segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Mar, sempre o Mar...

Estas férias “inventei” uma geringonça. Trata-se de uma pequena câmara de vídeo 4K subaquática, amarrada com fita-cola a um peso de mergulho e com um micro flutuador de sinalização. Em homenagem aos nossos cientistas marinhos, batizei o dispositivo com o nome de HomeLander. Pomposo! 

O processo de utilização é muito simples. No princípio de um qualquer mergulho em apneia ou com escafandro autónomo inicia-se a gravação e abandona-se a câmara pelo fundo. No final do mergulho, recolhe-se o equipamento e, depois de devidamente adoçado e já em casa, liga-se a câmara à televisão e verifica-se a gravação. 

Começo com esta experiência pessoal para passar aos verdadeiros cientistas, mais em particular os biólogos-marinhos portugueses. Estes cientistas vão conquistando conhecimento e reconhecimento. Disso fui duplamente testemunha nos últimos dias. 

Primeiro, apanhado de surpresa, vi os meus antigos colegas investigadores da Universidade dos Açores a aparecerem numa novíssima série produzida por James Cameron, o “OceanXplorer”. Está disponível na Disney+. Aí, os biólogos-marinhos portugueses entram em sinergia com a expedição internacional no desvendar de alguns dos segredos escondidos nos fundos marinhos do arquipélago açoriano. Entre aventuras e emoção, a conclusão é que... Eh, eh... Não serei eu a desvendar. Nada como ver! 

Mais recentemente, em Copenhaga, tive oportunidade de participar na Conferência conjunta das sociedades mundial e europeia de aquacultura, “Aqua 2024”. Lá, os biólogosmarinhos de Portugal apresentaram dezenas de trabalhos científicos e técnicos que, com os especialistas em aquacultura de 103 países, ajudam a desbravar conhecimento útil para esta atividade emergente. Ao contrário do resto do mundo, a aquacultura da União Europeia insiste em não descolar e, portanto, toda a ajuda é relevante. 

Lendo a comunicação social séria da bolha de Bruxelas, verifico que se prepara um enorme investimento numa nova tipologia de aquacultura em Portugal. A investidores nacionais juntam-se empresários israelitas e, no final, o potencial é aumentar a produção do nosso país em cerca de 50%. Na plataforma que servirá de base às jaulas, pode ainda ler-se na notícia, poderão viver e trabalhar entre 6 e 20 pessoas em permanência. Enorme! 

Olhando para os números modestos da produção aquícola na Bélgica, compreendo que há aqui também um potencial caminho a percorrer. Quem sabe, estes investimentos que se preparam em Portugal não poderão ter ecos na Bélgica... Haja interesse expresso e a Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa, cumprindo o seu desígnio e propósito, poderá rapidamente montar umas Rotas da Economia Azul dedicadas a este tema. Interessante? 

As minhas férias terminaram. Sento-me na sala de casa após mais um dia de trabalho. Ligo a pen USB que contém os vídeos que fiz na ilha do Corvo (Açores-Portugal) durante o Verão. Fico a olhar todos aqueles peixes, algas e outros organismos que vão passeando à frente da HomeLander. Depois da excitação inicial, hipnotizado, vou-me deixando cair num torpor que se transforma em sonhos de água salgada... Saudades de mar...


* Frederico Cardigos é vice-presidente da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa e é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 84: Com os Bandarra

 

Em Bruxelas, no dia 14 de setembro à noite, ligo-me ao Youtube e revejo todos os vídeos que encontro dos Bandarra. Tento imaginar-me no Teatro Faialense. Pietá (voz), Cláudia (voz), Fausto (guitarra), Gira (baixo), Chris (guitarra), Batata (bateria) e a restante malta que acompanha os Bandarra cantam, tocam saltam, transmitem boa disposição, divertimento e tudo misturado em letras que nos fazem pensar.

A 4 mil quilómetros de distância, amigos simpáticos e atenciosos mandam-me um pequeno clip pirateado na sala de concertos. Não há dúvida, os Bandarra estão em plena forma.

