A grande vantagem deste rodopio
laboral é que sempre pude escolher o que mais me convinha entre o que estava
disponível (em termos de objetivos profissionais, de remuneração e de outras
condições), mas com a enorme desvantagem de nunca ter tido estabilidade. Assim
sendo, sempre que estive sob contrato ganhei mais e fiz essencialmente o que
gostava, mas o máximo que pude planear à frente foram três anos. Digamos que é
péssimo para obter um crédito para comprar uma casa ou um carro e um pouco
deprimente nos períodos entre contratos.
A diversidade de posições e a
alternância de organizações para que trabalhei deram-me uma perspectiva
abrangente das diferentes realidades e o privilégio de poder dar alguns
contributos para reflexão. Devo começar por dizer que o sistema português é,
comparativamente, pouco versátil, cheio de privilégios inquestionados e com o
progresso na carreira assente quase totalmente na antiguidade. O resultado é
que os funcionários públicos em Portugal tendem a fazer apenas o necessário.
Fazem-no bem, mesmo muito bem, mas o mínimo necessário e sem nunca dar nas
vistas.
No Parlamento Europeu fui
assistente parlamentar acreditado de um membro eleito. Os assistentes não têm
lugares permanentes e têm de “lutar” para permanecer ou melhorar a sua posição.
Ganha-se bem, mas um mau assistente é despedido sem misericórdia ou
compensação. É o preço a pagar. Tipicamente, o assistente especializa-se na
respetiva área de competência e, em princípio, vai acedendo a novos contratos,
por vezes trocando de eurodeputado para melhorar a sua situação financeira ou aceder
a uma maior longevidade contratual. Os melhores eurodeputados tendem a atrair
os melhores assistentes e vice-versa.
Na Comissão Europeia, onde
trabalho atualmente, há dois níveis de progressão. A progressão horizontal, por
escalão, é totalmente assente no tempo de serviço. São pequenos saltos, até atingir
o escalão máximo dentro de um grau, mas que, apesar de pequenos, estimulam a
permanência na instituição.
A progressão vertical, faz parte
de um processo mais geral que começa pela avaliação anual do funcionário. Com
base nesta avaliação, que segue também um processo bem formalizado, é a
hierarquia que, por entre os seus funcionários, escolhe os melhores para propor
para promoção. Estas propostas são depois discutidas pelos níveis hierárquicos superiores
até haver uma lista estabelecida por cada Direção Geral. Sendo o número de
promovidos limitado, esta lista não contém todos os propostos pela hierarquia
imediata.
Quando um funcionário se sente
mal ou injustiçado pela sua chefia ou pelo resultado final do exercício das
promoções pode lançar um recurso ou, simplesmente, pedir para ser deslocado de
unidade. Pelo que pude verificar, a maioria das pessoas que é competente e não
está confortável com a classificação pede para ser deslocado de unidade o que,
tipicamente, acontece rapidamente e sem qualquer conflito.
O processo de progressão é
acompanhado por sindicatos e por estruturas oficiais que verificam e auditam o
sistema. Isso garante que não há privilégios imerecidos ou outras regalias
fantasmas. Portanto, está tudo montado para que seja promotor da competência e
desmobilizador do conflito.
Um funcionário que queira avançar mais rápido
na carreira e saltar mais de um nível pode sempre concorrer a um dos variados
concursos lançados pelas Instituições europeias. Por exemplo, um colega meu com
contrato permanente na Comissão Europeia descobriu recentemente que havia
concurso para dois níveis acima do dele e para o qual era elegível. Começou de
imediato a estudar e, caso tenha sucesso, vai ganhar mais mil euros por mês!
Terá que fazer os exames necessários para provar que tem realmente competência
para assumir as novas responsabilidades, mas, em caso de sucesso, será
altamente recompensado. O serviço também fica a ganhar porque seleciona a
melhor pessoa de entre as dezenas de milhar que tem nos seus quadros.
Um enorme contraste com o caso
português, preso numa teia de burocracia, desconfiança e com recompensas
difíceis de discernir. Por exemplo, há pouco tempo reparei que os melhores
funcionários públicos portugueses podem ser agraciados com um dia suplementar
de férias anual. Para isso, terão de ser avaliados e auditados num interminável
procedimento. Eu, que nem sou funcionário do quadro da Comissão, estou hoje a
usufruir de um dia suplementar de férias (aqui chamado de “recuperação”) apenas
porque nos registos diários se concluiu que tenho trabalhado mais tempo do que
era suposto. Depois de uma confirmação sumária segue-se uma autorização quase
imediata por parte da hierarquia. Claro que, quando amanhã voltar ao trabalho,
irei muito mais satisfeito e cheio de vontade de produzir porque sei que o
sistema está montado para olhar descomplicadamente por quem se dedica. Isso é
espetacular.
Para terminar quero referir um
exemplo de que tive conhecimento através de um livro publicado este ano. Apesar
de ter sido escrito por um eurodeputado, Raphael Glucksmann, a passagem em
causa refere-se aos funcionários públicos de Taiwan e, parece-me, poderia
facilmente ser aplicado em Portugal.
Trata-se de um sistema que avalia
as propostas anualmente sugeridas pelos milhares de funcionários públicos para
a melhoria do seu próprio serviço. Depois de avaliadas, as propostas meritórias
são colocadas em prática e os autores são automaticamente promovidos sem
qualquer intervenção das chefias. Isto faz com que as pessoas que têm melhores
ideias e maior capacidade de gerar a mudança positiva sejam altamente
estimuladas e, se for caso disso, rapidamente colocadas em posição de
implementar essa mesma mudança.
Com um somatório de atitudes como
estas, o certo é que Taiwan (República da China, de seu nome oficial) continua
a resistir. Uma enorme prova de sucesso.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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