Tudo começou quando li que os seres humanos são das poucas espécies em que os elementos do género feminino vivem para além do período fértil. Ou seja, a menopausa não acontece vulgarmente no mundo natural. “Interessante… Qual será a razão desta singularidade?”, perguntei-me…
Um dos artigos defendia que no caso das orcas, uma das outras espécies que
vive para lá do período fértil, essa sobrevivência permite salvaguardar o
património genético. Dizia-se no artigo que essas fêmeas mais idosas e em
período pós-fértil defendem os seus filhos de uma forma particularmente feroz.
Curiosamente, segundo a autora, as orcas defendem os filhos, mas não demonstram
o mesmo interesse pelas filhas. Aparentemente, isso resulta do facto de os
machos terem a capacidade de acasalar rapidamente com muitas parceiras
diferentes e o contrário não se aplicar. Noutro artigo, um autor, defendia que
as orcas deixam de se reproduzir porque, jamais abandonando a prole, acumulam
demasiados filhos para se poderem reproduzir continuamente. Ainda outro
cientista referia que as orcas mais idosas perdem a competitividade reprodutiva
relativamente às fêmeas mais jovens. Atenção, estes trabalhos aplicam-se
exclusivamente às orcas e não a qualquer outra das espécies que vive para além
do período fértil.
Depois, de forma independente, li que os seres humanos têm uma diferença
entre gestações inferior à maioria dos restantes primatas. Ou seja, em média,
uma mulher tem a capacidade natural de ter um filho a cada três anos e isso é
cerca de metade dos nossos primos genéticos.
Por que razão têm os restantes primatas de passar tanto tempo entre
gerações? Por exemplo, uma mãe chimpanzé que deixe o seu filhote entregue à
família estará a reduzir a sua capacidade de sucesso. O filhote não aprenderá
ao mesmo ritmo e terá menores probabilidades de crescer saudável. Posto isto, os
chimpanzés têm um período natural entre gestações que chega aos cinco anos. A
mãe chimpanzé tem de se ocupar da cria a tempo inteiro e durante muito tempo…
Nos humanos não é assim. A vida social intensa, próxima e solidária
permitiu que a confiança na família alargada se tornasse numa ferramenta
evolutiva. Desde há centenas de milhares de anos que os hominídeos podem deixar
os seus filhos bem entregues à família próxima.
Estarão estes dois factos relacionados? Será que a longevidade após o términus
do período fértil nos humanos está relacionada com a capacidade de nos
reproduzirmos com uma maior cadência? Uma mulher que pode confiar no apoio da
família ficará mais disponível para se voltar a reproduzir. O uso da família
alargada não reprodutiva, permite uma educação infantil também alicerçada na experiência
dos mais idosos. Terá sido esta combinação entre maior cadência reprodutiva e o
maior contacto com os mais experientes a vantagem adaptativa que nos distanciou
dos primatas não-humanos?
Será que o ápex da evolução no planeta Terra é precisamente esta faculdade
de incluir os mais idosos de forma dedicada no tecido social complexo que se
verifica nos humanos? Se assim for, deveremos olhar para os outros animais que
terminam prematuramente o período fértil com atenção e respeito acrescido.
Por último. Hoje, vemos as famílias modernas cada vez mais distanciadas dos
idosos, por vezes mesmo vetando-os ao abandono. Pelo explicado atrás, parece-me
claro que é, no mínimo, uma atitude insensata e, até por razões evolutivas como
vimos atrás, inumana.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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