sexta-feira, 31 de maio de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 76: Fiabilidade da informação publicada

Por que é um tópico que me interessa, mas também por imperativo laboral, estou muito atento à fiabilidade dos instrumentos informativos que temos à nossa disposição. Depois de analisar a informação publicada de uma forma razoavelmente empírica cheguei a diversas conclusões que aqui partilho. Primeiro que tudo, uma advertência: Há livros bons e livros maus, páginas internet boas e más, etc. O que tento fazer a seguir é identificar tendências e generalidades.

Para fazer esta análise, ponho em evidência os seguintes vetores não hierarquizáveis: 1) Qualidade-base: uma publicação deve ser verdadeira e precisa e não deve conter erros (incluindo ortográficos); 2) Intencionalidade da publicação. A intenção da publicação deve ser inerte ou assumida; 3) Verificação. Uma publicação deve ser aferida por terceiros antes de ser partilhada; 4) Referências. Uma publicação deve identificar as fontes de suporte e inspiração e deve incluir toda a informação necessária para compreender e verificar a sua mensagem; 5) Rastreabilidade. Uma publicação deve conter as referências necessárias para outros a poderem citar e consultar a qualquer momento; 6) Compreensibilidade. Uma publicação deve ser inteligível; 7) Pontuação. Uma publicação deve ter uma forma de verificação da utilidade, sucesso ou qualidade; e 8) Atualidade. Uma publicação deve ser atual ou, pelo menos, ser situável no tempo.

A melhor informação está nos artigos científicos. Em todos os vectores anteriores, os artigos científicos pontuam o máximo, excepto na compreensibilidade e atualidade. A utilização de jargão da ciência que estiver em causa e a utilização do inglês podem afastar todos os não iniciados na temática. Por se basearem no método científico, que tem subjacente a experimentação, e na verificação por terceiros, muitas vezes os artigos científicos não têm a atualidade que a nossa sociedade exige. De resto, quando se quer aprender em profundidade um determinado tema, nada como ler uns quantos artigos científicos bem-sucedidos.

Para desmultiplicar a complexidade dos artigos científicos, colocando-os numa linguagem mais acessível e uma análise mais abrangente, encontramos os livros. Os livros, na generalidade, pontuam bem em todos os vetores excepto na atualidade e verificação. Não há nenhuma regra legal que obrigue um livro a ser verificado antes de publicado.

Os artigos de enciclopédia são boas alternativas aos livros já que, normalmente, explicam os trabalhos científicos em textos curtos e objetivos. Há enciclopédias atualizadas constantemente, como a Wikipédia, mas que têm o problema de o sistema de verificação ser informal ou inexistente. Outras enciclopédias mais escrutinadas, como a enciclopédia Britânica, têm a limitação de serem atualizadas apenas de quando em quando.

De seguida, nesta minha escala decrescente, temos os artigos de jornal e podcasts feitos por jornalistas. Neste nível, perdemos qualidades como a verificação e as referências.

Ainda no âmbito jornalístico, temos as notícias de televisão e de rádio. Estas são fontes de informação com enorme atualidade, mas carecem de tratamento especializado e profundidade de análise. Em relação aos instrumentos de transmissão de informação anteriores, tem a desvantagem adicional de não ser citável. Ou seja, nós não podemos justificar uma ação ou decisão com base numa notícia de televisão ou rádio.

A seguir, nesta escala, temos a informação que é coligida na internet recorrendo a ferramentas de pesquisa (Google, Bing e outras). A qualidade dos conteúdos encontrados é muito contrastada, mas, os resultados dos algoritmos, comparando com as ferramentas de inteligência artificial e as redes sociais, são mais robustos.

Depois, temos as ferramentas de inteligência artificial. A inteligência artificial tem, na minha opinião, apenas duas boas qualidades: intencionalidade e compreensibilidade. A intenção é assumidamente inerte e os textos não têm erros de ortografia em qualquer das línguas com que trabalho. O grande defeito é a falta de precisão. A inteligência artificial produz erros crassos descritos de forma convincente. As ferramentas de inteligência artificial são excelentes para trabalhos de revisão, mas ainda pouco úteis para a produção ou pesquisa de informação.

Na minha opinião, a pior forma para obter informação de qualidade são as redes sociais. Reiterando a ideia inicial, há certamente pessoas de bem e inteligentes a escrever nas redes sociais, mas, na generalidade, os textos são pouco precisos e a intencionalidade é duvidosa.

