A utilização do vocábulo
"ultraperiferia” no contexto daquilo que é hoje a União Europeia foi
proposta por Mota Amaral, então Presidente do Governo dos Açores, durante uma
reunião da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Europa (CRPM), em
1987. Pretendia-se encontrar um termo para designar um conjunto particular de
regiões de Espanha, França e Portugal com características muito particulares. A
importância e o sucesso foram imediatos e hoje as Regiões Ultraperiféricas
(RUP) têm o seu estatuto definido no Tratado de Funcionamento da União
Europeia.
De forma simplificada, no artigo
349º pode ler-se que dada a situação social e económica estrutural das RUP,
agravada pelo grande afastamento, insularidade, pequena superfície, relevo e
clima difíceis e pela sua dependência económica em relação a um pequeno número
de produtos, fatores estes cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente
o seu desenvolvimento, as instituições europeias adotarão “medidas
específicas”. Essas medidas incidem sobre as políticas aduaneira e comercial, a
política fiscal, as zonas francas, as políticas nos domínios da agricultura e
das pescas, as condições de aprovisionamento em matérias-primas e bens de
consumo de primeira necessidade, os auxílios estatais e as condições de acesso
aos fundos estruturais e aos programas horizontais da União.
Ou seja, é este estatuto que
atribui significado jurídico europeu específico à Região Autónoma dos Açores (e
restantes RUP), materializando-se, por exemplo, em financiamentos dedicados
dentro do FEDER, do Fundo Social Europeu, do Fundo de Coesão e do Fundo Europeu
de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA). Este estatuto permite também acesso
agilizado noutros fundos, como Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural
(FEADER), o Fundo Europeu para os Assuntos do Mar, Pescas e Aquicultura
(FEAMPA), e incluindo os fundos competitivos, como é o caso do Programa
LIFE. Não é possível diminuir a
relevância do estatuto de RUP.
Acontece que no último mandato,
com o trágico falecimento do eurodeputado André Bradford, os Açores não tiveram
qualquer representante autóctone. Valeu que outros eurodeputados (por exemplo,
Isabel Estrada Carvalhais, Álvaro Amaro, Maria da Graça Carvalho, Manuel
Pizarro, José Manuel Fernandes, Sandra Pereira e João Pimenta Lopes), os
assessores do eurodeputado André Bradford que se mantiveram no Parlamento
Europeu (Rogério Ferraz, Susana Mestre e Bruno Valério), a representação dos
Açores em Bruxelas (João Lança), a representação da Federação Agrícola dos
Açores em Bruxelas (Roberto Pacheco) e, nunca em último, o Comité das Regiões
Europeu, liderado por Vasco Cordeiro, fizeram um trabalho exemplar. Sem
minimizar a importância da representação direta, o facto é que os Açores não
ficaram a perder na última legislatura. Eu testemunhei o empenho de todos e
sinto-me grato. Evidentemente, caso pudéssemos ter contado com o saudoso André
Bradford, ainda teríamos ultrapassado mais objetivos, mas, apesar de tudo, não correu
mal.
Quase como um inesperado golpe de
teatro, nestas eleições para o Parlamento Europeu foram eleitos diretamente
três representantes oriundos dos Açores. São eles o até agora deputado regional
André Franqueira Rodrigues, o até agora membro da Representação Permanente de
Portugal junto da União Europeia e colaborador deste jornal, Paulo Nascimento
Cabral, e Ana Vasconcelos Martins. A estes três ainda se juntou a terceirense
emigrada nos Países Baixos, Catarina Vieira. Desta forma, haverá quatro
açorianos no Parlamento Europeu. A fileira das RUP é engrossada por mais seis
eurodeputados oriundos de outros territórios ultraperiféricos (Madeira,
Canárias, Reunião e Guadalupe). Haverá assim, pela primeira vez, um grupo de
dez representantes destas regiões remotas da UE. Os grupos políticos Popular
Europeus (PPE), Socialistas e Democratas (S&D), Liberais (Renew),
Identidade e Democracia (ID), Verdes e Esquerda (The Left) terão membros das
RUP nas suas fileiras.
Com esta extensa comitiva a
exigir o bom uso do artigo 349 do TFUE, apenas posso agourar o melhor para os
Açores e para a Madeira nos próximos cinco anos. Faço votos de excelente
trabalho e irei seguir com enorme curiosidade e entusiasmo!
* Frederico Cardigos é biólogo marinho no Eurostat. Este é um artigo de opinião pessoal. As ideias expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade do autor e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.
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