sexta-feira, 29 de julho de 2011

Missões Científicas

Porto da Horta com três navios de investigação.
Da esquerda para a direita, "Pourquois pas?", "Arquipélago" e "D. Carlos I".
Foto: F Cardigos SIARAM.

O facto de estarmos no Verão promove, evidentemente, o trabalho de campo ou de mar e será sempre um período com mais actividade científica in situ. No entanto, parece-me que este ano está a ser particularmente prolífico. Dou alguns exemplos.
Quando estive em Santa Maria, a participar na segunda parte da Missão M@rbis 2011 a bordo do Navio de Treino de Mar “Creoula”, encontrei a expedição científica de paleontologia da Universidade dos Açores. Ao chegar à Horta, no final da missão, para além do Navio de Investigação “Arquipélago”, que também tinha participado na M@rbis, encontrei os navios “Pourquois pas?” e “D. Carlos I”. Ainda nem tinha conseguido acabar de digerir tanta informação, já se anunciava a expedição, também da Universidade dos Açores, à Ilha de São Jorge. Ao mesmo tempo e em paralelo, decorrem os trabalhos no Banco Condor e outras iniciativas importantes, mas sem a mesma exposição mediática ou evidente visibilidade. É muita gente e é muita curiosidade.
Todos sabemos que os Açores estão na moda, mas esta curiosidade científica que tenta esmiuçar o passado (paleontologia), o presente e o futuro (meteorologia), desde os fundos abissais oceânicos das fontes hidrotermais de grande profundidade até à ponta mais elevada da Ilha do Pico, onde se medem os compostos atmosféricos de fundo, dá-nos uma ideia do nível de escrutínio a que o nosso arquipélago está a ser sujeito. Desde os nossos cetáceos, passando pelas plantas endémicas e até aves marinhas, tudo está a ser caracterizado, verificado e conjecturado. Desde as aproximações mais improváveis e fantasiosas, incluindo alegações de povoamentos pré-históricos, até aos mais quantitativos e lineares estudos de sismologia, há espaço para todas as abordagens nas nove ilhas deste singular arquipélago. Esta curiosidade já não é nova, mas não parece esmorecer e, impõe-se a pergunta: Porquê? Porque se quer saber tanto sobre os Açores?
Provavelmente, não há uma resposta única, mas uma das razões será, certamente, posicional ou, como os comentadores políticos preferem, geoestratégica. Pelo facto de se localizar entre continentes, estar a meio do Atlântico Norte e entre três placas tectónicas, bem que nos podemos de gabar de estar no centro do mundo! Por outro lado, começamos a ter um longo historial de expedições científicas e, como todos sabemos, mais do que dar uma resposta simples e finalizadora, a investigação lança habitualmente muitas novas perguntas. Para lhes responder, fazem-se novas expedições e, se tudo decorrer normalmente, perpetuam-se no tempo e no nosso espaço. Finalmente, neste meu micro resumo de razões, adiciono que há uns dias atrás um amigo referia-me que há aqui “pessoas e dinâmicas” que motivam a facilidade da investigação. Concordo.
Na perspectiva do Governo dos Açores, é um enorme conforto verificar toda esta curiosidade. Por um lado, o investimento realizado em investigação científica não é equivalente às nossas disponibilidades, tendo presentes equipas do mundo inteiro e a expensas próprias! Ilustrando, a verba de quatro dias de aluguer do “Pourquois pas?” equivale a um ano inteiro de financiamento do “Arquipélago”. Agora fazendo uma multiplicação simples, reparem que o “Porquois pas?”, o “Atalante”, o “D. Carlos I” e tantos outros estão nos Açores num total de dias equivalente a três meses por ano. É muito dinheiro! Mas, mais ainda, esta ampla iniciativa internacional é feita em parcerias com os investigadores locais o que resulta numa partilha de conhecimentos e instrumentação que os investigadores da Universidade dos Açores e outras unidades de pesquisa científica bem têm sabido aproveitar. Complementando, vivendo nós num regime em que a decisão assenta no conhecimento, pelo facto de haver muita e boa investigação, passamos a ter os dados necessários para que o futuro possa ser mais seguro e benéfico para a população açoriana.
Para que todas as peças assentem bem é necessário que deste conhecimento também resulte investimento privado. Este é dos passos mais complicados e que ainda não tem o reflexo que potencialmente alberga. Por exemplo, a embarcação que tem fundo de vidro e que está no porto da Horta usa os conhecimentos angariados pelo DOP para descrever os fundos marinhos. Isso faz sentido. Também faz sentido que o GeoParque dos Açores utilize os conhecimentos angariados pelo Departamento de Geociências da Universidade para mobilizar algumas iniciativas hoteleiras e de restauração. É fantástico que a interpretação dos trilhos pedestres dos Açores utilize informação sobre a flora natural estudada e divulgada pelo Departamento de Ciências Agrárias da Universidade. É tudo verdade, mas ainda sabe a pouco. Por um lado, as unidades de investigação terão de disponibilizar mais informação utilizável e, ao mesmo tempo, os empreendedores terão de colocar as perguntas certas e em tom de desafio aos investigadores que participam nestas missões. Eles irão responder, mas devemos provocá-los.
Quando estive em Santa Maria e tive a oportunidade de fazer uma breve visita à Pedra que Pica, fiquei absolutamente fascinado. Ao contemplar aqueles fósseis estava a olhar para organismos que estavam vivos há cerca de cinco milhões de anos. Mais do que ver conchas, estava a olhar, com respeito, para alguns dos primeiros organismos açorianos. Esta minha experiência tem de estar disponível para todos os açorianos e para quem nos visitar, mas, lá está, procuram-se os empreendedores que nos guiem na aventura do conhecimento e, já agora, do lucro!

