sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 66: Avanços na ciência e tecnologia em 2023

Fazendo uma pesquisa na internet, rapidamente se encontram muitas descobertas importantes ocorridas em 2023 no mundo da ciência e tecnologia. A American Chemical Society, a National Geographic, a Science, o Smithsonian e outros publicaram listas sensacionais que recomendo vivamente. Este artigo não tem a pretensão de ser uma dessas listas. Apenas, até porque me foi pedido, faço uma abordagem a alguns avanços que me parecem ser particularmente importantes.

A banalização da chamada inteligência artificial ocorreu, na realidade, em 2022 quando a empresa OpenAI disponibilizou gratuitamente o ChatGPT. No entanto, foi em 2023 que se começou a entender a dimensão da habilidade do algoritmo e as suas consequências.

Atrás escrevi “chamada inteligência artificial” porque ainda está por ver se é realmente inteligente… Os resultados que se obtêm na revisão de textos e na sumarização de pequenos artigos são muitíssimo bons, mas tente-se obter uma resposta mais complexa, como o resultado da integração de diferente legislação, e os resultados são risíveis. Ou seja, a plena articulação lógica, e o mesmo se aplica à ética, ainda não está ao alcance das atuais ferramentas e isso faz uma enorme diferença.

A aplicação da inteligência artificial ao mundo das artes tem obtido resultados tão interessantes que os artistas já demonstraram a sua revolta. O alegado plágio de material de base e a potencial substituição de seres humanos em parte do processo criativo já motivaram processos legais, manifestações e greves.

As questões éticas reclamam regulamentação urgente para as ferramentas informáticas que procuram reproduzir a mente humana. Mais uma vez, a União Europeia tem sido precursora e inspiradora nesse processo.

A física e a astronomia, particularmente enriquecidas pelo novo telescópio espacial James Webb, parecem estar em convulsão. A cada momento, aquilo que os cientistas veem no universo primitivo parece colocar mais questões do que os debates que encerra. Tento imaginar as conversas entre os cientistas… “O que estamos a observar não é bem o que esperávamos ver…”

No mundo marinho, continua o esforço para mapear todo o fundo dos Oceanos. Têm sido descobertos montes submarinos, autênticas montanhas subaquáticas (incluindo nos Açores), e que desconhecíamos de todo. A este propósito recomendo a leitura do “The Deepest Map” de Laura Trethewey. A exploração do mar profundo tem mais de aventura do que de perigo, mas o acidente do “Titan” ilustrou em 2023 que o mar não perdoa qualquer desleixo.

Para os próximos anos, aguardo com muita curiosidade os resultados da aplicação da computação quântica, nomeadamente no que diz respeito à medicina de base genética. Um livro que recomendo, “Supremacia Quântica” de Michio Kaku, dá pistas do que poderá resultar desta nova tecnologia. É essencial para quem gosta de espreitar o futuro.

O regresso em força à lua, motivado pela exploração comercial e pela competição entre superpotências parece irreversível. Estão planeadas novas missões e, parece-me, cada uma delas trará nova ciência para partilhar.

A fusão nuclear controlada parece estar mais próxima (embora ainda não haja publicações científicas), prometendo energia barata, segura e ambientalmente adequada. Os incêndios, a poluição, as inundações e as epidemias são em parte o resultado da excessiva utilização de combustíveis fósseis. Há que encontrar alternativas perenes, como poderá ser a fusão nuclear. Oxalá chegue a tempo, porque o outro tempo, esse, está cada vez mais longe de ser o que era…

No entanto, não há panaceias científicas e tecnológicas. Tal como os novos painéis solares por si só não resolverão os problemas ambientais, a fusão nuclear também não o fará. Será da conjunção de esforços constantes e holísticos que sairá a solução para o maior problema a ameaçar a presença de seres humanos no planeta Terra.

Mais pelo avançar constante em toda a linha do que por um evento marcante em particular, na minha opinião 2023 revelou-se um ano importante para o progresso da ciência e da tecnologia. Em temas tão díspares como a física observada no universo distante até aos fundos dos oceanos, há pessoas incrivelmente inteligentes a trabalhar e a partilhar resultados fascinantes. Cada um de nós pode ou não ser autor do que se seguirá, mas é, mesmo que não o saiba, protagonista da inevitável transição ecológica e ética que se impõe neste salto para o maravilhoso desconhecido chamado futuro.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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