Quem me lê poderá eventualmente lembrar-se da primeira tentativa, em 2019,
de ir ao Liechtenstein, esse principado dos Alpes, e como a suave tragédia de
uma quase justificável confusão com Lichtenstein, o município alemão, impediu o
consumar do plano. Enfim, tempos passados. Depois desse infortúnio e por
insistência da filhota, finalmente aconteceu.
Admito que a minha esperança de chegar ao Liechtenstein era tão baixa que
não preparei minimamente. Dentro de mim, considerava que jamais iria acontecer,
portanto, porquê perder tempo a planear? Dito isto, quando, já de madrugada e
noite escura, entrámos no principado, eu ainda duvidava que estivesse realmente
por lá...
Apenas quando acordei e olhei pela janela é que acreditei que tinha
realmente acontecido. A paisagem era absolutamente deslumbrante. No primeiro
plano, a povoação com as casas típicas dos Alpes. Depois, um vale coberto de
nuvens cujo efeito era como um lago em que as torres de igrejas que se
adivinhavam abaixo insistiam em perfurar até à superfície. Mais distantes, a
todo o horizonte, uma linha de montanhas encimadas por alva neve. Nenhuma
descrição será suficiente para ilustrar quão deslumbrante era esta paisagem.
Em termos geográficos, o Liechtenstein é um pequeno país constituído por um
vale e meio. A distante paisagem montanhosa que tinha visto de manhã era
precisamente a outra parte do meio vale e que já pertence à Suíça.
Dada a falta de planeamento, a verdade é que não sabia muito bem o que
fazer no Liechtenstein. O improviso incluiu seguir as placas de sinalização até
ao castelo. No entanto, o castelo é mesmo a residência oficial do soberano e,
portanto, invisitável.
De seguida, continuando no improviso, fizemos uma visita à catedral. Este
edifício religioso está longe de ser deslumbrante e, por isso, abreviámos o
tempo de permanência ao mínimo respeitável.
Por último, encontrámos e visitámos o museu. O conteúdo expositivo está
belissimamente organizado, permitindo compreender todos os temas em termos
genéricos e escalpelizar com maior detalhe as componentes que mais nos
interessam. É um tipo de visitação que me dá muito prazer. Fartei-me de
aprender sobre a história do Liechtenstein e sobre outros assuntos que ali me
pareceram muito bem explicados.
Terminada a visita, resolvemos embrenharmo-nos nas festividades dominicais,
passeando pela capital Vaduz. Metemos conversa com um dos locais que imaginava
que dois portugueses apenas poderiam ali estar por causa do jogo de futebol.
Longe disso. Respondendo a perguntas nossas, este senhor admitiu que os
cidadãos do Liechtenstein têm problemas como os restantes, “mas os problemas é
que são diferentes”. “Ah, sim?!”, respondemos adivinhando que a conversa
começava a ser interessante. “Sim”, respondeu, “nós temos uma indústria que
emprega 42 mil operários e há apenas 40 mil pessoas no Liechtenstein. Que
fazer? Empregamos as crianças e os idosos? Resolvemos não o fazer. Como
alternativa, importamos mão de obra. Isto significa que há milhares de pessoas
a viver na Áustria e na Suíça e a deslocarem-se diariamente para o meu país.
Não me parece muito correto, mas é caro demais viver aqui. Depois, como somos
mesmo muito ricos, não sabemos o que fazer ao dinheiro. Poderia estar a
exagerar, mas não. O nosso município tem milhões parados porque não sabemos em
que investir. Já temos tudo.”
O nosso tempo tinha terminado. Havia que seguir viagem e o Liechtenstein iria ficar para trás. Mas as palavras deste cidadão continuavam a ecoar. Será mesmo como disse? O certo é que visivelmente no Liechtenstein se vive muito bem. Ao contrário do que acontece noutros pequenos países, não nos pareceu que esta disponibilidade financeira se devesse apenas a facilidades bancárias e fiscais. Talvez a indústria seja realmente suficiente… Esclarecer este mistério é algo que só por si obrigará a um regresso ao Liechtenstein. Até breve!
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