Sempre me recusei ser tomado pelo tornado de saudades que sinto pelos Açores. No entanto, nestes dias em que se sabe que irá acontecer algo histórico, a nostalgia aperta mais. Gostava de estar aí, pá! O gin do “Peter”, os nacos no “Canto da Doca”, o Jardim Botânico, o Vulcão dos Capelinhos e o seu Centro de Interpretação, a Caldeira e os seus mistérios, o Norte do fim do mundo, o peixe no restaurante do Sr. Genuíno nas noites de temporal, a Praia de Porto Pim e a Praia do Almoxarife, mas essencialmente os amigos… “Vamos à Praia”? Vamos à praia!

Continuo a ouvir os Bandarra, caso não se note, e vou-me baralhando nas palavras das suas músicas. Pelo meio, penso ter ouvido falar em seis garajaus embriagados e pergunto-me por que não sete? Quantos são os Bandarra? Ah, claro.

Acho que esgotei as músicas que estão no Youtube, ou então sou inapto e não encontro mais. Viro-me para o Spotify, Bandcamp e Vimeo. Olho para o “Zé” e tento ter tino, enquanto vou andando, cantarolando e dançando...

A última vez que estive no Faial para ficar foi no rescaldo de mais uma “Xula da Caça”. Estando no Inverno, acabei por ser apanhado no “Tango da Neblina”. Mas o Sol não ficou para trás, o nevoeiro foi de pouca dura, o avião veio e regressei à labuta no meio da Europa.

O tempo passa e “Mais ou Menos Minuto” terei o mar todo às costas, mesmo que apenas em vívida recordação. Passeios de barco à vela ao nascer do Sol, nadar por entre águas-vivas, ver cachalotes e golfinhos, wind-surf, mergulhos…

Lembro-me de chegar às piscinas naturais do Varadouro, naquele dia em que as coisas não tinham corrido bem, de tirar a t-shirt, saltar e… grande trambolhão! Eh, eh… Ninfa Maria, vem cá abaixo! Nada como a água salgada para meter uma pitada de humor e relativizar as aparentes desgraças. “Re-Vira-Volta!” Ala bailar a “Valsa da Carroça”! No Faial a linguiça, no Pico o bagaço… e segue a dança.

Quando recordo o Mar dos Açores, inevitavelmente, sinto-me um homenzarrão. Aprendo, cresço e engrandeço em sonhos de ilha Azul. Não me rendo! Tudo isto dá-me energia para enfrentar todas as tolices com que alguma humanidade nos bafeja. Sinto-me uma obra do divino, em terra não tenho rival, sou o dono do destino e o mundo que aguente esta altivez! Ao contrário da música, não preciso de mais. Não vale a pena penar, nesta vida tão pequena. Preciso apenas de, volta e meia, submergir no silêncio barulhento do debaixo de água, com os peixes a passar e aquele polvo a espreitar…

Estou quase de “Saída”, encanado pelo vento. Nessa terra em que há tempo para gastar. Quero ir à ilha para ver o que ela tem. Quero ficar mais um dia. Quero os quatro tempos desse dia…

“Não és dos Nossos”, gritam da máquina musical, mas eu sei que não é verdade. Serei sempre. Não há hipótese. Mesmo que não quisesse. É mais forte que eu e mais forte que tudo. E é muito isso, os Bandarra são um belo e harmonioso hino à amizade, à felicidade e ao Faial. Bem hajam!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 83: Como aumentar o sucesso nos Jogos Olímpicos?

Sendo um entusiasta de estatísticas e do espírito olímpico, os jogos de Paris 2024 foram uma boa justificação para “brincar” com números. No movimento olímpico, as medalhas são a expressão visível do sucesso de cada desportista e de cada país. Por esta perspetiva, os atletas dos Estados Unidos da América e da China são os que mais se destacam. Essa é uma perspetiva honesta, mas redutora.

A China e os EUA são dos países mais populosos do mundo. Tendo maior número de seres humanos é natural que tenham também o maior número de medalhas. No entanto, como se comprova com o exemplo da Índia, o outro dos países mais populosos do mundo, o sucesso olímpico espelhado pelas medalhas não é apenas resultado da população. De outra forma, a Índia teria muitas medalhas e, em Tóquio 2020, teve apenas 7; muito pouco se comparada com a China, um país com população semelhante e que obteve 89 medalhas.

