sexta-feira, 8 de março de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 70: Política e alterações climáticas

 


Gráfico de temperatura diária média na Terra.
Imagem: Climate Pulse

Nem queria acreditar... Ao ouvir um candidato a deputado por um círculo eleitoral do Continente, cabeça de lista de uma coligação do arco da governação, eu nem queria acreditar nos meus próprios ouvidos. Como é possível ainda negar ou tentar normalizar a intensificação das alterações climáticas?!

Depois, confrontado com as suas próprias palavras, o candidato em causa retratou-se defendendo, imagine-se, que queria referir-se ao “ambiente” e não ao “clima”. Este candidato, de uma vez só, demonstrou falta de preparação para comunicar (que é a primeira virtude que se exige a um político), ignorância (porque imaginou que o clima não faz parte do ambiente) e falta de competência.

Para explicar a razão da sua falta de competência preciso de mais umas linhas. Entre os principais riscos que a humanidade enfrenta relativamente à sua própria existência estão as alterações climáticas, a perda da biodiversidade, as disfunções dos serviços dos ecossistemas e a poluição (atmosférica, microplásticos, etc.). Ou seja, numa palavra só, o “ambiente”.

O líder da coligação em causa já veio tentar explicar as palavras do candidato, recentrando a importância que a sua força política dá às questões ambientais. Por essa razão e até porque estamos agora a entrar em período de reflexão eleitoral, portanto, cessando a disputa partidária, sugiro dissertar sobre o problema climatológico em si. Apesar disso, é importante entender que o ambiente tem um papel central no nosso futuro e refletir como isso deve contribuir para informar as nossas escolhas.

Para que se perceba o drama potencial, atente-se ao gráfico de temperatura dos oceanos ao longo dos meses (ano a ano) que acompanha este artigo (atualizações disponíveis no Climate Pulse). Não é possível negar, nós estamos a viver as mais altas temperaturas dos oceanos desde que há registos.

Em que é que isto resulta e porque é que estas temperaturas podem antecipar um drama? As elevadas temperaturas dos oceanos: (1) reduzem a sua capacidade de absorver a energia atmosférica, aumentando a probabilidade de haver tempestades; (2) alimentam a energia das grandes tempestades oceânicas, o que aumenta a violência das tempestades tropicais como as que assolam a Costa Leste dos Estados Unidos da América e, por vezes, os Açores; (3) aumentam o seu volume, provocando o aumento do nível médio das águas do mar, o qual, por sua vez, resulta em inundações e no aumento da capacidade destrutiva das tempestades costeiras; (4) contribuem para derreter os gelos polares, o que aumentará as consequências do ponto 3 referido atrás; e, também, (5) reduzem a capacidade de retenção de oxigénio nas águas, o que reduz a capacidade dos oceanos de absorver carbono atmosférico, o que, no final do dia, contribui para o aquecimento atmosférico global (mais detalhes e outros efeitos aqui e aqui).

Há cerca de dez mil anos, as populações humanas que habitavam a zona entre os rios Tigres e Eufrates, eram prósperas e geraram as bases da escrita que ainda hoje utilizamos. Foi um conjunto de civilizações brilhantes que, a certo ponto, deixaram de existir. O que aconteceu? Segundo diversos estudiosos, para promover a agricultura e gerar mais alimento, estas antigas civilizações aumentaram a irrigação dos solos. Silenciosamente, com as águas, veio também o sal que contaminou as terras e as tornou essencialmente estéreis. A zona outrora chamada de “crescente fértil” deixou de o ser e o “berço da civilização” colapsou (detalhes aqui).

Estas antigas civilizações tinham uma justificação que não se aplica a nós: a ignorância. Elas não sabiam que estavam a contaminar os solos com o aumento da irrigação. Com a ciência e a tecnologia existentes na época não podiam deduzir as consequências. Connosco não é assim. Hoje, nós sabemos quais são os nossos erros, sabemos como os reduzir e sabemos como mitigar os seus efeitos.

Podemos e temos mesmo de atuar! Fazê-lo é uma questão de consciência e essa consciência tem de ser transversal a todos os protagonistas, principalmente os políticos.

* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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