aqui qualquer coisa… Deixei a imaginação e a memória voar mais um pouco.

Há muitos anos atrás, em 2003, participei numa reunião internacional da Convenção OSPAR que decorria no Algarve (Tavira). Como qualquer reunião internacional oficial, o país tinha um representante mandatado pelo Governo e um corpo técnico de apoio. Eu pertencia ao corpo técnico e tinha por missão aconselhar o representante. Este, espelhando ou não a opinião dos técnicos que o auxiliavam, expressava a posição do país. Foi neste contexto que, entre colegas, dissertei um pouco sobre a necessidade de um maior reconhecimento mútuo do Mar de Portugal, assente nos bons exemplos do Continente, dos Açores e da Madeira.

Um colega mais experiente, chamou-me de lado e disse-me: “as colónias portuguesas de pardelas [é assim que os continentais chamam os cagarros] representam os vértices de um polígono que tem de ser português”. Discretamente, esbocei numa folha de papel um polígono que tinha como extremos as Berlengas, as Selvagens e a Ilha do Corvo e concluí intimamente: “um triângulo gigante e perfeito, o triângulo de Portugal”. Gravei. Passados uns anos, Portugal iniciou os trabalhos relacionados com a extensão da plataforma continental e o primeiro mapa divulgado unia, finalmente, a trilateralidade num oceano luso único.

O cagarro, o voo do cagarro, o meu voo. Voo do Mar dos Açores no Mar de Portugal e a este volto com prazer. É isso. “O Voo do Cagarro”! O Voo do Cagarro será o título da minha nova série de crónicas. Aqui fica a primeira, outras se seguirão.



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