sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Crónicas do Voo do Cagarro - 62: Protegendo a eco-diversidade em terra e no Mar dos Açores

Há uns dias, um bom amigo enviou-me um interessante artigo sobre abelhas publicado no jornal New York Times (“The beekeepers who don’t want you to buy more bees”, escrito por David Segal). No artigo defendia-se a surpreendente tese que a defesa das abelhas passava por conter a proliferação de colmeias.

Segundo o autor, houve, de facto, um problema de decréscimo generalizado das populações de abelhas. Seja devido a pragas (parasitas), ao uso massivo de pesticidas e fertilizantes na agricultura industrial, à perda de habitat ou às alterações climáticas, as populações de abelhas decresceram muito, para níveis assustadores. Mas… e este “mas” é importante, este decréscimo não é hoje transversal a todas as espécies de abelhas.

Escreve o autor que as espécies de abelhas produtoras de mel, as abelhas domesticadas, estão robustas e as suas populações estão a crescer. Esta recuperação de meia dúzia de espécies muito deve à ação humana, nomeadamente com o investimento em novas colmeias para a produção de mel e estimuladas, também, para promover a polinização. Lembro que há diferentes tipos de polinização conforme as espécies de plantas e muitas dependem de animais para mediar a sua reprodução.

Se as abelhas domesticadas estão bem de saúde, já as populações das cerca de duas mil espécies de abelhas selvagens não estão a ter uma proteção efetiva e as suas populações estão a decrescer. Acontece que estas espécies de abelhas selvagens são acrescidamente importantes enquanto polinizadoras para espécies de plantas em que são especialistas e, também importante, porque se não desempenharem o seu papel ecológico abrem-se brechas no ecossistema.

Procurei um pouco e concluí que estes nichos sem dono podem ser ocupados por espécies invasoras e agressivas, como são algumas espécies de vespas. A seguir, depois de ocuparem o território, estas vespas invasoras e predadoras de abelhas afastam o que resta das populações já debilitadas. Sobre o perigo das vespas invasoras na Europa aconselho o recente artigo do jornal Guardian “‘Excruciating’ hornet sting leaves Rome dinner party guest on crutches as plague spreads” por Angela Giuffrida.

Pior ainda é a proteção exagerada das espécies produtoras de mel. O crescimento destas populações de abelhas domesticadas faz com que as flores disponíveis para as espécies de abelhas selvagens diminuam muito. A este título, aconselho a leitura da tese “Competition between wild bees and manged honeybees – a review of floral preferences” escrita por Charlotte Hansson da Universidade de Ciências Agrícolas da Suécia.

Como conclusão, o artigo do New York Times refere que é importante produzir mel e que as abelhas produtoras de mel são relevantes para a polinização de diversas espécies de flora. Portanto, há que manter a dinâmica de produção de mel, mas, prioritariamente, é urgente proteger as espécies de abelhas selvagens. Ajudar está ao alcance do cidadão comum. As pessoas interessadas em promover a diversidade de abelhas e, já agora, outros insectos podem cultivar flora selvagem e construir um chamado “hotel para insectos”. Os designs para estes originais hotéis estão disponíveis na internet e qualquer um os pode colocar no seu jardim.

A mensagem da minha parte é que proteger o mundo natural não resulta de uma única ação. É da escolha pessoal por entre a diversidade de opções oferecidas pela ciência que a cidadania se deve exercer. Por mim, que já tenho um jardim de flores selvagens (com a enorme vantagem de ser muito fácil de manter), falta-me construir o hotel para insectos. Vai ser em breve!

Por muito importante que seja, o meu mundo preferencial não é feito em terra, mas sim na água salgada. Interessam-me muito todas as ações que ajudem a proteger a biodiversidade e a geodiversidade presentes nos oceanos e o Mar dos Açores em particular. A esse título, se concordarem, convido-o a juntar-se à petição pública “MARDOSACORES” disponível na internet e que pretende fortalecer a implementação urgente da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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