sexta-feira, 19 de abril de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 73: Gastos energéticos em transportes

Num artigo anterior detive-me sobre os gastos energéticos em iluminação pública. Para quem não leu, o ponto central era a oportunidade de analisar cada pequeno aspecto dos gastos energéticos e tentar torná-lo melhor.

Hoje, neste artigo, irei escrever um pouco sobre a energia e os transportes. A mensagem essencial, para quem não quiser ler mais, é que são necessárias boas estratégias de alto nível (do Estado e das autarquias) para que a economia energética nos transportes seja uma realidade.

Os transportes públicos coletivos consomem menos energia que os transportes particulares, todos sabemos. Quando usamos o carro, estamos a provocar mais gastos energéticos do que se usarmos o comboio, o autocarro, o elétrico (“tram” em muitos países) ou o metropolitano. Também como consequência da energia consumida, o carro tem maior impacto ambiental.

Se assim é, por que não escolhemos por sistema utilizar os transportes públicos? O problema, na minha opinião, jaz na falta de oferta adequada em termos de disponibilidade (há muitos locais sem transportes públicos), em termos de acessibilidade (em muitos locais os transportes públicos são caros), em termos de segurança e em termos de conforto (os transportes públicos têm de ser asseados e pontuais).

Por princípio, apenas pode haver crescimento da oferta onde há procura. Este pode ser um entrave ao investimento, particularmente nas sociedades mais liberais, em que o orçamento de Estado está sob pressão. Não defendendo de todo o despesismo, tenho de assinalar que há experiências em que o risco do investimento nos transportes foi esbatido por uma massiva adesão.

O que não pode acontecer de todo é o transporte particular privado ser mais barato que o transporte público coletivo. Isso não faz qualquer sentido. Por exemplo, se eu viajar de carro entre Bruxelas e o Luxemburgo, o preço do combustível é significativamente menor que o preço do bilhete de comboio. Isso não pode acontecer. Se queremos tirar carros das ruas por causa dos danos ambientais oriundos da sua construção, por causa das emissões atmosféricas, e por causa dos microplásticos que resultam da erosão dos pneus a questão do custo é séria. Os transportes públicos têm que ser uma alternativa economicamente viável em relação ao transporte privado. Posto de outra forma, o transporte privado tem que “pagar” a sua pegada ambiental em termos de emissões e outros danos.

Extremando esta abordagem, há que considerar o transporte particular um luxo e taxá-lo enquanto tal, mas garantir que os transportes públicos têm todas as características que mencionei atrás. Com base em estudos de viabilidade económica e ambiental, as mais-valias da taxação do transporte particular poderão e deverão ser utilizadas nos transportes públicos.

No Luxemburgo é fantástico entrar num qualquer transporte público coletivo terrestre (autocarro, comboio ou tram). É asseado, pontual, seguro e… é grátis! Há, neste momento, outras experiências de gratuitidade nos transportes públicos, incluindo em Portugal, e o problema tem sido apenas o enorme sucesso.

Haja condições e haverá muitas pessoas a passar para os transportes públicos coletivos! Isso é muito importante para readquirirmos a qualidade ambiental de que necessitamos para continuar a viver no planeta Terra…


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Crónicas do Voo do Cagaro - 72: Crise energética: o caso da iluminação pública

Candeeiro público na cidade da Horta pelas 23:30.
 

Um dos desafios da nossa sociedade está relacionado com a produção e uso de energia. Essa, possivelmente, é a grande crise estrutural que ameaça em particular o nosso continente.

As restantes mega crises, como as crises climáticas, de biodiversidade, da transição digital, e outras, são crises que apenas podemos resolver integrados numa mudança universal e são comuns ao resto da humanidade (pelo menos à parte civilizada da mesma). Nesses outros casos, temos, portanto, aliados.

A crise energética é diferente. Perante a crise energética, a União Europeia está sozinha, tem as restantes geografias como ávidas fornecedoras e não produzimos o suficiente. Estamos dependentes de países terceiros do norte de África, da península Arábica, da América do Norte, da Noruega e da Rússia… Entre aliados e não-aliados, a nossa dependência é evidente. Portanto, estamos sozinhos e não podemos resolver a crise energética… Ou podemos?