domingo, 24 de julho de 2011

Missão M@rbis 2011

Apesar dos grandes peixes ainda estarem ausentes, já é possível ver no Dollabarat meros com porte apreciável. Foto: MA Santos SIARAM.

Decorreu de 15 a 18 de Julho a segunda parte da Expedição M@rbis 2011. Neste período em especial, foi explorado o complexo das Formigas e Dollabarat. Depois da Madeira (Desertas e Porto Santo), o NTM “Creoula” deslocou-se aos Açores, onde se juntou ao NI “Arquipélago” e a diversas equipas científicas regionais e elaboraram um dos mais intensivos e extensivos programas de pesquisa científica efetuados neste fascinante recanto do nosso arquipélago. Esta missão teve a organização da Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (EMAM) e colaboraram, na componente açoriana, o Governo dos Açores e o Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores.
A Expedição M@rbis, em termos gerais, é uma ação da EMAM e tem como principal propósito a recolha de informação georreferenciada e de alta qualidade sobre a presença de espécies e habitats nas águas portuguesas. A informação recolhida é depositada numa poderosa ferramenta informática, denominada também M@rbis, e estes dados servirão para responder a questões relacionadas com o acompanhamento da delimitação da Plataforma Continental de Portugal e a monitorização da Rede Natura 2000.
O complexo das Formigas e do Dollabarat já é estudado desde há muitos anos. O primeiro registo de que tenho conhecimento sobre a biologia destas Formigas especiais é dado pelos trabalhos do Padre Gaspar Frutuoso, em pleno século XVI, referindo a presença de lobos-marinhos nos ilhéus. Depois disso, pouco foi feito até que, com o advento da Universidade dos Açores, o Departamento de Biologia (DB) e o DOP puseram as mãos ao trabalho. Neste momento, há séries temporais de mais de uma dezena de anos com estudos detalhados sobre este extraordinário complexo. Foram estas informações que conduziram à classificação deste local como Reserva Natural no âmbito do Parque Natural de Santa Maria, Zona Especial de Conservação da Rede Natura 2000, Área Marinha Protegida dentro da Convenção OSPAR e zona Ramsar realçando o papel destas águas na preservação da vida selvagem.
Tendo em conta que estes trabalhos de rastreio, inventariação e monitorização já se realizam há diversos anos, impõe-se perguntar o que trouxe a missão deste ano de novo? A resposta é tão vasta que receio ser este espaço demasiado curto para tanta informação. Tentemos.
Primeiro que tudo, a presença do Navio de Treino de Mar “Creoula”, gerido pela Marinha Portuguesa, que, com mais de noventa pessoas a bordo, estabeleceu-se como uma plataforma privilegiada que serviu de base a duas dezenas de investigadores. A partir desta embarcação, quatro equipas de mergulhadores-cientistas inventariaram detalhadamente os organismos presentes nos Ilhéus. Os resultados não demoraram a começar a surpreender. Logo na primeira amostragem foi recolhida uma nova espécie, Phyllariopsis brevipes. Para além da espécie mais comum de lamina, há agora uma segunda espécie confirmada neste local. Para além dos trabalhos subaquáticos, alguns equipamentos utilizados a partir de bordo mediram radiância, condutividade e temperatura. Estes dados permitirão tentar identificar as razões para parte da singularidade deste local em comparação com o restante arquipélago.
Pela primeira vez, uma técnica da direção regional da Cultura, especializada em arqueologia náutica, também acompanhou os trabalhos nas Formigas. Pelos registos efetuados, foi possível associar alguns dos fragmentos presentes no mar dos Ilhéus ao infortunado navio “Olympia”. Era uma questão que subsistia e que permitirá clarificar outros mistérios no futuro.
A bordo do Navio de Investigação “Arquipélago”, investigadores do DOP e do DB, para além do “simples” rastreio de espécies, recuperaram e, depois de efetuada a manutenção, recolocaram equipamentos de registo oceanográfico e realizaram mergulhos com um “lander”. Este equipamento, dotado de duas câmaras de filmar, ilustrou os fundos marinhos até 1100 metros de profundidade. Ao contrário dos ROV (Veículos marinhos de Operação Remota), que têm mobilidade, o “lander” aterra num local e filma a atividade que circula em sua volta. Desde tubarões de profundidade até enormes caranguejos, há uma nova fauna na escuridão das Formigas que agora ficou registada.
A bordo das duas embarcações, representantes da administração, pessoal da Marinha, jornalistas, estudantes de diferentes níveis, mergulhadores de segurança e escuteiros marítimos completavam o leque de interessados que ajudaram a desvendar alguns dos mistérios deste local. Vários dias passados e tenho a sensação de ter estado a trabalhar com uma verdadeira equipa de luxo!
Em termos de conservação deste local, depois de somados todos os minutos de mergulho e outras atividades efetuadas, há dois factos que ressaltam. Por um lado, a atividade de pesca ilegal diminuiu nos últimos anos, provavelmente fruto de uma incisiva ação por parte da Autoridade Marítima, mas, por outro, ainda há visíveis consequências de um passado que eu classifico de criminoso. Por exemplo, um dos mergulhadores registou um congro com um anzol na boca… Lamentável. Mais grave, as Formigas e o Dollabarat ainda não têm os peixes de grande dimensão de outros tempos. Vai levar tempo, mas tenhamos paciência, contentando-nos com os peixes-cão, bicudas, tubarões, jamantas, com os organismos coloniais que parecem autênticas árvores subaquáticas, as anémonas e as lesmas-do-mar e, em breve, voltará o esplendor das enormes algas a “esvoaçar” ao sabor das ondas e marés por entre as quais voltaremos a ver os pachorrentos meros com dezenas de quilos. Apesar de ser uma Reserva, com a autorização dos serviços competentes é possível submergir neste fantástico local. Para a recuperação do anterior esplendor, é preciso tempo, respeito e paciência, mas, se seguirmos este caminho, dentro em breve, o banco de pesca Mar da Prata e as costas de Santa Maria e São Miguel poderão estar a beneficiar dos efeitos da proximidade a uma fantástica reserva e uma das mais valiosas preciosidades do arquipélago dos Açores.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Barbárie

