sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Crónicas do Voo do Cagarro - 58: “La Grande Confrontation”

Abaixo menciono alguns países e, porque me parece útil, à frente de cada um deles coloco o valor de índice de democracia correspondente, segundo uma Unidade especializada do Grupo The Economist. A escala vai de 1 (mínimo) a 10 (máximo).

Num artigo anterior, mencionei um livro da autoria de Raphael Glucksmann recentemente publicado. O eurodeputado, jornalista e ativista Raphael Glucksmann vale por si mesmo, mas é impossível não referir que ele é filho de um dos mais relevantes pensadores da segunda metade do século XX, André Glucksmann.  

Volto ao livro de Raphael para escalpelizar um pouco mais o seu conteúdo. “La Grande Confrontation” trata da invasão russa (2,28) da Ucrânia (5,42) e como, na perspetiva do autor, isso resultou em parte de corrupção, de laxismo e da desatenção dos Estados da União Europeia. Considero este um livro obrigatório para quem se preocupa com a democracia, embora me pareça não estar ainda disponível em português (apenas no original, em francês).

Ainda mais que a extensa justificação para o estado das coisas, interessou-me a parte final, em que o autor aponta caminhos para possíveis soluções. Um dos pontos cruciais que Glucksmann defende é a impossibilidade de a democracia sobreviver à desatenção. Há que criar pressão e motivação a todo o momento porque os perigos exteriores à democracia existem e existirão sempre. Nunca baixar a guarda! Sobreviverão as democracias que estiverem dispostas a se defender. Quem o escreve é também coordenador da Comissão Especial sobre Ingerência Externa do Parlamento Europeu. E, acrescento agora eu, mesmo com ações de defesa da democracia, o sucesso não é garantido. Que o digam os cidadãos da Região Administrativa Especial de Hong Kong (5,28) e da Bielorrússia (1,99), esmagados por sistemas antidemocráticos.

Um dos pontos defendidos por Glucksmann é a necessidade de privilegiar as relações económicas com os países amigos. No fundo, explica ele de forma exemplar, há apenas que garantir que as ações estabelecidas a nível diplomático têm eco nas relações comerciais. Justificando pelo absurdo, que sensatez tem repudiar os sistemas autoritários russo e chinês (1,94) e, ao mesmo tempo, privilegiar a dependência energética com a Rússia e dar a gestão dos nossos portos marítimos à China. Não faz qualquer sentido. E, claro, as relações comerciais da União Europeia com a Noruega (9,81) e com o Canadá (8,88), democracias livres, não podem ser postas no mesmo plano que as nossas relações com o Irão (1,96) ou a Coreia do Norte (1,08). Por muito que a Organização Mundial do Comércio o queira impor, não pode ser igual.

O outro ponto fundamental defendido pelo autor é a ecologia. Para ele, membro do Grupo Socialista do Parlamento Europeu, a ecologia é o único caminho para a Europa. De uma só vez, a Europa poder-se-á livrar de dependências de energias fósseis oriundas de países terceiros e colocar-se na vanguarda tecnológica se investir seriamente na inovação científica. No entanto, Glucksmann refere que os Verdes europeus não são, em muitos casos, verdadeiros ecologistas, visto estarem presos a dogmas e a soluções que a história já provou não serem sensatas. A título de exemplo, proponho eu, veja-se o repúdio da pesca elétrica (“pulse fishing”), repúdio este apoiado também pelos Verdes no Parlamento Europeu. Seria uma pesca muito mais ecológica do que os pesados, poluentes e destruidores arrastões. Segundo Glucksmann, e volto a repetir que ele é do Grupo Socialista, o movimento Verde poderá ser o porta-estandarte desta necessária revolução se se libertar de preconceitos e aceitar a melhor ciência.

O melhor mesmo é ler o livro. Fica clarinho que mais importante do que tentar impor as soluções democráticas a quem não as quer ou não tem condições para as aceitar, o melhor caminho é demonstrar em permanência e para todo o mundo ver que a democracia, no modelo ocidental, é a solução governativa que mais promove a felicidade individual e coletiva. Ecologia, liberdade e democracia!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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