domingo, 30 de junho de 2024

Rotas da Economia Azul e as Alterações Climáticas

Nos últimos meses, com as mudanças resultantes das eleições nos governos de Portugal (já constituído) e da Bélgica (ainda por constituir) temos feito uma pausa involuntária na organização das Rotas da Economia Azul, um evento regular da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa (detalhes aqui). A democracia é uma prioridade e, por isso, com naturalidade e mesmo agrado, aguardamos a instalação dos novos responsáveis. 

Isso não nos inibe de refletir sobre as tendências e prioridades que se oferecem com o correr do tempo. A primeira reflexão resulta de uma constatação. Mesmo com a justificação de ser um ano de El Niño, as temperaturas do ar e do mar estão anormalmente elevadas. No caso do mar, entre fevereiro e março, atingiu-se a temperatura média global de 21,09ºC, a mais alta jamais registada desde que em 1979 passou a haver dados reportados no Programa Copernicus. 

Se a perspetiva parece assustadora é porque ela é verdadeiramente assustadora. Não pode haver qualquer hesitação, principalmente quando se tomam decisões sobre o caminho a seguir. Há que substituir as energias fósseis, há que reduzir o consumo que resulte em emissões e há que racionalizar o investimento. O cenário é tão imperativo que ignorar ou protelar não são opções viáveis, se queremos deixar um planeta minimamente habitável para os nossos filhos e netos. Exige-se ação. 

Resulta das palavras anteriores que o apelo não é tendente à redução do investimento ou ao abrandamento da economia. Antes pelo contrário, a alteração é urgente e necessita do mercado a agir corretamente. É aqui que a União Europeia pode continuar a cumprir um serviço extraordinário. Tal como a inspiração dos anos setenta e oitenta resultou na criação dos instrumentos legais e financeiros adequados à redução da poluição e à conservação da natureza (apenas a título de exemplo: a Diretiva das emissões industriais, a Diretiva sobre substâncias e preparações perigosas, a Diretiva-Quadro da água, as Diretivas aves e habitats e o Fundo LIFE) e, mais recentemente, todo o pacote legislativo e de apoio que resultou do Pacto Ecológico Europeu. Na Europa faz-se legislação que, muitas vezes, inspira os caminhos que outros seguem (a esse título, aconselho a leitura do “The Brussels Effect” de Anu Bradford). 

O Mar Europeu pode ajudar a cumprir a fase seguinte, a da ação. Mais do que criar estímulos, embora estes também sejam importantes, há que retirar barreiras aos investimentos que sejam claramente adequados do ponto de vista ambiental e agilizar os processos de licenciamento. Por exemplo, a produção de algas em ambiente marinho deveria ser já uma ampla realidade. Se queremos retirar Carbono da atmosfera e criar alimento de altíssima qualidade, a produção de algas é uma solução facilmente escalável e sem impactos colaterais evidentes. Não há muitas soluções que possam, em simultâneo, produzir riqueza, reduzir a quantidade de Carbono na atmosfera e aumentar a segurança alimentar. 

Com génese no Governo de Portugal, está a decorrer um leilão para a atribuição de licenças para a exploração eólica offshore. Do ponto de vista ambiental, trocar emissões por energia eólica parece uma solução também ganhadora. Evidentemente, como o Governo tem salientado, é preciso garantir que o resultado do leilão não se transforme numa fatura injusta para os cidadãos.

Na Bélgica, neste interregno entre o final da ação do anterior Governo e a nova tomada de posse, há, mesmo assim, muita atividade. Há projectos para uma ilha energética no Mar do Norte e projetos de construção de linhas de transporte de energia no mar. Está-se a preparar um leilão para novos parques eólicos a ser lançado no final do ano. Também se está a preparar um concurso para um projeto piloto de solar flutuante no mar! 

Para finalizar, enfatizo que seguimos com muita atenção o que está a ser feito pelas instituições europeias, pelos dois Governos, pela indústria e as posições tomadas pelas organizações de defesa do ambiente. Esperamos em breve estar em condições de avançar para a discussão entre todos numas novas Rotas da Economia Azul. Queremos contribuir para as soluções e sabemos que o Mar pode ajudar.


* Frederico Cardigos é vice-presidente da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa e é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 79: No mundo maravilhoso das energias alternativas domésticas

Para muitos açorianos o que vou escrever a seguir pode não ser novidade. De facto, com os apoios do Governo Regional para dispositivos de produção de energias limpas, possivelmente já terão instalado estes equipamentos. Não era o meu caso até há pouco tempo e, portanto, aqui partilho a minha experiência na Bélgica.

