sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 67: Reflexão sobre riscos, o papel da sociedade e as eleições

 
Matriz hipotética de auxílio à decisão de voto. 


O Fórum Económico Mundial entrevistou recentemente 1490 líderes mundiais sobre os 20 principais riscos que nos traz o ano de 2024. Os resultados completos e detalhados em 124 páginas podem ser encontrados com uma simples pesquisa na internet usando as palavras-chave: 2024 Global Risks Report pdf. Aqui, neste artigo de opinião, vou-me reter apenas nos 5 mais significativos e de forma simplificada.

Estes cinco riscos estão divididos em três categorias: ambiente, tecnologia e sociedade. O maior destes riscos é o relacionado com os “eventos climáticos extremos” e este é apontado por 66% dos líderes mundiais. Em segundo lugar aparece a “má informação e desinformação gerada por inteligência artificial” apontada por 53%, depois a “polarização da sociedade” apontada por 46%, a “crise causada pelo custo de vida” apontada por 42%, e esta lista é encerrada pelos “ciberataques” apontados por 39%.

Para além dos riscos a curto prazo, o Fórum Económico Mundial pediu para os líderes se expressarem também sobre os riscos a longo prazo, neste caso a 10 anos. Para os líderes mundiais entrevistados, dos 5 maiores riscos a longo prazo, os quatro primeiros estão na categoria de ambientais e o último destes cinco na categoria de tecnologia. Os quatro ambientais são, novamente em primeiro lugar, “eventos climáticos extremos”, depois as “mudanças extremas nos sistemas terrestres”, a “perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas” e, por último, “falhas nos recursos naturais”. O quinto maior risco é também um tópico coincidente com a lista de curto prazo, “má informação e desinformação gerada por inteligência artificial”.

Por estes dias foi divulgado que 2023 não foi apenas o ano mais quente de sempre. Foi ainda mais quente do que os cientistas tinham previsto, reforçando a ideia que o aquecimento global, para além de estar a aumentar, pode mesmo estar a acelerar. Não tenho palavras para descrever as consequências que isto terá para a humanidade e, com a pouca voz que tenho, grito: Agora! Há que passar das medidas de fazer de conta para as medidas que contam! Cada responsável, cada político, cada cidadão de bem tem de fazer a sua parte.

Olho para a tempestade que devassou a parte baixa da cidade da Horta e penso na temperatura de 2023. Não é tempo de apontar culpados, até porque todos o somos. É tempo de fazer muito melhor! Agora! Tomar consciência dos riscos deve-nos motivar a agir com consciência, planeando ações ou promovendo quem se dedica a planear e a agir para minimizar com competência estes e outros riscos.

Em vésperas de eleições regionais, na antecâmara da campanha para as eleições nacionais e europeias, este é o momento de se pensar no que queremos para o nosso futuro e para o futuro de quem queremos bem. Há que ler, conversar (com e como seres humanos…), refletir, decidir e votar.

Para decidir antes de votar, eu integro os riscos globais, como os mencionados atrás, numa matriz de células vermelhas mais vasta. Nessa matriz, coloco os nomes dos partidos e coligações na horizontal e os pontos que considero essenciais na vertical.

Para mim, pessoalmente, os pontos essenciais são: (a) posicionamento relativamente à União Europeia, (b) NATO, (c) Euro, e (d) às guerras na Ucrânia e em Gaza, (e) as expressões de racismo e intolerância, e (f) as propostas demagógicas e populistas, (g) a importância dada ao ambiente e, apenas para as eleições nacionais, (h) a reforma da justiça.

Depois de ler as propostas de programa de Governo e ouvir os candidatos, começo a preencher a matriz com vermelho nas interceções que classifico de negativas. Só as forças partidárias que passam razoavelmente em branco na matriz podem ser alvo do meu voto. Reparem que, propositadamente, não refiro qual a minha preferência em cada ponto. Isso é do meu foro privado e, até por razões de ética profissional, não o posso revelar.

Na mesma perspetiva, nas eleições a nível regional, adiciono à matriz pontos relacionados com (i) a gestão ambiental, proteção da biodiversidade e áreas protegidas, (j) as ciências marinhas com base no Faial, (k) a produção primária sustentável, (l) o serviço regional de saúde, (m) a educação, (n) o apoio à cultura e (o) apoio ao jornalismo regional independente.

Há outros pontos, como o desporto, a produção primária industrial e tantos outros, que serão, com toda a legitimidade, prioritários para outras pessoas. Mesmo eu vou acrescentando e retirando pontos como cada um me parece essencial para o momento ou processo eleitoral em causa. É da escolha pessoal, privada e dinâmica dos pontos essenciais que resulta a beleza, diversidade e eficiência do processo democrático.

