Nos últimos meses, com as mudanças resultantes das eleições nos governos de Portugal (já constituído) e da Bélgica (ainda por constituir) temos feito uma pausa involuntária na organização das Rotas da Economia Azul, um evento regular da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa (detalhes aqui). A democracia é uma prioridade e, por isso, com naturalidade e mesmo agrado, aguardamos a instalação dos novos responsáveis.
Isso não nos inibe de refletir sobre as tendências e prioridades que se oferecem com o correr do tempo. A primeira reflexão resulta de uma constatação. Mesmo com a justificação de ser um ano de El Niño, as temperaturas do ar e do mar estão anormalmente elevadas. No caso do mar, entre fevereiro e março, atingiu-se a temperatura média global de 21,09ºC, a mais alta jamais registada desde que em 1979 passou a haver dados reportados no Programa Copernicus.
Se a perspetiva parece assustadora é porque ela é verdadeiramente assustadora. Não pode haver qualquer hesitação, principalmente quando se tomam decisões sobre o caminho a seguir. Há que substituir as energias fósseis, há que reduzir o consumo que resulte em emissões e há que racionalizar o investimento. O cenário é tão imperativo que ignorar ou protelar não são opções viáveis, se queremos deixar um planeta minimamente habitável para os nossos filhos e netos. Exige-se ação.
Resulta das palavras anteriores que o apelo não é tendente à redução do investimento ou ao abrandamento da economia. Antes pelo contrário, a alteração é urgente e necessita do mercado a agir corretamente. É aqui que a União Europeia pode continuar a cumprir um serviço extraordinário. Tal como a inspiração dos anos setenta e oitenta resultou na criação dos instrumentos legais e financeiros adequados à redução da poluição e à conservação da natureza (apenas a título de exemplo: a Diretiva das emissões industriais, a Diretiva sobre substâncias e preparações perigosas, a Diretiva-Quadro da água, as Diretivas aves e habitats e o Fundo LIFE) e, mais recentemente, todo o pacote legislativo e de apoio que resultou do Pacto Ecológico Europeu. Na Europa faz-se legislação que, muitas vezes, inspira os caminhos que outros seguem (a esse título, aconselho a leitura do “The Brussels Effect” de Anu Bradford).
O Mar Europeu pode ajudar a cumprir a fase seguinte, a da ação. Mais do que criar estímulos, embora estes também sejam importantes, há que retirar barreiras aos investimentos que sejam claramente adequados do ponto de vista ambiental e agilizar os processos de licenciamento. Por exemplo, a produção de algas em ambiente marinho deveria ser já uma ampla realidade. Se queremos retirar Carbono da atmosfera e criar alimento de altíssima qualidade, a produção de algas é uma solução facilmente escalável e sem impactos colaterais evidentes. Não há muitas soluções que possam, em simultâneo, produzir riqueza, reduzir a quantidade de Carbono na atmosfera e aumentar a segurança alimentar.
Com génese no Governo de Portugal, está a decorrer um leilão para a atribuição de licenças para a exploração eólica offshore. Do ponto de vista ambiental, trocar emissões por energia eólica parece uma solução também ganhadora. Evidentemente, como o Governo tem salientado, é preciso garantir que o resultado do leilão não se transforme numa fatura injusta para os cidadãos.
Na Bélgica, neste interregno entre o final da ação do anterior Governo e a nova tomada de posse, há, mesmo assim, muita atividade. Há projectos para uma ilha energética no Mar do Norte e projetos de construção de linhas de transporte de energia no mar. Está-se a preparar um leilão para novos parques eólicos a ser lançado no final do ano. Também se está a preparar um concurso para um projeto piloto de solar flutuante no mar!
Para finalizar, enfatizo que seguimos com muita atenção o que está a ser feito pelas instituições europeias, pelos dois Governos, pela indústria e as posições tomadas pelas organizações de defesa do ambiente. Esperamos em breve estar em condições de avançar para a discussão entre todos numas novas Rotas da Economia Azul. Queremos contribuir para as soluções e sabemos que o Mar pode ajudar.
* Frederico Cardigos é vice-presidente da Câmara do Comércio Belgo-Portuguesa e é biólogo marinho no Eurostat. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da União Europeia.
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