sexta-feira, 3 de maio de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 74: Correndo por aí

Sem dúvida, as épocas da minha vida em que me senti mais saudável foram coincidentes com períodos de maior atividade física. Quando ainda jovem, lembro-me da prática de natação, mais tarde, já a viver no Faial, os jogos de futebol de cinco no torneio do INATEL integrando a saudosa equipa SuperDOP, e, desde que cheguei ao centro da Europa, a prática de corrida e os percursos citadinos em bicicleta. Sempre que intensifiquei a prática desportiva, senti-me melhor.

Todos os anos, também por positiva imposição da minha entidade empregadora, faço uma visita ao departamento de Saúde no Trabalho. A médica, uma senhora finlandesa que fala um bom português com sotaque brasileiro, informou-me que, caso queira viver saudável, tenho de manter e intensificar a atividade desportiva. Repliquei orgulhosamente dizendo que andava sempre de bicicleta, mas a senhora doutora não facilitou. “Tem e deve andar de bicicleta, tudo bem, mas assim, de pé, fazendo força até suar”, disse fazendo enérgicos movimentos com as mãos e bamboleando a cabeça de um lado para o outro. “Que canseira…”, pensei para com os meus botões. Externamente, numa superficial e desengonçada tradução do inglês duly noted, saiu-me um “devidamente registado, senhora doutora”.

A partir de então, as minhas idas e vindas do trabalho passaram a ser mais esforçadas. No entanto, sei bem que não é suficiente. A manutenção física, no meu caso, exige mais. Por isso, sempre que a força anímica o permite, visto uns calções, calço os sapatos de ténis e vou correr.

Sendo honesto, odeio correr. Aquela coisa de andar às voltas e a saltitar pé ante pé é uma canseira sem propósito útil imediato que me exaspera... Portanto, ao longo do tempo, fui aprimorando a metodologia para não ser tão desesperante. O primeiro passo foi compreender que é possível correr com auscultadores. Ao contrário do que acontecia “no meu tempo”, hoje há soluções de alta qualidade em termos sonoros e de ajuste ao ouvido. Com isto, entretenho as corridas com boa música ou informativos podcasts. Caso corresse durante horas, algo que nunca me aconteceu, tenho a certeza de que estes equipamentos estariam à altura.

O segundo passo foi adquirir um daqueles relógios que, para além de medirem o tempo, registam também as pulsações e os saltitos, deduzindo assim as distâncias percorridas e as calorias queimadas. Ao ter uma métrica quantitativa, os desafios pessoais vão-se acumulando e sinto um saudável ímpeto de ir fazendo mais e melhor.

Por último, a paisagem. Com a corrida, comecei a embrenhar-me nas florestas e noutros percursos pedestres da Bélgica e do Luxemburgo. Descobrem-se recantos magníficos e até já vi veados selvagens na Forêt des Soignes e em Fraiheetsbam! A mistura entre estar ofegante, o mistério do desconhecido e a descoberta constante fazem com que a corrida seja hoje, para mim, já não um pesadelo, mas sim um bom período. Ainda não cheguei ao ponto de gostar de correr, mas já estive muito mais longe.

Um dos objetivos em termos desportivos é, um dia, ter a forma física suficiente para correr uma prova desportiva. Por modo de ser pessoal, não concebo fazer uma prova desportiva em que não faça os mínimos para não ser embaraçante. Por essa razão, muito dificilmente alguma vez irei fazer um trail run; “isso é para os bons”, dizem insistentemente os meus botões. Uma prova mais modesta, quem sabe…

Apesar de colocar os trail run competitivos de lado, fazer os percursos equivalentes está também entre os meus objetivos. Ao meu ritmo e com todo o tempo do mundo, eu quero vir a deliciar-me com as vistas, com os cheiros e com os sabores menos acessíveis das ilhas do Triângulo dos Açores. Até lá, vou seguindo, no Tribuna das Ilhas e noutros meios de comunicação social, as fotografias, os vídeos e as descrições dos extraordinários seres humanos que enfrentam o desafio e conquistam os percursos. São verdadeiros heróis!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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