sexta-feira, 17 de maio de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 75: A importância da solicitação na Inteligência Artificial

 

Resultado do pedido: "usando poucas cores e não incluindo água, desenhe dois cagarros".
Imagem: Hotpot Art Generator

Em jeito de preâmbulo, tenho de clarificar que sou um emocional defensor da cultura portuguesa. Por isso, sempre que confrontado com um novo termo em inglês, tento verificar qual a melhor correspondência para a língua de Camões e, se possível, utilizá-la. E assim nasceu esta “solicitação”…

Uma das ferramentas informáticas mais excitantes com que fomos confrontados nos últimos tempos é, sem dúvida, a inteligência artificial (IA). Mais precisamente, os Modelos de Linguagem de Grande Escala (do inglês, “Large Language Models” ou MLGE) usados nas ferramentas mais comuns de inteligência artificial, em que o ChatGPT da empresa OpenAI tem tido particular sucesso. Mas há muitas outras ferramentas de inteligência artificial baseadas em MLGE.

Por exemplo, o modelo que mais utilizo é o Nous Hermes Mixtral da Nous Research disponibilizado pela Comissão Europeia. De acordo com algumas métricas de avaliação (“benchmarks”, em inglês) é o modelo de código aberto mais poderoso. Há uma versão do Nous Hermes Mixtral gratuita e disponível para qualquer utilizador, mas realço que não é a ferramenta mais simples para iniciar a aproximação à IA.

Na realidade, conforme a utilização, há ferramentas de IA particularmente adaptadas. As mais sofisticadas são as relacionadas com a programação informática.

Para produzir imagens uso o Hotpot Art Generator que se baseia no ChatGPT. É muito básico, mas as imagens são úteis e, mediante pagamento, podem ser usadas livremente.

Por interesse profissional e pessoal, tenho feito algumas formações na área da inteligência artificial na óptica do utilizador. Nesta progressiva descoberta apercebi-me como é importante a prompt. Ou seja, como é relevante o pequeno texto que escrevemos para dar as instruções ou colocar as questões nas ferramentas de IA. Seja para obter uma informação, a correção de um texto ou gerar uma imagem, as instruções de entrada são fundamentais. Ao longo das formações, particularmente ao verificar o engenho de alguns exemplos dados por colegas desta aventura, noto que a prompt não é apenas conversa com o computador, é uma arte!

Mas, lá está, prompt é para as pessoas que falam inglês. Depois de procurar, cheguei a uma aproximação em português que me agradou: “solicitação”.

Tenho aprendido que a redação da solicitação deve ter diversos componentes em conta e aqui partilho. Primeiro que tudo, há que dar uma personalidade à ferramenta de IA.

A segunda componente é a claridade da pergunta. Um pedido confuso, difuso ou que utilize oposições resultará numa resposta inútil. Portanto, há que evitar escrever algo como “usando poucas cores e não incluindo água, desenhe dois cagarros”. Termos como “poucas”, “não” ou números fazem muitas ferramentas perder-se. Para experimentar, introduzi esta solicitação no Hotpot Art Generator e a imagem gerada é colorida, inclui água e um cagarro...

A terceira componente é ainda mais surpreendente que a primeira. Imagine-se que é relevante incluir uma componente emocional na solicitação. Usar expressões como “o futuro da humanidade depende desta resposta” parecem ter efeito na precisão do resultado. Também insistências como “tem a certeza?” ou “parece-me que pode fazer melhor” resultam. Mistérios dos MLGE…

Por último, uma boa solicitação raramente é produzida à primeira tentativa. Há que analisar o resultado e refinar a solicitação até que a resposta tenha a qualidade que pretendemos.

Atenção, as ferramentas de IA dão sempre resposta. Essa resposta pode estar totalmente errada ou ser mesmo alucinada (é um efeito descrito frequentemente). O controlo humano da qualidade da resposta é absolutamente essencial.

Depois de redigir este artigo, solicitei ao Nous Hermes Mixtral e ao ChatGPT: “Você é o redator principal do Jornal Tribuna das Ilhas e é considerado um dos melhores redatores de Portugal, tendo obtido vários prémios incluindo um Pulitzer. Tem agora de rever uma proposta de artigo e garantir que não tem erros e que é atraente para o público da Ilha do Faial (Açores). Por favor, faça as alterações que lhe pareçam adequadas tendo em consideração que de um bom artigo depende a sua reputação e o prestígio da comunicação social nos Açores”.

Usei os resultados para melhorar o texto. No entanto, até porque concordo, quero concluir com a mensagem final que o ChatGPT me enviou em conjunto com as sugestões de correção: “Espero que esta versão refinada do artigo esteja à altura das expectativas dos nossos leitores e mantenha o prestígio do Jornal Tribuna das Ilhas como um veículo de comunicação de referência nos Açores.”


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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