Há uns dias atrás, houve um Chefe de Estado que autorizou que, sem julgamento, se matasse um ser humano. Dizem que ele resistiu à detenção, apesar de estar desarmado e escondido atrás de uma das esposas…
A pessoa em causa, alegadamente, é responsável por diversos atentados a nível mundial, que causaram milhares de mortos, provocando o caos e a desordem. Tudo isto é, provavelmente, verdade até porque a pessoa em causa sempre assumiu essa responsabilidade. E, no entanto, que direito tem um conjunto de estrangeiros de ir a um país estranho e, à revelia de qualquer lei, matar um cidadão desarmado?
Este é um assunto particularmente delicado para os norte-americanos e, por isso, fui falar com alguns deles. Obviamente, a minha interpelação não tem valor estatístico, mas, fiquei com a nítida sensação que os norte-americanos julgam que o seu país agiu bem, que um julgamento de Osama Bin Laden resultaria numa confusão que perpetuaria a dor de todos os que sofreram e que “ele mereceu”. Ao mesmo tempo, admitiram, compreendiam as reticências dos que achavam que o caminho deveria ter sido outro...
Na realidade, penso que os norte-americanos comuns estavam sequiosos de vingança. Sendo uma sociedade moldada pelo mediatismo televisivo e condicionados por métodos de governação baseados no medo, o poderem retaliar compensa a histeria colectiva em que vivem…
Na minha opinião, para que fique claro, eu considero que Osama Bin Laden era uma má pessoa. No entanto, era a mesma má pessoa que, alegadamente, negociou com os norte-americanos em anteriores cenários de guerra. Seria demasiado penoso descobrirem-se as verdades? Provavelmente, Bin Laden merecia uma pena exemplar. Quem sabe, merecia mesmo uma pena que não se pratica em Portugal. Mas, por muito mau que seja, era um ser humano, merecia um julgamento.
No final da segunda guerra mundial, os cabecilhas do poder nazi, culpadíssimos de actos absolutamente ignóbeis e injustificáveis, foram julgados. Puderam alinhavar uma defesa e apenas foram condenados por um tribunal tão neutro quanto, nessa época, era possível. Neste momento, em Haia, há diversos suspeitos de crimes gravíssimos a serem julgados ou a aguardar julgamento. Porque não fizeram o mesmo os norte-americanos? São mais sensíveis? Estão acima da lei?
Porque me preocupa que um país tão importante, um enorme mercado livre, em que vivem alguns dos melhores pensadores de sempre, com excelentes cientistas e com admiráveis líderes esteja a cair numa vulgaridade assíncrona com os tempos, aqui fica o meu testemunho. O comportamento exibido no caso de Osama Bin Laden está errado.
Para os norte-americanos que sentem que esta é uma vitória, penso que um dia compreenderão que não há glória quando não se respeitam os adversários. Matar um homem que está escondido atrás de uma das suas mulheres é um acto que apenas espelha cobardia por parte de quem o executa.
Por último, com este acto, na minha opinião, o Presidente dos Estados Unidos da América perdeu o élan que tinha ganho na Europa. Soubesse-se o que se sabe hoje e provavelmente Barack Obama nunca teria ganho o prémio Nobel da Paz. Em termos de influência moral sobre o resto do mundo, a grande potência perdeu anos com este acto muito mal pensado.
O mundo pode ter ficado mais seguro, mas ficou, certamente, mais injusto.