Para mim, as redes sociais são um dos grandes desafios contemporâneos. Não irei ainda ao ponto de lhes chamar o ópio do povo no século XXI, mas olho com preocupação. Fortaleci esta opinião depois de sair dessa ficção e ao contemplar o nível de intoxicação e dependência de alguns dos que ficaram. Concordo que há aspetos positivos, mas os engodos e enganos propositados, alguns acabando em roubo ou pior, as discussões, as arrelias escusadas e inúteis e a desinformação que vou observando agora à distância levam-me a não ter grandes dúvidas que, em termos gerais, o uso de redes sociais é prejudicial.
Infelizmente, alguns programas de rádio passaram a ter ferramentas de
comunicação com os seus ouvintes e extensão de conteúdos assentes nas redes
sociais. É uma tendência que tenho observado e é precisamente o que acontece
com um dos programas que costumo escutar com gosto. Dada a minha convicção, dado
o meu ativismo e tendo em consideração o apreço que tenho pela minha sanidade
mental, estou excluído desse outro lado da minha rádio.
Foi isso que me fez refletir sobre a possibilidade de estar a entrar voluntariamente
num mundo alternativo. Passo a explicar. Se a nova realidade se passa também num
conjunto de plataformas das quais estou excluído, até que ponto tenho uma
perceção errada do mundo? É uma perceção certamente limitada.
Claro que, talvez com um travo de arrogância e certamente com preocupação,
considero que muito pior do que eu estão as pessoas que se mantêm ativamente
nas redes sociais. Aí, pior que a realidade limitada é a sociedade
propositadamente disfuncional criada pelo algoritmo.
O certo é que o metaverso e o mundo palpável estão a partir para lados
diferentes. De um lado estarão os que se mantêm dentro das redes sociais e que,
em breve, começarão a usar óculos virtuais de realidade aumentada e, depois,
implantes no cérebro. Boa sorte! Do outro lado, os restantes.
Haverá então dois grandes países – o Real e o Virtual. Em momentos
ocasionais, os habitantes atravessarão a fronteira e olharão com curiosidade
para o outro lado. Com sobranceria, classificarão os restantes com adjetivos
entre o curioso e o depreciativo.
No outro dia, encontrei um desses potenciais futuros habitantes do país
virtual através de uma rede social que espreitei por cima do ombro de um
comparsa. Este virtuaguês enviava um “live” (diz-se “laife”, penso eu)
dum navio de cruzeiro em que celebrava a sua felicidade. Na minha perspetiva,
ele não percebia completamente a situação. Ele não entendia que estava perdido
numa monótona cabine e preso num poluente hotel flutuante. Era uma felicidade
tão forçada, tão ignorante e tão irresponsável que me arrepiou.
“É pá!”, exclamava abundantemente, “vocês não vão acreditar, malta! A
felicidade enorme que estou a sentir! Não há crianças e quase não há idosos
neste cruzeiro! Isto é que é vida, pá! Estou no paraíso!” Provavelmente, estava
mesmo, mas num paraíso só dele. Uma bolha virtual que só ele podia compreender
e com consequências danosas para os restantes. É mesmo possível perdermo-nos
atrás dos estímulos imbuídos pelos cartazes publicitários e, como se não fosse
já suficiente, defendê-los e propalá-los publicamente.
Penso que já é tarde demais. Os reguladores permitiram que as grandes redes
sociais investissem de forma irreversível em novas tecnologias de espaços
virtuais. Permitiram que se agisse primeiro, antes de refletir coletivamente.
Portanto, ao contrário do que deveria ser, faltou planeamento. Acabaremos com
estupefacientes com o beneplácito dos Estados, digo eu.
Claro que quem, no futuro, estiver do lado de lá, por trás dos implantes
cerebrais numa sala às escuras, sentindo o maior prazer de que se pode usufruir
e em perpétuo circuito repetitivo, olhará para a minha realidade, e sem
hesitação, irá apelidá-la de distópica. Não é fácil contrariar esta cena que
antes apenas víamos nos filmes. Com todo o sofrimento em que, por vezes,
tropeçamos, com toda a maldade, avidez e egoísmo que resulta em guerras e com
as convulsões sociais que arriscam a limitar a ação climática, podemo-nos
interrogar sobre qual dos países é mais distópico.
A resposta, no entanto, está nos sorrisos dos outros. Aqueles sorrisos que
enchem os nossos corações de luz, amor e esperança. São sorrisos que se
constroem, que se conquistam, que se disseminam e que se ganham. Felizmente,
mesmo entre azedumes e escondidos nos dias mais cinzentos, vislumbramos destes
sorrisos que trazem em si todas as respostas necessárias. Estes sorrisos
construídos com respeito e simbiose, que são merecidos e que são genuínos,
estes não existem senão no país Real.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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