Mais relevante do que remoer o que deveríamos ter feito no passado para nos termos libertado da dependência, é pertinente tentar planear um futuro melhor. Aprende-se com o passado, certamente, mas olha-se para a frente, enfrentando a tempestade, com o vento e a salmoura batendo na cara dos audazes!

Nesta perspetiva, penso que há três vetores essenciais e que se entrelaçam. Há que (1) aumentar a eficiência, (2) reduzir e alterar o consumo e (3) aumentar a produção alternativa de base local. Neste artigo vou-me focar em aspetos muito concretos da redução e alteração do consumo.

Como dizia um velho Índio, “não se usa o que não se tem”. Não temos energia, não usamos energia. Parece fácil até certo ponto... Nos países do norte da Europa, quando a temperatura desce abaixo dos zero graus, não há nada a fazer. É mesmo preciso consumir energia e muita energia.

No entanto, há passos relativamente simples e que não tiveram o eco social que deviam, na minha opinião. Por exemplo, há questões importantes e tão simples que chegam a ser revoltantes. Qual a razão para a iluminação pública se manter durante toda a noite? Na minha rua, tanto no Corvo, na Horta, em Lisboa, como em Bruxelas e no Luxemburgo, a iluminação permanece activa durante a noite. Para quê?! Estão a iluminar o caminho aos besouros?! Não seria muito mais simples haver sensores de movimento que ligavam a iluminação quando necessário? Há que criar incentivos governamentais e parcerias com empresas do sector privado para facilitar a implementação de novas abordagens. Por exemplo, realizar um concurso público em que o resultado fosse o pagamento de metade das economias energéticas geradas por privados na iluminação pública. Seria arrojado!

Nalguns casos, vá lá, pelo menos reduz-se o total de iluminação noturna. Os candeeiros públicos são colocados em modo de baixa iluminação a partir de certa hora e voltam a ser ligados antes da alvorada por uma ou duas horas. Menos mal. Mesmo assim, algumas pessoas argumentam, e bem, que a iluminação pública é também um factor de segurança e conforto. Concordo. Para resolver isso poderiam ser instalados interruptores remotos. Ou seja, no período nocturno, as luzes permaneciam desligadas e qualquer um poderia responsavelmente acender uma luz pública que lhe parecesse relevante em determinado momento através de um simples comando no telemóvel. Não seria certamente mais dispendioso do que manter as luzes ligadas a noite inteira…

Há ainda uma outra interessante ferramenta que é iluminar por antecipação de movimento. O que acontece neste caso é que as ruas estão iluminadas nos extremos e as restantes luzes ligam-se quando uma viatura aí entra. Como os carros circulam lentamente nas zonas urbanas, esta é uma estratégia que resulta em certas situações. Há que fazer as contas…

São tantas as estratégias e ferramentas quantas as situações de uso de energia. Basta olhar e pensar um pouco para encontrar estratégias de redução do uso. Neste artigo, limitei-me a mencionar a redução da iluminação pública. Falta tanto… Desde os transportes (públicos ou não), o planeamento, passando pela produção e tantos tipos de consumo. Por exemplo, o teletrabalho fará sentido? Haverá que promover ainda mais a eficiência energética dos edifícios? Incentivar exponencialmente as energias alternativas? Refazer o planeamento urbano para contar com as questões energéticas? Qual o papel da digitalização e da economia verde para promover a eficiência energética? Como implementar as chamadas “smart grids”? Como promover a mobilidade elétrica? E o mercado de Carbono e de energia renovável? Que fazer com a energia nuclear? No caso dos Açores, como aumentar a produção geotérmica em São Miguel e Terceira e como a iniciar no Faial, Pico e São Jorge?

Há que incentivar a participação e a consciencialização das comunidades locais, promovendo campanhas de educação e engajamento para as questões energéticas. Há que estimular a multilateralidade que quebre o isolamento europeu. Há que analisar e fazer muito melhor. Está ao nosso alcance!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.