A democracia depende totalmente da participação consciente e informada no dia das eleições. O primeiro passo é pensar e o último é votar. Vote!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 66: Avanços na ciência e tecnologia em 2023

Fazendo uma pesquisa na internet, rapidamente se encontram muitas descobertas importantes ocorridas em 2023 no mundo da ciência e tecnologia. A American Chemical Society, a National Geographic, a Science, o Smithsonian e outros publicaram listas sensacionais que recomendo vivamente. Este artigo não tem a pretensão de ser uma dessas listas. Apenas, até porque me foi pedido, faço uma abordagem a alguns avanços que me parecem ser particularmente importantes.

A banalização da chamada inteligência artificial ocorreu, na realidade, em 2022 quando a empresa OpenAI disponibilizou gratuitamente o ChatGPT. No entanto, foi em 2023 que se começou a entender a dimensão da habilidade do algoritmo e as suas consequências.

Atrás escrevi “chamada inteligência artificial” porque ainda está por ver se é realmente inteligente… Os resultados que se obtêm na revisão de textos e na sumarização de pequenos artigos são muitíssimo bons, mas tente-se obter uma resposta mais complexa, como o resultado da integração de diferente legislação, e os resultados são risíveis. Ou seja, a plena articulação lógica, e o mesmo se aplica à ética, ainda não está ao alcance das atuais ferramentas e isso faz uma enorme diferença.

A aplicação da inteligência artificial ao mundo das artes tem obtido resultados tão interessantes que os artistas já demonstraram a sua revolta. O alegado plágio de material de base e a potencial substituição de seres humanos em parte do processo criativo já motivaram processos legais, manifestações e greves.

As questões éticas reclamam regulamentação urgente para as ferramentas informáticas que procuram reproduzir a mente humana. Mais uma vez, a União Europeia tem sido precursora e inspiradora nesse processo.

A física e a astronomia, particularmente enriquecidas pelo novo telescópio espacial James Webb, parecem estar em convulsão. A cada momento, aquilo que os cientistas veem no universo primitivo parece colocar mais questões do que os debates que encerra. Tento imaginar as conversas entre os cientistas… “O que estamos a observar não é bem o que esperávamos ver…”

No mundo marinho, continua o esforço para mapear todo o fundo dos Oceanos. Têm sido descobertos montes submarinos, autênticas montanhas subaquáticas (incluindo nos Açores), e que desconhecíamos de todo. A este propósito recomendo a leitura do “The Deepest Map” de Laura Trethewey. A exploração do mar profundo tem mais de aventura do que de perigo, mas o acidente do “Titan” ilustrou em 2023 que o mar não perdoa qualquer desleixo.

Para os próximos anos, aguardo com muita curiosidade os resultados da aplicação da computação quântica, nomeadamente no que diz respeito à medicina de base genética. Um livro que recomendo, “Supremacia Quântica” de Michio Kaku, dá pistas do que poderá resultar desta nova tecnologia. É essencial para quem gosta de espreitar o futuro.

O regresso em força à lua, motivado pela exploração comercial e pela competição entre superpotências parece irreversível. Estão planeadas novas missões e, parece-me, cada uma delas trará nova ciência para partilhar.

A fusão nuclear controlada parece estar mais próxima (embora ainda não haja publicações científicas), prometendo energia barata, segura e ambientalmente adequada. Os incêndios, a poluição, as inundações e as epidemias são em parte o resultado da excessiva utilização de combustíveis fósseis. Há que encontrar alternativas perenes, como poderá ser a fusão nuclear. Oxalá chegue a tempo, porque o outro tempo, esse, está cada vez mais longe de ser o que era…

No entanto, não há panaceias científicas e tecnológicas. Tal como os novos painéis solares por si só não resolverão os problemas ambientais, a fusão nuclear também não o fará. Será da conjunção de esforços constantes e holísticos que sairá a solução para o maior problema a ameaçar a presença de seres humanos no planeta Terra.

Mais pelo avançar constante em toda a linha do que por um evento marcante em particular, na minha opinião 2023 revelou-se um ano importante para o progresso da ciência e da tecnologia. Em temas tão díspares como a física observada no universo distante até aos fundos dos oceanos, há pessoas incrivelmente inteligentes a trabalhar e a partilhar resultados fascinantes. Cada um de nós pode ou não ser autor do que se seguirá, mas é, mesmo que não o saiba, protagonista da inevitável transição ecológica e ética que se impõe neste salto para o maravilhoso desconhecido chamado futuro.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.