sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 81: 22 de julho de 2024


O dia mais quente de sempre.
Imagem: Climate Pulse

A Comissão Europeia mantém em permanência um programa de monitorização da temperatura global do ar e da água do mar disponível em linha. Este sistema, com nome oficial “C3S/ECMWF”, é, na realidade, mais conhecido por “Climate Pulse”.

Na página internet Climate Pulse podemos ver atualizações, quase em tempo real, das principais variáveis climáticas globais fornecidas pelo Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Sistema Copernicus, uma parte do Programa Espacial da União Europeia. Tudo isto para enfatizar que é um sistema credível por ser baseado em ciência robusta e com extraordinários engenheiros na sua génese e manutenção.

O Climate Pulse disponibiliza a temperatura do ar e a temperatura do mar atuais e disponibiliza registos históricos desde 1940 para a atmosfera e desde 1979 para o oceano. Por exemplo, podemos verificar que a temperatura do ar no dia do Desembarque da Normandia (6 de junho de 1944) era, em média, 15,5ºC. Avancemos 80 anos e, para o mesmo dia de 2024, a temperatura média do ar no nosso planeta ascendeu a 16,49ºC. Cerca de um grau de diferença. No dia 6 de junho de 1944 estivemos 0,32ºC abaixo da média e no mesmo dia em 2024 estivemos 0,67ºC acima da média.

Usando o mesmo sistema, no dia 22 de julho de 2024, a temperatura média do ar chegou aos 17,16ºC. De acordo com os dados disponíveis no Climate Pulse, esta foi a temperatura mais alta jamais registada na atmosfera do nosso planeta. Nesse dia, a anomalia em relação à média foi de 0,9ºC.

Tudo o que referi atrás é verificável na internet, no Climate Pulse, sem necessidade de registo ou de ter de aceder a sistemas complexos. Por exemplo, no dia em que fiz dez anos, dia em que viajei de avião das Flores para o Faial e o senhor comandante me convidou para ir ao cockpit (que bela prenda de anos!), a temperatura média da água do mar no planeta Terra era de 19,94ºC, ou seja 0,32ºC abaixo da média. Passadas dezenas de anos, no início de agosto de 2024 estamos 0,5ºC acima da média. A temperatura da água do mar é particularmente importante por diversas razões, incluindo por servir de reguladora da temperatura do ar.

Estamos mal, estamos a lidar mal com a necessidade de poluir menos, mas, digo eu, estamos a tempo de mudar. Coletivamente, há algo que pode ser feito, mas tem de ser feito depressa.

Nas conversas com amigos e conhecidos, realizo que, para a maioria, é impensável agir em termos sociais ou ambientais sem um qualquer retorno evidente e imediato. É estranho, até porque a sobrevivência dos nossos filhos e netos depende em muito do que fizermos agora. Mas, aparentemente, esse não é um retorno suficiente para justificar a ação. Em termos sociais, por exemplo, uma fotografia no instagram parece ser mais valiosa do que um ajudar abnegado e, como consequência de qualquer investimento em termos ambientais, a pergunta obrigatória é sempre “quanto estás a ganhar com isso?”. 

Será que tenho razão ou esta é apenas uma percepção errada da minha parte? Mais do que me dar resposta, o que, reconheço, é francamente inútil, penso que era importante que os responsáveis verificassem quais poderão ser os catalisadores da mudança individual e agissem em conformidade. É mesmo importante.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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