sexta-feira, 22 de março de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 71: “Megatendências 2050”

Através de um bom amigo açoriano, recebi cópia de um documento que mereceu notícia no jornal Público. Trata-se da nota preliminar ao relatório “Megatendências 2050, o mundo em mudança: impactos em Portugal” com a autoria da Equipa Multissetorial de Prospetiva da RePLAN - Rede de Serviços de Planeamento e Prospetiva da Administração Pública.

Com base em reuniões dentro da administração pública e apoiados em literatura científica e técnica, ao longo de 24 páginas são elencadas as 9 maiores megatendências: “Agravamento das alterações climáticas”; “Pressão crescente sobre os recursos naturais”; “Diversificação e mudança dos modelos económicos”; “Evoluções demográficas divergentes”; “Um mundo mais urbano”; “Um mundo mais digital”; “Aceleração do desenvolvimento tecnológico”; “Um mundo multipolar”; e, por último, “Novos desafios à democracia”. Mais do que classificar como bom ou mau, o relatório preliminar tenta e consegue caracterizar cada megatendência, explicar como ela se reflete no nosso país e elencar em frases simples e diretas o que irá acontecer como resultado dessa mesma megatendência.

Pessoalmente, eu gosto deste tipo de abordagens em que pessoas inteligentes, bem informadas e com objetivos nobres metem mãos à obra e tentam sistematizar os maiores desafios que se antecipam e que teremos de enfrentar enquanto sociedade. Por exemplo, “Migrações e deslocação de populações” são consequências da megatendência “Agravamento das alterações climáticas”. Escolho este exemplo para demonstrar que, caso estejamos preocupados com as migrações, o gesto mais útil é combater as alterações climáticas e não propriamente optar por outras alegadas soluções simplistas e miraculosas. Ao ler notícias das sensações térmicas máximas atingidas nestes últimos dias no Rio de Janeiro, confirmo a pertinência deste relatório e a urgência em agir. Quando estas temperaturas sentidas em valores superiores a 60ºC atingirem Portugal, o que nos restará fazer? Emigrar?

Não fiquei admirado, mas registo que, tal como acontece com outros relatórios de organizações internacionais sobejamente reconhecidas e respeitadas, as questões ambientais e os desafios inerentes à crescente digitalização, merecem também particular ênfase nestas Megatendências. Segundo os autores, como consequência da “Pressão crescente sobre os recursos naturais” haverá uma diminuição da qualidade dos serviços prestados pelos ecossistemas. Relembro que entre os serviços não substituíveis prestados pelos ecossistemas estão a transformação do dióxido de Carbono em Oxigénio, o ciclo da água, a agricultura, e tantos outros. Ou seja, para respirarmos, bebermos e comermos, nós precisamos de serviços dos ecossistemas com qualidade. Portanto, curiosamente, a agricultura precisa de bom ambiente e não o contrário.

Relativamente à digitalização global, o relatório preliminar destaca oportunidades, refere desafios e alerta para ameaças. Dentro das oportunidades, menciona-se que haverá impacto na robótica, nas comunicações, na medicina, nos transportes e logística, na indústria, nos serviços, na agricultura, no sistema financeiro e no comércio. Entre os desafios, o documento enfatiza “o respeito pelos dados privados” e, entre as ameaças, “o aumento da magnitude de campanhas de desinformação”, o que reforça “a relevância da literacia digital”.

Apenas uma sociedade corretamente informada com base na ciência e no bem poderá reagir, corrigir e adaptar-se à mudança. Visto que a mudança é irreversível, enquanto sociedade resta-nos investir na educação, no planeamento e na ação!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

Sem comentários:

Enviar um comentário