sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Crónicas do Voo do Cagarro - 63: Finalmente no Liechtenstein

 

Vista do Liechtenstein sobre as montanhas suíças.
Foto: F Cardigos

Quem me lê poderá eventualmente lembrar-se da primeira tentativa, em 2019, de ir ao Liechtenstein, esse principado dos Alpes, e como a suave tragédia de uma quase justificável confusão com Lichtenstein, o município alemão, impediu o consumar do plano. Enfim, tempos passados. Depois desse infortúnio e por insistência da filhota, finalmente aconteceu.

Admito que a minha esperança de chegar ao Liechtenstein era tão baixa que não preparei minimamente. Dentro de mim, considerava que jamais iria acontecer, portanto, porquê perder tempo a planear? Dito isto, quando, já de madrugada e noite escura, entrámos no principado, eu ainda duvidava que estivesse realmente por lá...

Apenas quando acordei e olhei pela janela é que acreditei que tinha realmente acontecido. A paisagem era absolutamente deslumbrante. No primeiro plano, a povoação com as casas típicas dos Alpes. Depois, um vale coberto de nuvens cujo efeito era como um lago em que as torres de igrejas que se adivinhavam abaixo insistiam em perfurar até à superfície. Mais distantes, a todo o horizonte, uma linha de montanhas encimadas por alva neve. Nenhuma descrição será suficiente para ilustrar quão deslumbrante era esta paisagem.

Em termos geográficos, o Liechtenstein é um pequeno país constituído por um vale e meio. A distante paisagem montanhosa que tinha visto de manhã era precisamente a outra parte do meio vale e que já pertence à Suíça.

Dada a falta de planeamento, a verdade é que não sabia muito bem o que fazer no Liechtenstein. O improviso incluiu seguir as placas de sinalização até ao castelo. No entanto, o castelo é mesmo a residência oficial do soberano e, portanto, invisitável.

De seguida, continuando no improviso, fizemos uma visita à catedral. Este edifício religioso está longe de ser deslumbrante e, por isso, abreviámos o tempo de permanência ao mínimo respeitável.

Por último, encontrámos e visitámos o museu. O conteúdo expositivo está belissimamente organizado, permitindo compreender todos os temas em termos genéricos e escalpelizar com maior detalhe as componentes que mais nos interessam. É um tipo de visitação que me dá muito prazer. Fartei-me de aprender sobre a história do Liechtenstein e sobre outros assuntos que ali me pareceram muito bem explicados.

Terminada a visita, resolvemos embrenharmo-nos nas festividades dominicais, passeando pela capital Vaduz. Metemos conversa com um dos locais que imaginava que dois portugueses apenas poderiam ali estar por causa do jogo de futebol. Longe disso. Respondendo a perguntas nossas, este senhor admitiu que os cidadãos do Liechtenstein têm problemas como os restantes, “mas os problemas é que são diferentes”. “Ah, sim?!”, respondemos adivinhando que a conversa começava a ser interessante. “Sim”, respondeu, “nós temos uma indústria que emprega 42 mil operários e há apenas 40 mil pessoas no Liechtenstein. Que fazer? Empregamos as crianças e os idosos? Resolvemos não o fazer. Como alternativa, importamos mão de obra. Isto significa que há milhares de pessoas a viver na Áustria e na Suíça e a deslocarem-se diariamente para o meu país. Não me parece muito correto, mas é caro demais viver aqui. Depois, como somos mesmo muito ricos, não sabemos o que fazer ao dinheiro. Poderia estar a exagerar, mas não. O nosso município tem milhões parados porque não sabemos em que investir. Já temos tudo.”

