Teste covid positivo.
Por F Cardigos
Tinha ótimos planos para escrever um artigo interessantíssimo e que a todos iria agradar. Leitura leve, informativa, com piada e compensadora… Infelizmente, para minha desgraça e vossa infelicidade, apanhei covid.
Estou no Luxemburgo, em casa, em isolamento, mal-encarado e sem qualquer sentido de humor. Comparando com casos extremos da doença, estou bem e devo agradece-lo aos deuses e à ciência. Mas… por outro lado… por favor, aturem-me que eu já não consigo.
Tenho aqueles sintomas habituais e entediantes de gripe leve, como dores musculares pouco intensas e cefaleia ligeira. Estou no nível irritante de “nada de especial”. E até tinha começado bem. Ontem à noite, os primeiros sintomas incluíram febre e suores frios. Uma coisa como deve ser.Deitei-me para ver se passava. Seguiram-se sonhos muito estranhos e intensos que incluíram resolver várias equações e, depois, a resolução do Último Teorema de Fermat, concluindo com algo como “é tão simples e impossível ao mesmo tempo”. Não, na realidade, não é. É muito complicado e possível, mas no meu sonho era assim. Quem pode negar um sonho durante o sonho?
De seguida, os meus sonhos deram-me um vislumbre do universo antes do Big Bang. Não era muito animador e, provavelmente, fake news. Depois vieram sonhos cheios de números que preenchiam um espaço bidimensional e mudavam a cada momento. A “missão” era encontrar padrões e, mais uma vez, claro, resolvi desafio após desafio. No entanto, como eles não paravam, fiquei muito cansado e resolvi acordar.
Acordei a meio da noite totalmente convencido que era mesmo necessário encontrar os padrões numéricos que povoavam o espaço bidimensional. Fui até à sala, sentei-me no sofá e fiquei a tentar relembrar-me das sequências numéricas. Só então compreendi que, afinal, ainda estava na cama, a dormir e tudo aquilo fazia parte do sonho.
Acordei. Desta vez acordei mesmo. Sei isso porque pude pensar em todos os sonhos que tinha tido até então e compreendi que não faziam qualquer sentido. Sim, eram engraçados, continham uns pontos até com alguma dinâmica e imaginação, mas sonhos… Estava oficialmente acordado.
“Portanto”, pensei para mim próprio, “com esta sequência de sintomas e sonhos delirantes, muito provavelmente estou doente”. Estando no centro da Europa, doença significa covid. “Ok, amanhã faço um teste”. Acordei bem-disposto com uma “gripe ligeira”. Apenas por descargo de consciência faço um teste rápido e sou bafejado com duas belas barrinhas… Temos pena.
Estou demasiado doente para ler um livro ou ver televisão, mas estou bem o suficiente para estar acordado. Entretenho-me a contar os carros que passam na rua e a trepar paredes… Que tédio…
Oiço todos os ruídos do prédio, incluindo alguns que não existem. O jovem que ouve música no segundo direito, o besouro da loja de baixo que é ativado cada vez que alguém entra, os carros que passam (já tinha falado nos carros?), o casal que conversa na rua, os carros que apitam e os que não apitam… E as moléculas?! Projetam-se umas contra as outras produzindo uma salada de frutas sinfónica, cheia de sopranos saltitantes e oboés desafinados. Clarinetes, clarinetes… Não eram oboés.
Sei que devia estar grato e muito contente por ter apanhado uma versão ligeira da doença e por estar convenientemente vacinado. Estou cheio de sorte por estar acompanhado por alguém que prescindiu da sua segurança de saúde para me apoiar neste período potencialmente perigoso. Sincero, obrigado!
Mas… A verdade é que não tenho qualquer paciência para estar doente. “Não tenho tempo para isto, pá!” Tenho coisas para fazer, um artigo para o jornal para escrever e tantas outras coisas simpáticas. Isto não. Estar em casa, olhos pregados no infinito à espera que passe, é demais para mim. Como dizem os francófonos, ça suffit! E no entanto… Aturem-me, por favor, aturem-me que eu já não consigo.
Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.
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