Depois de pensar, acabei por adquirir um conjunto de painéis solares, um inversor e uma bateria. Para a decisão muito contribuíram as inúmeras conversas que tive com as dezenas de pessoas que me tentaram vender equipamentos desde que tornei pública a intenção. O mercado das energias alternativas está ao rubro e o empenho dos vendedores é muito relevante.

Na minha opinião, há dois grupos de razões para investir em energias alternativas, sendo estes o grupo das questões económicas e o grupo das questões ambientais. A primeira lição que aprendi enquanto conversava com os vendedores e estudava o investimento a realizar é que há três itens particularmente importantes na componente económica: o investimento financeiro nos equipamentos e na instalação, o preço de injeção na rede da energia gerada em excesso e o apoio ao investimento. Ou seja, o valor economizado pelo facto de estarmos a consumir a energia que geramos pode não ser suficiente para justificar o investimento. Poupar 5 ou 6 euros por dia na energia consumida, um dia típico no centro da Europa, resulta em cerca de 2 mil euros por ano. Isto é, pode não ser suficiente para cobrir a curto prazo investimentos que ultrapassam a dezena de milhar de euros. Para que isso aconteça é necessário que o excesso de produção seja aceite e bem pago pela rede.

Na Bélgica, a energia produzida é aceite pela companhia de eletricidade, mas a um décimo do preço de aquisição. Repetindo, é necessário injetar 10 vezes mais do que se consome da rede para começar a ter lucro. De acordo com a minha experiência destes dias como “magnata da energia limpa”, como me chamam os meus amigos em exasperação pelo meu entusiasmo, é fastidioso atingir estes níveis. Portanto, resulta daqui que a prioridade é comprar o mínimo à rede.

Para evitar comprar à rede, o melhor é ter uma bateria a acumular energia durante o dia para usar à noite, quando não há Sol. Há sistemas sofisticadíssimos, que analisam o preço da energia na rede ao segundo e injetam ou compram conforme as micro oscilações do mercado. Tive a oportunidade de ver o sistema a funcionar e é extraordinário. Parece um mercado de bolsa ao vivo. Infelizmente, para recorrer a este tipo de serviço é preciso pagar a uma empresa intermediária e os valores não estavam ao meu alcance. Pena. No entanto, parece-me ser esse o futuro.

Portanto, como expliquei, o meu sistema disponibiliza e acumula energia durante o dia (haja Sol!) e, durante a noite, disponibiliza a energia limpa anteriormente acumulada. Funciona bem, mas a minha experiência limita-se a umas quantas semanas e durante o Verão… Funcionará no inverno?

Como falei com muitas pessoas e todas interessadas em vender os seus equipamentos, é um pouco difícil ter a certeza do que irá acontecer. No entanto, fazendo uma súmula generosa, irei ter uma produção no pico do Inverno que se aproximará de metade das minhas necessidades. Portanto, nada terei para vender à rede e ainda terei de comprar metade da energia que irei necessitar. Claro que este cenário me deixa insatisfeito e tenho exteriorizado essa insatisfação.

Nestas iterações acabei por identificar que há um moinho de vento doméstico de marca francesa capaz de produzir 9kW. Para terem uma ideia, bastaria que este moinho funcionasse a 100% durante uma hora para cobrir as minhas necessidades diárias em energia no inverno. Acresce que o investimento necessário é ridiculamente baixo em comparação com o que já fiz até aqui. Há dois obstáculos, no entanto. Por um lado, a legislação não é clara quanto à possibilidade de o utilizar e, também muito importante, não sei qual o ruído que produz. Não quero substituir um tipo de poluição (emissões de CO2) por outro (poluição sonora). Não seria justo para mim e para os meus vizinhos. Há que estudar mais e falar com quem sabe. Felizmente, encontrei um especialista na temática que me diz que, até Setembro, irá ter uma resposta para me dar. Ele próprio irá usar os tempos livres para estudar e testar o sistema e depois dará notícias. Estou em pulgas!

Como aqui na Bélgica (Flandres) já não há apoios financeiros ao investimento em energias alternativas domésticas e o preço de injeção de energia na rede é baixo, o meu investimento é negativo do ponto de vista económico. Poderão perguntar, então porque o faço? A resposta é simples: eu quero contribuir para deixar um mundo melhor para os meus filhos. Este é um esforço financeiro que faço com agrado.