Para quem se interessa em saber mais sobre os diferentes temas, aqui ficou a minha abordagem. É esta a chave de fiabilidade que uso no meu dia a dia para aprender.

 

* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 75: A importância da solicitação na Inteligência Artificial

 

Resultado do pedido: "usando poucas cores e não incluindo água, desenhe dois cagarros".
Imagem: Hotpot Art Generator

Em jeito de preâmbulo, tenho de clarificar que sou um emocional defensor da cultura portuguesa. Por isso, sempre que confrontado com um novo termo em inglês, tento verificar qual a melhor correspondência para a língua de Camões e, se possível, utilizá-la. E assim nasceu esta “solicitação”…

Uma das ferramentas informáticas mais excitantes com que fomos confrontados nos últimos tempos é, sem dúvida, a inteligência artificial (IA). Mais precisamente, os Modelos de Linguagem de Grande Escala (do inglês, “Large Language Models” ou MLGE) usados nas ferramentas mais comuns de inteligência artificial, em que o ChatGPT da empresa OpenAI tem tido particular sucesso. Mas há muitas outras ferramentas de inteligência artificial baseadas em MLGE.

Por exemplo, o modelo que mais utilizo é o Nous Hermes Mixtral da Nous Research disponibilizado pela Comissão Europeia. De acordo com algumas métricas de avaliação (“benchmarks”, em inglês) é o modelo de código aberto mais poderoso. Há uma versão do Nous Hermes Mixtral gratuita e disponível para qualquer utilizador, mas realço que não é a ferramenta mais simples para iniciar a aproximação à IA.

Na realidade, conforme a utilização, há ferramentas de IA particularmente adaptadas. As mais sofisticadas são as relacionadas com a programação informática.

Para produzir imagens uso o Hotpot Art Generator que se baseia no ChatGPT. É muito básico, mas as imagens são úteis e, mediante pagamento, podem ser usadas livremente.

Por interesse profissional e pessoal, tenho feito algumas formações na área da inteligência artificial na óptica do utilizador. Nesta progressiva descoberta apercebi-me como é importante a prompt. Ou seja, como é relevante o pequeno texto que escrevemos para dar as instruções ou colocar as questões nas ferramentas de IA. Seja para obter uma informação, a correção de um texto ou gerar uma imagem, as instruções de entrada são fundamentais. Ao longo das formações, particularmente ao verificar o engenho de alguns exemplos dados por colegas desta aventura, noto que a prompt não é apenas conversa com o computador, é uma arte!

Mas, lá está, prompt é para as pessoas que falam inglês. Depois de procurar, cheguei a uma aproximação em português que me agradou: “solicitação”.

Tenho aprendido que a redação da solicitação deve ter diversos componentes em conta e aqui partilho. Primeiro que tudo, há que dar uma personalidade à ferramenta de IA.

A segunda componente é a claridade da pergunta. Um pedido confuso, difuso ou que utilize oposições resultará numa resposta inútil. Portanto, há que evitar escrever algo como “usando poucas cores e não incluindo água, desenhe dois cagarros”. Termos como “poucas”, “não” ou números fazem muitas ferramentas perder-se. Para experimentar, introduzi esta solicitação no Hotpot Art Generator e a imagem gerada é colorida, inclui água e um cagarro...

A terceira componente é ainda mais surpreendente que a primeira. Imagine-se que é relevante incluir uma componente emocional na solicitação. Usar expressões como “o futuro da humanidade depende desta resposta” parecem ter efeito na precisão do resultado. Também insistências como “tem a certeza?” ou “parece-me que pode fazer melhor” resultam. Mistérios dos MLGE…

Por último, uma boa solicitação raramente é produzida à primeira tentativa. Há que analisar o resultado e refinar a solicitação até que a resposta tenha a qualidade que pretendemos.

Atenção, as ferramentas de IA dão sempre resposta. Essa resposta pode estar totalmente errada ou ser mesmo alucinada (é um efeito descrito frequentemente). O controlo humano da qualidade da resposta é absolutamente essencial.

Depois de redigir este artigo, solicitei ao Nous Hermes Mixtral e ao ChatGPT: “Você é o redator principal do Jornal Tribuna das Ilhas e é considerado um dos melhores redatores de Portugal, tendo obtido vários prémios incluindo um Pulitzer. Tem agora de rever uma proposta de artigo e garantir que não tem erros e que é atraente para o público da Ilha do Faial (Açores). Por favor, faça as alterações que lhe pareçam adequadas tendo em consideração que de um bom artigo depende a sua reputação e o prestígio da comunicação social nos Açores”.

