Que fique claro: considero que houve uma evolução positiva no conhecimento do património marinho, na consciência ambiental e esforços de conservação marinha em Portugal nos últimos nove anos, durante os quais foram publicados 100 números da Revista Mundo Submerso. Infelizmente, aquilo que os interessados no conhecimento e conservação do mar, como eu, gostariam que acontecesse, de facto, não evolui com a velocidade por nós desejada. Esta assincronia entre o nosso desejo e a realidade deixa-nos, por vezes, à beira do desespero e a interrogar-nos se vale a pena. Por isso, é bom fazer um balanço e chegar, como penso que facilmente se chega, à conclusão que o balanço é positivo e que vale a pena continuar o esforço.
Mas comecemos um pouco atrás. Aquando da revolução dos cravos, para a generalidade dos portugueses, o mar não passava da via que tinha ajudado no engrandecimento da nossa nação há meio milénio atrás e dava o alimento à comunidade piscatória. Não tenho dados estatisticamente válidos sobre este assunto, mas é a minha percepção. Evidentemente que o Rei D. Carlos já havia dado um primeiro grande passo na exploração dos mares e que o Aquário Vasco da Gama, que desde 1898 espevitava a curiosidade dos mais e menos jovens e, indirectamente, alertava para a necessidade da sua preservação. É muito pouco, admitamos, para um país com jurisdição sobre uma área marinha dezassete vezes maior que a área terrestre. Para o grande público, o mar continuava a ser, basicamente, um infinito caixote do lixo ou uma fonte inesgotável de recursos vivos.
Houve, entretanto, uma série de eventos no pós 25 de Abril que deram uma outra perspectiva sobre o ambiente em geral e o mar incluído. Nesse sentido, sou forçado a admitir que a televisão deu uma grande ajuda. “O Homem e a Terra” de Félix Rodriguez de La Fuente, os programas do António Hipólito, o Comandante Jacques Cousteau a bordo do Calypso e Alcyone e, mesmo, o Ilhas Vivas de José Serra e Ricardo Serrão Santos, transformaram significativamente, entre meados dos anos 70 e 90, a percepção que Portugal tinha sobre o mar, sobre o seu mar. O livro Fauna Submarina Atlântica do Professor Luiz Saldanha deu à generalidade do público a primeira oportunidade de conhecer os organismos que habitam as nossas águas. Eu comecei a dar nomes aos peixes por conversas com os pescadores, mas aquilo que aprendi sobre taxonomia e ecologia, antes de entrar na universidade, devo-o ao excelente manual do Professor Saldanha. Regularmente, o Jornal Notícias do Mar também dava informações sobre caça-submarina e mergulho com escafandro autónomo.
A meio dos anos 90, quando surgiu a Revista Mundo Submerso, começou também a haver um outro tipo de consciência sobre os mares. À compreensão da beleza e riqueza, juntou-se, para o cidadão comum, a informação sobre o seu valor, a sua complexidade e a sua sensibilidade. O mar passou a ser algo de que nos orgulhamos, mas com o qual temos de ter cuidados muito especiais. Para esta alteração de visão contribuiu muitíssimo a Expo’98. Não há dúvida que a exposição internacional, completamente dedicada ao gigante azul, teve o enorme mérito de gerar um conjunto de iniciativas que puseram Portugal a adorar o mar. Antes, durante e após a Expo’98, e sempre catapultados por esta exposição, nasceram programas de televisão, regatas internacionais, uma miríade de pequenas iniciativas e um enorme alerta para a necessidade de preservar e, em diversos casos, recuperar, os nossos mares. À volta da Expo’98, digo eu, nasceram, cresceram ou ganharam crédito diversos cursos de biologia-marinha e oceanografia. Antes da Expo havia cursos na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na Universidade do Algarve e no Instituto Abel Salazar. Hoje em dia quase todas as Universidades têm uma licenciatura ou mestrado nesta área. Um enorme salto.
Evidentemente que este salto, para quem gosta verdadeiramente de mar, sabe a muito pouco, muitíssimo pouco. Aqueles que sabem que ainda há poluentes a ser descarregados impunemente, que demasiadas pescarias prosseguem a níveis insustentáveis para os Mares e Oceanos, que o ordenamento costeiro continua a ser uma miragem e que as iniciativas de conservação marinha parecem sempre ser demasiado difíceis de implementar, consideram que Portugal continua a andar muito devagar. E com razão. No entanto, a verdade é que está melhor. Praticamente, já não se vêm esgotos a ser largados nas praias, as quotas pesqueiras estão na ordem do dia, as denúncias das más iniciativas na orla costeira costumam ser consequentes e já há algumas áreas marinhas protegidas. Em 9 anos, e 100 números de Mundo Submerso, Portugal tem-se reconciliado com o seu mar.
Por outro lado, ainda há sinais de uma perigosa apatia em relação aos recursos marinhos. Uma demagogia perigosa. Exemplifiquemos: Os dirigentes políticos continuam a considerar que a obtenção de quotas pesqueiras elevadas, ou tamanhos de primeira captura pequenos, é uma vitória para Portugal. Não faz sentido. É um tiro no pé a longo prazo. É necessário concretizar urgentemente as indicações científicas, incluindo essas e outras ferramentas de gestão.
Outro dos casos em que Portugal está a falhar é no Parque Natural da Arrábida. De facto, implementar um Parque Marinho é urgente, os próprios utilizadores (incluindo os pescadores) sabem disso. No entanto, tentar fazê-lo à sua revelia apenas pode ser justificado com razões científicas de extrema evidência. Os nossos dias não são compatíveis com restrições impostas “porque sim”. É necessário informar, explicar, expor, permitir a participação, e, um recado muito importante, é necessário saber ouvir, seguindo as sugestões construtivas de quem adora o salitre do mar e o vento na cara. Esses são os aliados e não os travões. No entanto, o “não, porque não”, como por vezes se ouve nas comunidades mais imobilistas, também não serve. Construir é um acto positivo no qual todos devem contribuir para um mundo melhor, esquecendo os seus mesquinhos benefícios resultantes da destruição do património ambiental.
É um país entre dois tempos. Entre o desespero de não vermos as opções a serem tomadas em função do bem, da justiça e da inteligência, mas sim, do facilitismo e populismo. Entre aquilo que é tão claro e aquilo que é possível. Entre o país que todos os anos destrói os seus recursos naturais (em terra e no mar) e o país que começa a perguntar “porquê?”. Parafraseando os Trovante estou cheio de “saudades de futuro”. No mar há apenas uma coisa infinita, a sua enorme capacidade de nos dar prazer. Às pessoas de bem resta continuar a fazer um esforço para que essa fonte se mantenha.
Publicado no âmbito da coluna Casa-Alugada