Ou seja, aparentemente, há outros fatores que determinam o sucesso medalhístico para além da população. Este não é um tema novo e já diversos autores se debruçaram e, com mais engenho que eu, certamente chegaram às melhores conclusões. Para esses estudiosos, o fator que mais contribui para o sucesso medalhístico para além da população é o produto interno bruto. Apesar de compreender as razões, resolvi continuar a brincar com os números e tirar as minhas conclusões.

Comecei por elencar um conjunto de fatores que gostaria que estivessem relacionados com este sucesso e outros que me pareciam poderem estar relacionados. São duas coisas diferentes: o que eu gostaria e o que me parecia... Por exemplo, eu gostaria que o sucesso nos jogos olímpicos estivesse relacionado com o sucesso escolar, com o índice de desenvolvimento humano e com o estado da democracia. Ao mesmo tempo, considerei que, possivelmente, o sucesso medalhístico poderia estar relacionado com o número de atletas que cada país apresenta na competição, com o já mencionado produto interno bruto e com o investimento nacional feito no desporto. Portanto, estas foram as minhas variáveis de base.

Para realizar os cálculos, recorri a um sistema de inteligência artificial. Pedi-lhe para ajustar uma equação polinomial ao número de medalhas por milhão de habitantes obtidas nos Jogos de Tóquio aos fatores acima mencionadas. Não usei os Jogos de Paris porque fiz o trabalho durante a competição e porque queria usar o resultado para comparar com esta última competição. Para simplificar, usei apenas as medalhas de ouro e apenas países em que todas as variáveis fossem conhecidas. Isto é uma limitação, já que nem todos os países têm disponíveis índices como o sucesso escolar (usei os testes PISA).

Portanto, muita conversa para dizer que me esforcei para obter algum resultado que fizesse sentido, mas este é assumidamente um trabalho amador. Quando cheguei ao final fiquei contente por duas razões. Primeiro, o índice de ajustamento da equação era elevado (r2=0,85) e, em segundo, havia fatores mais correlacionados e outros menos correlacionados com o sucesso medalhístico.

De acordo com os meus cálculos, o fator que mais se correlaciona com o sucesso nos Jogos Olímpicos é o índice de desenvolvimento humano. Seguem-se o investimento em desporto e o número de atletas em competição. Em sentido contrário, a educação, a democracia e o produto interno bruto parecem não ter influência assinalável no sucesso medalhístico, de acordo com os meus cálculos superficiais e amadores.

Para tirar a prova à minha equação feita com base nos Jogos de Tóquio, calculei os resultados para Paris. Entre os diferentes resultados, de acordo com a minha equação, os Estados Unidos teriam 39 medalhas de ouro (tiveram 40), a China teria 38 (40), o Japão 27 (20), a Austrália 17 (18) e Portugal 2 (1). Não estive muito longe. Não refiro os restantes resultados, mas apenas um dos piores. Trata-se da França. De acordo com a minha equação, a França deveria ter tido 55 medalhas de ouro e, na realidade, teve 16. Lá se foi a boa reputação da minha equação…

Concluindo, é certamente impossível obter uma equação que pré-determine o sucesso nos jogos olímpicos. No entanto, o aumento do índice de desenvolvimento humano, de acordo com os meus cálculos, e o aumento do produto interno bruto, de acordo com os cálculos de quem sabe realmente do assunto, parecem acompanhar o sucesso olímpico. Acima de tudo, foi divertido brincar com os números.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 82: O DOP conseguiu, novamente!

A mensagem era estranha: “O Faial tem 3 novas estrelas.”. Que significaria isto de… “3 novas estrelas”…? “Nova estrelas” é uma expressão que pode ser usada para classificar o sucesso de alguém ou para homenagear pessoas que nos tenham deixado. Tive um momento de palpitação e meio pânico, mas, ao mesmo tempo, confiante que não me dariam más notícias daquela maneira. Depois veio a tentativa de explicação: “Já viste?”… “Viste” o quê?! Começava a ser irritante… Parei com aquela história de mensagenszinhas para cá e para lá e liguei.