O nosso tempo tinha terminado. Havia que seguir viagem e o Liechtenstein iria ficar para trás. Mas as palavras deste cidadão continuavam a ecoar. Será mesmo como disse? O certo é que visivelmente no Liechtenstein se vive muito bem. Ao contrário do que acontece noutros pequenos países, não nos pareceu que esta disponibilidade financeira se devesse apenas a facilidades bancárias e fiscais. Talvez a indústria seja realmente suficiente… Esclarecer este mistério é algo que só por si obrigará a um regresso ao Liechtenstein. Até breve!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Crónicas do Voo do Cagarro - 62: Protegendo a eco-diversidade em terra e no Mar dos Açores

Há uns dias, um bom amigo enviou-me um interessante artigo sobre abelhas publicado no jornal New York Times (“The beekeepers who don’t want you to buy more bees”, escrito por David Segal). No artigo defendia-se a surpreendente tese que a defesa das abelhas passava por conter a proliferação de colmeias.

Segundo o autor, houve, de facto, um problema de decréscimo generalizado das populações de abelhas. Seja devido a pragas (parasitas), ao uso massivo de pesticidas e fertilizantes na agricultura industrial, à perda de habitat ou às alterações climáticas, as populações de abelhas decresceram muito, para níveis assustadores. Mas… e este “mas” é importante, este decréscimo não é hoje transversal a todas as espécies de abelhas.

Escreve o autor que as espécies de abelhas produtoras de mel, as abelhas domesticadas, estão robustas e as suas populações estão a crescer. Esta recuperação de meia dúzia de espécies muito deve à ação humana, nomeadamente com o investimento em novas colmeias para a produção de mel e estimuladas, também, para promover a polinização. Lembro que há diferentes tipos de polinização conforme as espécies de plantas e muitas dependem de animais para mediar a sua reprodução.

Se as abelhas domesticadas estão bem de saúde, já as populações das cerca de duas mil espécies de abelhas selvagens não estão a ter uma proteção efetiva e as suas populações estão a decrescer. Acontece que estas espécies de abelhas selvagens são acrescidamente importantes enquanto polinizadoras para espécies de plantas em que são especialistas e, também importante, porque se não desempenharem o seu papel ecológico abrem-se brechas no ecossistema.

Procurei um pouco e concluí que estes nichos sem dono podem ser ocupados por espécies invasoras e agressivas, como são algumas espécies de vespas. A seguir, depois de ocuparem o território, estas vespas invasoras e predadoras de abelhas afastam o que resta das populações já debilitadas. Sobre o perigo das vespas invasoras na Europa aconselho o recente artigo do jornal Guardian “‘Excruciating’ hornet sting leaves Rome dinner party guest on crutches as plague spreads” por Angela Giuffrida.

Pior ainda é a proteção exagerada das espécies produtoras de mel. O crescimento destas populações de abelhas domesticadas faz com que as flores disponíveis para as espécies de abelhas selvagens diminuam muito. A este título, aconselho a leitura da tese “Competition between wild bees and manged honeybees – a review of floral preferences” escrita por Charlotte Hansson da Universidade de Ciências Agrícolas da Suécia.

Como conclusão, o artigo do New York Times refere que é importante produzir mel e que as abelhas produtoras de mel são relevantes para a polinização de diversas espécies de flora. Portanto, há que manter a dinâmica de produção de mel, mas, prioritariamente, é urgente proteger as espécies de abelhas selvagens. Ajudar está ao alcance do cidadão comum. As pessoas interessadas em promover a diversidade de abelhas e, já agora, outros insectos podem cultivar flora selvagem e construir um chamado “hotel para insectos”. Os designs para estes originais hotéis estão disponíveis na internet e qualquer um os pode colocar no seu jardim.

A mensagem da minha parte é que proteger o mundo natural não resulta de uma única ação. É da escolha pessoal por entre a diversidade de opções oferecidas pela ciência que a cidadania se deve exercer. Por mim, que já tenho um jardim de flores selvagens (com a enorme vantagem de ser muito fácil de manter), falta-me construir o hotel para insectos. Vai ser em breve!

Por muito importante que seja, o meu mundo preferencial não é feito em terra, mas sim na água salgada. Interessam-me muito todas as ações que ajudem a proteger a biodiversidade e a geodiversidade presentes nos oceanos e o Mar dos Açores em particular. A esse título, se concordarem, convido-o a juntar-se à petição pública “MARDOSACORES” disponível na internet e que pretende fortalecer a implementação urgente da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.