Vejo os meus vizinhos entusiasmados com as suas piscinas com balanço ambiental duvidoso e fico contente por saber que os kW que saem da minha casa entram ali ao lado, nas casas deles, gerando o equilíbrio necessário para que a minha rua seja ainda mais verde.

É isto e é necessário.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 78: Os Açores, as Regiões Ultraperiféricas e o Parlamento Europeu

 

A utilização do vocábulo "ultraperiferia” no contexto daquilo que é hoje a União Europeia foi proposta por Mota Amaral, então Presidente do Governo dos Açores, durante uma reunião da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa (CRPM), em 1987. Pretendia-se encontrar um termo para designar um conjunto particular de regiões de Espanha, França e Portugal com características muito particulares. A importância e o sucesso foram imediatos e hoje as Regiões Ultraperiféricas (RUP) têm o seu estatuto definido no Tratado de Funcionamento da União Europeia.

De forma simplificada, no artigo 349º pode ler-se que dada a situação social e económica estrutural das RUP, agravada pelo grande afastamento, insularidade, pequena superfície, relevo e clima difíceis e pela sua dependência económica em relação a um pequeno número de produtos, fatores estes cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o seu desenvolvimento, as instituições europeias adotarão “medidas específicas”. Essas medidas incidem sobre as políticas aduaneira e comercial, a política fiscal, as zonas francas, as políticas nos domínios da agricultura e das pescas, as condições de aprovisionamento em matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, os auxílios estatais e as condições de acesso aos fundos estruturais e aos programas horizontais da União.

Ou seja, é este estatuto que atribui significado jurídico europeu específico à Região Autónoma dos Açores (e restantes RUP), materializando-se, por exemplo, em financiamentos dedicados dentro do FEDER, do Fundo Social Europeu, do Fundo de Coesão e do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA). Este estatuto permite também acesso agilizado noutros fundos, como Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), o Fundo Europeu para os Assuntos do Mar, Pescas e Aquicultura (FEAMPA), e incluindo os fundos competitivos, como é o caso do Programa LIFE.  Não é possível diminuir a relevância do estatuto de RUP.

Acontece que no último mandato, com o trágico falecimento do eurodeputado André Bradford, os Açores não tiveram qualquer representante autóctone. Valeu que outros eurodeputados (por exemplo, Isabel Estrada Carvalhais, Álvaro Amaro, Maria da Graça Carvalho, Manuel Pizarro, José Manuel Fernandes, Sandra Pereira e João Pimenta Lopes), os assessores do eurodeputado André Bradford que se mantiveram no Parlamento Europeu (Rogério Ferraz, Susana Mestre e Bruno Valério), a representação dos Açores em Bruxelas (João Lança), a representação da Federação Agrícola dos Açores em Bruxelas (Roberto Pacheco) e, nunca em último, o Comité das Regiões Europeu, liderado por Vasco Cordeiro, fizeram um trabalho exemplar. Sem minimizar a importância da representação direta, o facto é que os Açores não ficaram a perder na última legislatura. Eu testemunhei o empenho de todos e sinto-me grato. Evidentemente, caso pudéssemos ter contado com o saudoso André Bradford, ainda teríamos ultrapassado mais objetivos, mas, apesar de tudo, não correu mal.

Quase como um inesperado golpe de teatro, nestas eleições para o Parlamento Europeu foram eleitos diretamente três representantes oriundos dos Açores. São eles o até agora deputado regional André Franqueira Rodrigues, o até agora membro da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia e colaborador deste jornal, Paulo Nascimento Cabral, e Ana Vasconcelos Martins. A estes três ainda se juntou a terceirense emigrada nos Países Baixos, Catarina Vieira. Desta forma, haverá quatro açorianos no Parlamento Europeu. A fileira das RUP é engrossada por mais seis eurodeputados oriundos de outros territórios ultraperiféricos (Madeira, Canárias, Reunião e Guadalupe). Haverá assim, pela primeira vez, um grupo de dez representantes destas regiões remotas da UE. Os grupos políticos Popular Europeus (PPE), Socialistas e Democratas (S&D), Liberais (Renew), Identidade e Democracia (ID), Verdes e Esquerda (The Left) terão membros das RUP nas suas fileiras.