Conta lá o que se passa!”. Resposta: “Já saiu a série “OceanXplorer” com o pessoal do DOP. Está na Disney+.” O mundo quase parou, mas de uma forma perto de sublime. Os meus amigos do coração, o pessoal do DOP, os melhores cientistas marinhos do país, estão numa série de visibilidade mundial a mostrar o Mar dos Açores…! Que notícia absolutamente fantástica. “Ok, vou sair agora de Bruxelas para o Luxemburgo. Tens o tempo viagem, ou seja, cerca de duas horas, para me arranjar uma assinatura do Disney+ (mereço, certo?). Eu, assim que chegar, quero ver isso!

Dito e feito. Obrigado! Ao chegar ao Luxemburgo, comecei de imediato a ver os dois episódios que se passam nos Açores. Não vou dar detalhes porque não quero estragar nada a ninguém, mas vou ter de elevar as espectativas porque realmente são dois episódios extraordinários. Admito que tive todas as boas sensações humanas, desde me emocionar com certas partes, ficar exaltado com outras e, a todo o tempo, maravilhado com as descobertas e com as imagens. Tantas coisas que desconfiávamos (como dizem os cientistas: “hipóteses”), mas que não tínhamos tido oportunidade de comprovar… Ali estão! Maravilhoso, repito. Claro que há aqueles exageros típicos dos norte-americanos: “visto pela primeira vez” ou “nunca antes feito”… mas não os colegas do DOP. Eles estão perfeitos, quando o dizem é porque é mesmo. Seja… Oppsss… Não posso continuar esta frase sem estragar o efeito surpresa. Vou-me conter, vou-me conter…

No passado, o DOP, hoje oficialmente Okeanos, participou em episódios de séries documentais da BBC, ARTE, National Geographic, NHK e, em termos mais domésticos, mas importantes, em documentários da RTP e da SIC. Houve mesmo um conjunto de documentários, “Mar à Vista!”, produzido pelo José Serra da RTP-Açores em estreita colaboração com o DOP. O que o “OceanXplorer” traz de novo é o nível mundial de protagonismo dado aos “nossos” cientistas. O Rui Prieto, o Pedro Afonso e o Jorge Fontes estão fenomenais, não consigo deixar de enfatizar com estes adjetivos poderosos. Estão mesmo! E isso não quer dizer que… Oppsss… Lá ia eu outra vez… Não posso estragar contando demais.

Quando terminei de ver, troquei algumas mensagens com os meus sempre amigos e antigos colegas. Queria felicitá-los e deixar expresso o meu orgulho por partilhar este planeta com pessoas como eles.

No meio da conversa, enviaram-me uma ligação internet para uma notícia que saiu no dia 15 de Agosto e que me tinha escapado. Para minha boa surpresa, o Jorge Fontes ganhou mais um prémio de fotografia subaquática. Desta vez foi o primeiro prémio da competição de imagens para cientistas denominado BMC Ecology and Evolution and BMC Zoology. A foto premiada é absolutamente deslumbrante! No mesmo enquadramento está um tubarão-baleia de boca aberta, dezenas de atuns e centenas, possivelmente milhares, de outros pequenos peixes divididos em duas bolas de isco. É uma fotografia fabulosa!

No final dos episódios dedicados aos Açores, o narrador do documentário OceanXplorer diz algo sobre o privilégio que é poder mergulhar em águas pristinas e cheias de segredos por desvendar como é o Mar dos Açores. Há cerca de vinte anos, numa ação global do Greenpeace, as mesmas palavras foram ditas pela organização ambientalista sobre este pedaço de oceano que está pertinho das nossas ilhas. É bom que certas coisas não mudem. A espetacularidade do Mar dos Açores não mudou. A capacidade dos cientistas do DOP de nos maravilharem também não.

O DOP voltou a fazer das suas e isso é tão bom!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.