Foto: F Cardigos
Num estudo liderado por um cientista português em colaboração com colegas
da Alemanha, Estados Unidos da América, Hungria, Itália e Suíça foi explorada a
dinâmica de caça coletiva entre polvos e diversas espécies de peixes. O trabalho
foi recentemente publicado numa revista do grupo Nature e é intitulado
"Multidimensional social influence drives leadership and
composition-dependent success in octopus-fish hunting groups". Nele
examina-se como a complexidade social multidimensional influencia a liderança e
o sucesso do grupo. Através de técnicas de rastreamento tridimensional no mar e
em experiências controladas, os investigadores descobriram que estes grupos
apresentam dinâmicas funcionais complexas e propriedades dependentes da
composição específica dos membros. A influência social é distribuída de forma
hierárquica em múltiplas escalas, reflectindo as respetivas especializações: o
polvo decide “se” e “quando” o grupo se desloca e os peixes lideram a
exploração do meio, decidindo “para onde” o grupo se move. É um trabalho muito
interessante e é acompanhado por vídeos ilustrativos. Vale a pena espreitar.
Ao ler o artigo não pude deixar de pensar em organismos marinhos que se
especializam na cooperação. Por exemplo, os peixes-piloto e as rémoras que
acompanham os tubarões e as jamantas num bailado de aparente eterna sincronia.
No entanto, os que mais me fascinam, até porque são muito simples de
observar, são os peixes-rei e as rainhas. São duas espécies diferentes que se
ocupam a limpar outros peixes de parasitas externos. Aqui, neste mar dos
Açores, a vassalagem é prestada por suas altezas que, desta forma, obtêm uma
refeição gratuita. Os outros peixes, aqueles que são limpos, livram-se de
incómodos parasitas.
Não se pense por um instante que a aristocracia piscícola rouba os
parasitas. Nada disso. Como poderá observar facilmente, os peixes que são
limpos entram em algo que parece hipnotismo, letargia ou levitação, parando na
coluna de água com as barbatanas bem esticadas permitindo assim que o trabalho
fique bem feito. Quero vincar, portanto, que não é apenas oportunismo por parte
da aqua-nobreza, é mesmo cooperação de que resultam dois beneficiários. Esta é
apenas uma das milhares de histórias de que pode usufruir quem se atrever a
meter a cabeça debaixo de água nos Açores. É simples.
Infelizmente, tudo isto está em risco. Como pudemos observar nestas últimas
semanas, muitos meros têm morrido de algo que os cientistas do DOP/Okeanos
tendem a relacionar com as alterações climáticas. De facto, mergulhei no Corvo
este Verão e a água estava notoriamente quente, como nunca tinha sentido nos
Açores.
Enquanto sociedade, andámos demasiado tempo a fingir que as alterações
climáticas não existiam. Quando estas se tornaram evidentes, enquanto
sociedade, tentámos inventar que não era culpa dos humanos. Agora, os meros
começam a aparecer à superfície do mar, como bolhas numa panela de água a
ferver, passe o exagero.
Nós, os seres humanos, temos uma responsabilidade significativa na
intensificação das alterações climáticas porque atividades como a queima de
combustíveis fósseis e a desflorestação contribuem para o aquecimento global.
As consequências dessas alterações incluem o aumento do nível do mar, a
intensificação de fenómenos meteorológicos extremos, como tempestades e secas,
e a perda de biodiversidade, que podem ter impactos devastadores nas sociedades
humanas e nos ecossistemas.
Que desculpa iremos inventar a seguir?! Era mais simples e mais eficaz
agir. Cada um de nós, seja por ações, por sensibilização ou como lhe parecer
bem, agir. Entre outras ações, é preciso escolher melhor, optando sempre por
soluções que pressionem menos a natureza planetária, e compensar ambientalmente
as inevitáveis viagens de avião. Os nossos filhos e netos merecem ter a
oportunidade de ficar fascinados com a natureza que nos envolve. Nós não temos
o direito de, por inacção, lhes estragar o futuro.
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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