Pára tudo! Assim mesmo, em português do antigo e do bom!
Pára tudo, já! Isto é mesmo importante para todos os que gostam de mar.
Aquele mar gigante, grande, largo, azul, útil, venturoso, profundo, misterioso
e inspirador? Sim, precisamente!
O Governo dos Açores lançou um processo de consulta pública para todos os
cidadãos interessados se pronunciarem sobre a nova proposta de Rede de Áreas
Marinhas Protegidas do arquipélago. Este processo de consulta pública inclui as
áreas propriamente ditas (expostas em mapas) e o enquadramento jurídico para a
gestão da nova rede.
Em termos científicos, este processo assenta em muito no trabalho iniciado
pelo Doutor Ricardo Serrão Santos e hoje protagonizado pelos cientistas do
Okeanos, antigo DOP. Aliás, um dos relatórios deste instituto, denominado
“Cenários de planeamento sistemático de conservação do mar profundo dos
Açores”, faz parte do próprio processo de consulta. O relatório é coordenado
pelo Doutor Telmo Morato e a sua equipa está, neste momento, a terminar a
visita à centena e meia de montes submarinos dos Açores que se localizam até
aos mil metros de profundidade. É um trabalho gigantesco, nunca antes feito e
que usa muita tecnologia desenvolvida no próprio arquipélago.
Sendo a investigação científica do mar profundo um trabalho que exige
enormes esforços, merece também menção o multilateralismo e a cooperação
científica internacional. Ao longo dos anos, investigadores do Okeanos, como a
Doutora Ana Colaço, também Comissária da Comissão do Mar dos Sargaços (baseada
na Declaração da Hamilton), vêm reforçando as parcerias com os melhores
institutos de investigação do mundo que permitem, progressivamente, ir
conhecendo o Mar dos Açores, aquele que agora queremos proteger ainda melhor.
Não irei aqui repetir o anúncio da consulta pública que pode ser encontrado
na internet com uma simples pesquisa, mas tenho de enfatizar alguns detalhes.
Em primeiro lugar, esta proposta permitirá proteger 30% do mar alto dos Açores.
Todos os cientistas sérios referem vezes sem conta que este é um factor
essencial para a recuperação e preservação dos Oceanos. É necessário proteger,
pelo menos, 30% dos oceanos globais. Ao apontar para este número, os Açores
estão a responder coerentemente ao repto internacional.
Em simultâneo, os mesmos cientistas referem que é necessário interditar à
extração cerca de 15% dos Oceanos. Mais uma vez, a proposta aponta para este
número. Portanto, se podemos e devemos questionar alguns dos detalhes expostos
na consulta pública, estes números, para mim, são realmente importantes e urge
não os colocar em risco.
Alguns poderão dizer que interditar à extração 15% do Mar dos Açores pode
ter custos. Realisticamente, não me parece. Certamente, algumas áreas
significativas para as pescas ficarão agora interditas. No entanto, estas áreas,
os tais 15%, servirão de base a diversos serviços ecológicos que beneficiarão
todas as atividades, incluindo as pescas. Por exemplo, estas áreas protegidas
podem funcionar como zona de reprodução, como zona de crescimento, como zona de
refúgio ou como zona para outros processos ecológicos de recuperação e
resiliência ambiental.
Não me parece que esta Rede de Áreas Marinhas Protegidas prejudique as
pescas ou outras atividades extractivas que decorrem nos Açores, mas mesmo que prejudicasse,
há zonas que, pelo seu elevado valor em termos de biodiversidade, em termos de
geodiversidade ou de património arqueológico têm que ficar em paz. Não podemos
estar preocupados com o ambiente, com a natureza e com a cultura às terças e
quintas e destruí-las no resto da semana. Há ações que custam, mas que temos de
fazer. Felizmente, não me parece que esta Rede seja um peso. Os benefícios
ultrapassam em muito os custos associados.
Como referia, há certamente ainda alguns aspectos a melhorar na proposta. Na
minha opinião, há que restringir o uso em zonas adicionais. Por exemplo, é
imprescindível que zonas vulneráveis da Dorsal Médio-Atlântica, como as fontes
hidrotermais “Menez Gwen” e “Luso” e os montes submarinos particularmente ricos
em esponjas e corais do mar profundo, sejam incluídas nas zonas não extractivas.
São locais com uma enorme biodiversidade e espécies que não existem em mais
lado nenhum. Que irresponsabilidade seria não as proteger. Felizmente, temos
este processo de consulta pública para expressarmos estas e outras opiniões e
daqui nascer uma Rede de Áreas Marinhas Protegidas do mar alto que seja um
exemplo a nível mundial.
Atrás, refiro o “mar alto” porque a revisão das zonas marinhas costeiras, aquelas
que integram os Parques Naturais de Ilha dos Açores, ficarão para um segundo
momento. Está a decorrer um processo participativo paralelo de definição e que,
certamente, estará em breve em consulta pública. Por essas áreas costeiras, aguardemos.
É mesmo importante ler os documentos associados à nova Rede de Áreas
Marinhas Protegidas do mar alto dos Açores, refletir e participar. Até 15 de
setembro, os nossos governantes têm de sentir que o Mar dos Açores é mesmo
relevante para os açorianos e para todos os que têm o sangue polvilhado de
maresia. Este é o momento de o demonstrar!
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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