Foto: F Cardigos
Segundo a wikipedia, arte efémera
é o nome dado a toda a expressão artística concebida sob um conceito de
transitoriedade no tempo e de não permanência como obra de arte material e
conservável. Nos Açores há diversos exemplos de arte efémera. O mais
espetacular é, sem dúvida, o conjunto das pinturas murais na marina da Horta.
Tanto quanto sei, e deixo no ar o desafio de ser contrariado, este enorme mural
é a maior obra de arte efémera coletiva e voluntária do mundo. Desde que iates
passam pelo porto da Horta, portanto muito antes da construção da marina e da
sua ampliação, há pinturas que aí são deixadas por velejadores de todas as culturas.
É um enorme prazer passear pela marina da Horta e, na minha opinião, é um
motivo de grande orgulho para a cidade.
Vem-me a arte efémera à memória
não por causa da Horta e da ilha do Faial, admito, mas sim por causa da ilha do
Corvo. Durante estas férias de Verão, estive algumas semanas no Corvo e, apesar
de conhecer muitíssimo bem aquela ilha desde os anos 80 do século passado, consegue
sempre dar-me novidades.
O artista Bordalo II, em 2021,
compôs um extraordinário “cagarro” em homenagem ao empenho dos corvinos em
proteger esta e outras aves marinhas. O “cagarro”, como é hábito em Bordalo II,
é composto a partir de resíduos e ficou instalado na porta do pavilhão
desportivo da Vila do Corvo. Esta peça nasceu do desafio laçado pelo projeto
“OceanLit” da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e contou com o apoio
da Comissão Europeia através do programa Interreg, da Câmara Municipal do
Corvo, da Direção Regional do Turismo e da EDA.
Este ano, poucos dias antes de
chegar, li no jornal que a Câmara Municipal do Corvo tinha tomado a iniciativa
de contratar uma segunda peça. Quando finalmente aterrámos na ilha, eu e a
Sílvia não nos contivemos enquanto não encontramos o “mero” do Bordalo II. Esta
peça é uma homenagem à proteção voluntária que os corvinos fazem a uma
população visitável de meros e, em simultâneo, pretende “alertar e provocar um
olhar diferente sobre o desperdício”. A instalação teve o apoio da Comissão
Europeia através do Programa Mar 2020.
Foi inteligente não colocar esta
obra propriamente à vista. Dentro da Reserva Biológica é necessário procurar
até que, por entre o pasmo e a alegria, quase como se estivéssemos a mergulhar
no Caneiro dos Meros, lá encontramos o peixe saindo do casco de um antigo barco.
Brilhante!
Aquilo que me deixou
absolutamente espantado é que há uma terceira peça de Bordalo II na ilha. Ao
que me contaram, de forma abnegada e voluntária, o artista resolveu compor esta
peça que é, de momento, considerada um esboço efémero. No entanto, o resultado
é, na realidade, uma emblemática e divertida “vaca”. Dito assim pode parecer
ligeiro. Não é. Vale mesmo a pena ver, mas será necessário procurar e ainda
bem. Tal como no caso do “mero”, a procura e a descoberta fazem parte do
prazer.
Ou seja, imagine-se, na ilha do
Corvo há três peças públicas de Bordalo II. Mas não é apenas isso. O interior da
Câmara Municipal do Corvo tem as paredes cheias de obras magníficas de Martins
Pereira e tantos outros.
Aqui chegado, penso que há dois
desafios. Talvez melhor do que a palavra “desafios” seja pensar em
“oportunidades”... Primeiro, há que tirar a “vaca” de Bordalo II da lista das
obras efémeras dos Açores, responsabilizando uma entidade pela sua manutenção.
Em segundo lugar, há que criar um circuito de arte da ilha, que aponte a
localização das principais obras que o Corvo foi conquistando ao longo do
tempo. Eu gostei muito, mas mesmo muito de encontrar todo este espólio e penso
que outras pessoas poderão pensar e sentir da mesma forma.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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