Com esta extensa comitiva a exigir o bom uso do artigo 349 do TFUE, apenas posso agourar o melhor para os Açores e para a Madeira nos próximos cinco anos. Faço votos de excelente trabalho e irei seguir com enorme curiosidade e entusiasmo!


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Crónicas do Voo do Cagarro - 77: Divagando sobre as eleições Europeias

Em dia de eleições para o Parlamento Europeu, dei por mim a tentar comparar as principais diferenças no processo eleitoral dos países da União. Há grandes contrastes, o que reforça o lema europeu “Unidos na diferença”.

Naturalmente, todos os países admitem o voto presencial, mas alguns acrescentam outras possibilidades como votar pelo correio, na embaixada ou consulado, por procuração ou por voto eletrónico. Apesar de muitos países terem voto eletrónico, como é o caso da Bélgica, apenas a Estónia permite votar à distância e antecipadamente com total liberdade. Desde 2005 que a Estónia permite este tipo de votação que, apesar da versatilidade, não é usado nos restantes países da União Europeia nestas eleições.

Há países em que se pode votar a partir do estrangeiro, a maioria, e outros países em que o voto apenas pode ser realizado no próprio território. Quatro países têm voto obrigatório. São eles a Bélgica, a Bulgária, a Grécia e o Luxemburgo.

A idade mínima para votar também é variável. Apesar de a maioria dos países apenas permitirem votar a partir dos 18 anos, há casos em que esse limite é os 17, Grécia, e mesmo os 16 anos, Alemanha, Áustria, Bélgica e Malta.

O método de seleção dos representantes para o Parlamento Europeu também muda muito de acordo com o país. Há países que têm limiares para a elegibilidade dos eleitos que variam entre 5%, 4%, 3%, 1,8% e o inexistente. Por exemplo, um partido que tenha menos de 5% não pode eleger deputados em nove países da União Europeia. Esse limiar não existe em Portugal e em outros 12 países.

Na Bélgica, Irlanda, Itália e Polónia há diversos círculos internos. Por exemplo, no caso da Bélgica o colégio flamengo elege 13 eurodeputados, o francófono elege 8 e o germanófono elege 1.

Há muitos países que têm voto preferencial. Ou seja, os cidadãos podem apontar precisamente quem desejam que os represente. Esta possibilidade tem diversas declinações. Por exemplo, na Bélgica a escolha preferencial é limitada à lista do partido escolhido enquanto no Luxemburgo pode-se optar por qualquer candidato de qualquer partido. O sistema mais complexo é o irlandês. Neste caso, hierarquizam-se as preferências e os votos são transferidos conforme a sequência de eleição. Ou seja, os votos não usados para a eleição do candidato número 1 passam para a segunda escolha expressa no boletim de voto e assim sucessivamente. São processos muito diferentes da lista fechada que usamos em Portugal.

Há países que aproveitam as eleições europeias para realizar outras eleições. É o caso da Bélgica. No Reino da Bélgica, ao mesmo tempo, decorrem as eleições nacionais e regionais. Apesar de ter sido apenas uma coincidência, na minha opinião, é uma boa opção. Em Portugal não fizemos assim. O resultado é que tivemos quatro eleições em momentos diferentes do mesmo ano (Europeias, República, Açores e Madeira). Na minha opinião, é um desperdício de tempo e recursos. Para além disso, caso as eleições fossem no mesmo dia, os impreterivelmente interessados numas eleições acabariam por votar num outro plebiscito. Isso, como sabemos, era particularmente importante para as eleições europeias, em que a mobilização costuma ser menos elevada. Outra vantagem em ter eleições no mesmo dia é que não há misturas nas intenções do votante e nas “interpretações” da sua vontade.

Uma das boas constatações destas eleições, no caso de Portugal, é que a introdução de facilidades informáticas tem sido apreciada pela generalidade dos eleitores. A possibilidade de votar antecipadamente e em mobilidade sem justificações ou burocracias é um óptimo passo. Excelente. Não quero minorar. Foi um bom passo. Mas, sem beliscar a boa iniciativa, é preciso mais. Temos de poder votar à distância, mesmo a partir de casa. Pagamos os impostos à distância, logo porque não votar à distância ou quando nos for mais conveniente? Implica mudar a lei eleitoral, como afirmou há poucos minutos o Sr. Presidente da República. Então, muda-se a lei eleitoral. Simples.


* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.