Nem queria acreditar... Ao ouvir um candidato a deputado por um círculo
eleitoral do Continente, cabeça de lista de uma coligação do arco da
governação, eu nem queria acreditar nos meus próprios ouvidos. Como é possível
ainda negar ou tentar normalizar a intensificação das alterações climáticas?!
Depois, confrontado com as suas próprias palavras, o candidato em causa
retratou-se defendendo, imagine-se, que queria referir-se ao “ambiente” e não
ao “clima”. Este candidato, de uma vez só, demonstrou falta de preparação para
comunicar (que é a primeira virtude que se exige a um político), ignorância
(porque imaginou que o clima não faz parte do ambiente) e falta de competência.
Para explicar a razão da sua falta de competência preciso de mais umas
linhas. Entre os principais riscos que a humanidade enfrenta relativamente à
sua própria existência estão as alterações climáticas, a perda da
biodiversidade, as disfunções dos serviços dos ecossistemas e a poluição
(atmosférica, microplásticos, etc.). Ou seja, numa palavra só, o “ambiente”.
O líder da coligação em causa já veio tentar explicar as palavras do
candidato, recentrando a importância que a sua força política dá às questões
ambientais. Por essa razão e até porque estamos agora a entrar em período de
reflexão eleitoral, portanto, cessando a disputa partidária, sugiro dissertar
sobre o problema climatológico em si. Apesar disso, é importante entender que o
ambiente tem um papel central no nosso futuro e refletir como isso deve
contribuir para informar as nossas escolhas.
Para que se perceba o drama potencial, atente-se ao gráfico de temperatura
dos oceanos ao longo dos meses (ano a ano) que acompanha este artigo
(atualizações disponíveis no Climate Pulse). Não é possível negar, nós estamos a viver as mais altas temperaturas dos
oceanos desde que há registos.
Em que é que isto resulta e porque é que estas temperaturas podem antecipar
um drama? As elevadas temperaturas dos oceanos: (1) reduzem a sua capacidade de
absorver a energia atmosférica, aumentando a probabilidade de haver tempestades;
(2) alimentam a energia das grandes tempestades oceânicas, o que aumenta a
violência das tempestades tropicais como as que assolam a Costa Leste dos
Estados Unidos da América e, por vezes, os Açores; (3) aumentam o seu volume,
provocando o aumento do nível médio das águas do mar, o qual, por sua vez,
resulta em inundações e no aumento da capacidade destrutiva das tempestades
costeiras; (4) contribuem para derreter os gelos polares, o que aumentará as
consequências do ponto 3 referido atrás; e, também, (5) reduzem a capacidade de
retenção de oxigénio nas águas, o que reduz a capacidade dos oceanos de
absorver carbono atmosférico, o que, no final do dia, contribui para o
aquecimento atmosférico global (mais detalhes e outros efeitos aqui e aqui).
Há cerca de dez mil anos, as populações humanas que habitavam a zona entre
os rios Tigres e Eufrates, eram prósperas e geraram as bases da escrita que
ainda hoje utilizamos. Foi um conjunto de civilizações brilhantes que, a certo
ponto, deixaram de existir. O que aconteceu? Segundo diversos estudiosos, para promover
a agricultura e gerar mais alimento, estas antigas civilizações aumentaram a irrigação
dos solos. Silenciosamente, com as águas, veio também o sal que contaminou as
terras e as tornou essencialmente estéreis. A zona outrora chamada de
“crescente fértil” deixou de o ser e o “berço da civilização” colapsou (detalhes aqui).
Estas antigas civilizações tinham uma justificação que não se aplica a nós:
a ignorância. Elas não sabiam que estavam a contaminar os solos com o aumento
da irrigação. Com a ciência e a tecnologia existentes na época não podiam
deduzir as consequências. Connosco não é assim. Hoje, nós sabemos quais são os nossos
erros, sabemos como os reduzir e sabemos como mitigar os seus efeitos.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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