Usei os resultados para melhorar o texto. No entanto, até porque concordo, quero concluir com a mensagem final que o ChatGPT me enviou em conjunto com as sugestões de correção: “Espero que esta versão refinada do artigo esteja à altura das expectativas dos nossos leitores e mantenha o prestígio do Jornal Tribuna das Ilhas como um veículo de comunicação de referência nos Açores.”


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 74: Correndo por aí

Sem dúvida, as épocas da minha vida em que me senti mais saudável foram coincidentes com períodos de maior atividade física. Quando ainda jovem, lembro-me da prática de natação, mais tarde, já a viver no Faial, os jogos de futebol de cinco no torneio do INATEL integrando a saudosa equipa SuperDOP, e, desde que cheguei ao centro da Europa, a prática de corrida e os percursos citadinos em bicicleta. Sempre que intensifiquei a prática desportiva, senti-me melhor.

Todos os anos, também por positiva imposição da minha entidade empregadora, faço uma visita ao departamento de Saúde no Trabalho. A médica, uma senhora finlandesa que fala um bom português com sotaque brasileiro, informou-me que, caso queira viver saudável, tenho de manter e intensificar a atividade desportiva. Repliquei orgulhosamente dizendo que andava sempre de bicicleta, mas a senhora doutora não facilitou. “Tem e deve andar de bicicleta, tudo bem, mas assim, de pé, fazendo força até suar”, disse fazendo enérgicos movimentos com as mãos e bamboleando a cabeça de um lado para o outro. “Que canseira…”, pensei para com os meus botões. Externamente, numa superficial e desengonçada tradução do inglês duly noted, saiu-me um “devidamente registado, senhora doutora”.

A partir de então, as minhas idas e vindas do trabalho passaram a ser mais esforçadas. No entanto, sei bem que não é suficiente. A manutenção física, no meu caso, exige mais. Por isso, sempre que a força anímica o permite, visto uns calções, calço os sapatos de ténis e vou correr.

Sendo honesto, odeio correr. Aquela coisa de andar às voltas e a saltitar pé ante pé é uma canseira sem propósito útil imediato que me exaspera... Portanto, ao longo do tempo, fui aprimorando a metodologia para não ser tão desesperante. O primeiro passo foi compreender que é possível correr com auscultadores. Ao contrário do que acontecia “no meu tempo”, hoje há soluções de alta qualidade em termos sonoros e de ajuste ao ouvido. Com isto, entretenho as corridas com boa música ou informativos podcasts. Caso corresse durante horas, algo que nunca me aconteceu, tenho a certeza de que estes equipamentos estariam à altura.

O segundo passo foi adquirir um daqueles relógios que, para além de medirem o tempo, registam também as pulsações e os saltitos, deduzindo assim as distâncias percorridas e as calorias queimadas. Ao ter uma métrica quantitativa, os desafios pessoais vão-se acumulando e sinto um saudável ímpeto de ir fazendo mais e melhor.

Por último, a paisagem. Com a corrida, comecei a embrenhar-me nas florestas e noutros percursos pedestres da Bélgica e do Luxemburgo. Descobrem-se recantos magníficos e até já vi veados selvagens na Forêt des Soignes e em Fraiheetsbam! A mistura entre estar ofegante, o mistério do desconhecido e a descoberta constante fazem com que a corrida seja hoje, para mim, já não um pesadelo, mas sim um bom período. Ainda não cheguei ao ponto de gostar de correr, mas já estive muito mais longe.

Um dos objetivos em termos desportivos é, um dia, ter a forma física suficiente para correr uma prova desportiva. Por modo de ser pessoal, não concebo fazer uma prova desportiva em que não faça os mínimos para não ser embaraçante. Por essa razão, muito dificilmente alguma vez irei fazer um trail run; “isso é para os bons”, dizem insistentemente os meus botões. Uma prova mais modesta, quem sabe…

Apesar de colocar os trail run competitivos de lado, fazer os percursos equivalentes está também entre os meus objetivos. Ao meu ritmo e com todo o tempo do mundo, eu quero vir a deliciar-me com as vistas, com os cheiros e com os sabores menos acessíveis das ilhas do Triângulo dos Açores. Até lá, vou seguindo, no Tribuna das Ilhas e noutros meios de comunicação social, as fotografias, os vídeos e as descrições dos extraordinários seres humanos que enfrentam o desafio e conquistam os percursos. São verdadeiros heróis!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.