Foto: Sílvia Paradela
A sequência repete-se. Repete-se outra vez… A sequência repete-se uma e outra vez até se tornar aquilo que vulgarmente se chama ritual.
Todos os anos volto à ilha mais pequena, estaciono-me, leio, mergulho,
converso, como bem, como os sabores da ilha e os novos sabores da ilha.
Descanso, mato ou pelo menos atenuo as saudades e vou ao Caldeirão. Uns anos,
atravesso até ao outro lado, para ver a “minha” derrocada, aquela que ajudei a
registar cientificamente. Quando falamos e escrevemos muito sobre um facto
passamos a ser meio proprietário dele, não é? Não é assim. Claro que não é
assim, mas posso escrever, até porque o artigo é meu. Coisas de chefe de
artigo.
Registo as pequenas mudanças. Num mergulho, aqui bem perto de casa,
perco-me. Apetece-me rir de mim próprio. Que vergonha… Eh, eh… As referências,
aquelas grandes pedras que marcam o fundo e clarificam o percurso, mudaram numa
qualquer tempestade de inverno e pimbas! Perdidíssimo.
Registo as grandes mudanças. Os aerogeradores que crescem no meio da ilha,
apelando ao fim do combustível fóssil e à entrada plena do Corvo no século da
sustentabilidade. São grandes, mas não são enormes. São grandes e já me “cheiram”
à energia limpa que irão produzir. Bravo!
Faço o circuito do Bordalo II. Constato que as três obras deste artista
estão no mesmo local zelosamente à espera de quem ouse procurá-las.
Vou à missa, não por convicção, admito, mas fazendo companhia a quem quero
bem. O Sr. Padre está bem disposto, projeta palavras sábias e irradia-me de
bons pensamentos. Soube-me bem. No final da cerimónia vejo alguns dos mais
idosos, sempre com sorrisos em caras tão amigas. Amizades antigas, forjadas
pelo tempo. Penso que li isto algures e aplica-se aqui tão bem.
No mesmo dia, aprecio Bordalo II e deleito-me com a Igreja Católica
Apostólica Romana. Quem diria…?
Debaixo de água, testo um equipamento que inventei durante os meus sonhos
entre Bruxelas e o Luxemburgo. Trata-se de uma câmara de vídeo “amarrada” a um
chumbo pesado. Resultou. As imagens obtidas são do agrado de todos.
Peço a um amigo e, com a família, damos uma volta à ilha. Ponta do
Pesqueiro, costa Este, Moldinho, mergulho de mar no Moldinho, perseguido por
peixes-porcos, Ponta do Marco, ilhéus, grutas, mais um mergulho de mar. Apanho
umas algas lá do fundo, trago para o barco, cheiro e dou a cheirar. Fajã da
Madeira, onde nunca houve uma árvore, mas essa é outra história e não cabe
aqui. Espigão, ilhéus da Areia e ala para o Canal. Golfinhos esquivos e um
barco de pesca. Um para-Sol de praia protege um pescador animado pelos gorazes
que saltam para o porão e, em breve, partirão para Espanha. De 500 metros de
profundidade no Canal entre as Flores e o Corvo para Espanha. O mestre está bem
disposto. Oferece-nos uma bebida e ficamos ali a pairar com ele, dois barcos no
meio do mar azul. Harmonia, paz, tranquilidade…
Regresso à ilha num ritual de rituais. Os rituais que irão preencher uma
boa parte e uma parte boa dos meus sonhos no distante centro da Europa. E
assim, a volta à ilha remata a volta à ilha.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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