Há uns anos, alguém me dizia que os carros elétricos eram um perigo porque as pessoas invisuais não os conseguiam detetar. Era necessário o barulho dos motores para que conseguissem identificar o risco. Como tinha um carro híbrido que se limitava ao motor elétrico em parte da circulação citadina, passei a ter atenção redobrada com os peões. Para ser verdadeiro, durante os dez anos que esse carro me acompanhou, não tive qualquer problema com cidadãos invisuais.
No entanto, registei a tentativa de introdução de ruídos artificiais nos carros elétricos que se deslocam em cidade como uma atenção para com um conjunto de pessoas que merece o nosso particular cuidado dadas as suas limitações neste aspeto específico. Ao mesmo tempo, pensei que seria apenas uma questão de tempo até que a maioria dos carros se tornassem silenciosos e aí, com menor ruído em geral, seria possível eliminar o ruído artificialmente introduzido. Não sei o que aconteceu depois, até porque agora me desloco de bicicleta e apenas conduzo carros emprestados ou alugados.
Tudo isto significa que a introdução de uma mais-valia tecnológica, como os automóveis sem emissões, pode acarretar alterações ao quotidiano como o conhecemos e de formas que, pelo menos eu, não antecipei. E isso voltou a repetir-se…
Aqui no Luxemburgo, as pessoas são estimuladas pelo rendimento e pelas regras fiscais estabelecidas a trocar de carro com uma frequência mais elevada do que em qualquer outro sítio onde eu tenha estado. Isso significa que o parque automóvel, em todas as gamas, é muito recente e tem, por isso, todas as novidades tecnológicas que estejam a despontar.
Uma dessas novidades é a deteção automática de peões e bicicletas. Descobri isso da pior forma. Talvez não da pior, visto que ninguém se magoou, mas, pelo menos, de uma forma nada simpática.
Num parque de estacionamento, resolvi passar muito perto da frente de um carro que estava a recuar. Estando com as luzes de recuo acesas, eu sabia que a minha bicicleta poderia passar à frente do carro sem qualquer problema de segurança. Apenas o carro não o sabia e disparou os alarmes internos. A senhora idosa que conduzia a viatura, resultado do enorme susto e consequente irritação, apitou imenso. Desconhecendo o que tinha sucedido dentro do veículo e pensando que estava aflita, voltei atrás e tentei ajudar. Para minha surpresa, fui brindado com um conjunto de insultos que desconhecia dado estarem a ser ditos em luxemburguês. Depois de perceber o que tinha acontecido, pedi desculpa e tentei acalmar a senhora. Penso que ficámos bem…
Esta mesma situação voltou a acontecer, novamente num parque de estacionamento, mas dessa vez eu estava apenas próximo do automóvel. Os carros estão a ficar muito suscetíveis, pensei eu… Mais uma vez, “as minhas desculpas” e ala que andar.
Recentemente, descobri que há uma nova e muito mais perigosa evolução. Os novos modelos de automóveis bloqueiam quando uma bicicleta se aproxima a alta velocidade. Tendo uma bicicleta elétrica com travões de disco, não hesitava em entrar dentro das rotundas como se não houvesse amanhã. Da última vez que o fiz, o carro que ficou à minha frente, e que eu pretendia passar por trás, bloqueou as rodas e ia provocando um acidente, sendo eu um dos potenciais envolvidos e, de certa forma, responsável. Fiquei meio desconcertado de tanto pasmo e, mais uma vez, fui brindado com um conjunto de palavrões que, progressivamente, começo a reconhecer… Depois de acalmar, o condutor explicou-me o que tinha acontecido e acabamos por nos rir um pouco da situação, particularmente por causa da minha cara de total espanto.
Sou o mais possível a favor do desenvolvimento tecnológico, da sua colocação ao serviço do cidadão e, particularmente, daquelas inovações que aumentam a segurança na estrada. No entanto, devia haver um género de curso ou, no mínimo, uma circular para que os ciclistas se preparassem e se precavessem para este mundo em constante mudança. Seria meio estranho que acabasse vítima de um dispositivo desenvolvido para me proteger!
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
Sem comentários:
Enviar um comentário