sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Solidariedade Ocidental


Vista do Corvo em direcção à costa Oriental das Flores.
Em primeiro plano vidália ou Azorina vidalii.
Em segundo plano, Porto Novo.
Foto: F Cardigos - SIARAM.


No início de Dezembro de 2010, a freguesia da Fajãzinha, na Ilha das Flores, foi fustigada por um violento temporal seguido de um assustador deslizamento de terras. Toda a área da povoação ficou coberta por um enorme lamaçal. Algumas casas ficaram inabitáveis, os espaços comuns deteriorados e as estradas destruídas. Apesar das perdas e do sobressalto, por sorte, este drama não atingiu proporções tão elevadas que colocasse em perigo vidas humanas.
Ainda durante a tempestade e logo que se determinou a magnitude do que estava em causa, diversas instituições fizeram o seu melhor para amenizar aquele que já se julgava ser um Natal perdido. Para além do Governo, das autarquias e das instituições ligadas à protecção civil, alguns grupos de privados puseram mãos à obra.
Na primeira linha, os vizinhos detentores da Aldeia da Cuada, a Sra. Teotónia e o Sr. Carlos Silva, abriram as portas da sua unidade hoteleira para receberem quem necessitasse. E necessitavam… Ainda na ilha das Flores, uma associação informal de donos de moto 4, conhecida como Kanadas & Kaminhos, ofereceu-se para transportar o que fosse necessário para a Fajãzinha. E era necessário. Chamo a atenção para estes dois privados porque não eram obrigados a oferecer os seus préstimos, mas, mesmo assim, avançaram e ajudaram quem necessitava de ajuda.
Na vizinha ilha do Corvo, um jovem chamado Marco Silva, ao perceber que poderia ajudar, colocou mãos à obra. Primeiro sozinho, depois com a Associação de Jovens da Ilha do Corvo, dinamizou uma página do Facebook que rapidamente angariou, entre abnegados leilões ou simples dádivas, vários milhares de euros que foram transferidos para a conta da Junta de Freguesia da Fajãzinha. Este dinheiro foi convertido em bens necessários e, pensou-se, teria ajudado.
Vem isto a propósito de há duas semanas ter decorrido na Ilha do Corvo a sua festa anual de maior importância, a Festa de Nossa Senhora dos Milagres (onde se inclui o Festival dos Moinhos). A convite da organização, juntou-se à festa a Banda Filarmónica da Fajãzinha. Quando já estavam no Corvo, em cima do palco, confessaram que tinham acabado de tocar ao final da tarde na Ilha vizinha, no Lajido, e que teriam de regressar novamente logo ao início da manhã, portanto, uma autêntica visita de médico efectuada por meia centena de pessoas. No entanto, adiantou o maestro, jamais poderiam dizer não a quem tanto os tinha “ajudado num momento de necessidade”. A resposta ali estava! Eles tinham necessitado, os corvinos e seus amigos tinham ajudado e isso estava, precisamente ali, a ser reconhecido em cima de um palco, na mais importante festividade do Corvo e para todos ouvirem.
Quase um ano depois, pude apertar a mão do meu amigo Marco e dizer-lhe nos olhos, “tu fizeste uma coisa bonita e eles não esqueceram”. Ele respondeu com a modéstia que o caracteriza, mas para a história ficará que os corvinos ajudaram quem necessitava e quem necessitava não esqueceu.
Mouzinho da Silveira foi um dos mais importantes estadistas do século XIX de Portugal. Com enorme deferência, sobre os habitantes da mais pequena ilha dos Açores, mencionou no seu testamento que gostaria “de estar cercado, quando morto, de gente que na minha vida se atreveu a ser agradecida”. Apesar da crise de valores em que vivemos e que, por vezes, nos faz perder a esperança de ultrapassar as menores dificuldades, que excepcional exemplo nos chega dos herdeiros do Grupo Ocidental!

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Ambiente Faialense

Extensão do Jardim Botânico do Faial.
Foto: F Cardigos SIARAM

No outro dia, li algures que era possível caracterizar o trabalho recente do sector do Ambiente na Ilha do Faial com uma bandeira azul e um aquário virtual… É obra conseguir esquecer as intervenções no Jardim Botânico, que, para além da ampliação do espaço, incluiu a construção do orquidário, a criação do “Herbário Eng. Ilídio Botelho Gonçalves” e a manutenção de um banco de sementes da flora endémica dos Açores, mas esqueceu-se também da recuperação da Casa dos Cantoneiros, a recuperação do Miradouro dos Dabney e cinco outros sítios de contemplação, a construção de um centro de observação de aves nos charcos de Pedro Miguel, a implementação de uma pista de BTT no Parque Natural do Faial, a criação da rota “Parque a Cavalo”, a limitação do perímetro da Caldeira e a publicação da respectiva regulamentação oficial, a consolidação do funcionamento do Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos e, já em construção, a recuperação da Casa dos Dabney na Praia de Porto Pim. Apenas “paliativos”, alguém disse…
Como é possível ignorar a recuperação de muitas áreas até há pouco tempo ocupadas por flora invasora, a concepção ou recuperação de sete trilhos pedestres, incluindo o Trilho dos Dez Vulcões, a publicação de um Guia interpretativo para todo o Parque Natural do Faial, o desenvolvimento de um curso de guias especializados em ambiente em parceria com a Escola Profissional da Horta, a criação e dinamização do selo de “Parceiro do Parque Natural”, a dinamização de uma newsletter periódica e a organização do Simpósio da Associação Ibero-Macaronésica dos Jardins Botânicos? Como ficou esquecido que, nos intervalos, ainda se conseguiu obter a representação de Portugal nos prémios EDEN (European Destinations of Excelence Network) e o galardão QualityCoast e, já agora, a colaboração na entrada da Horta nas Mais Belas Baías do Mundo (com a respectiva vénia à Câmara Municipal da Horta)?
É necessário estar distraído com qualquer coisa muito importante para tentar apagar todo este resultado numas lacónicas palavras e atropelar o magnífico trabalho feito por esta extraordinária equipa. Para que não fiquem quaisquer dúvidas, tudo o que referi atrás é o resultado do trabalho de um empenhado conjunto de profissionais com sede na Secretaria Regional do Ambiente e do Mar.
Ao mesmo tempo, esta mesma equipa, projectou o Centro de Resíduos do Faial e criou a Direcção Regional dos Assuntos do Mar, para gerir a orla costeira e o vasto Mar dos Açores, e a Entidade Reguladora de Serviços de Águas e Resíduos. Ambas as entidades têm sede na Ilha do Faial. Como se fosse pouco, esta mesma equipa propôs o diploma que dará corpo o Parque Marinho dos Açores e aí indicou como sede a cidade da Horta. Garanto-vos que é muito e bom trabalho e também pela Ilha do Faial!
Em relação ao Aquário Virtual e para que não se pense que estou a fugir a seja o que for, relembro que, antecipando que seria necessário adequar o investimento a uma nova realidade financeira, abandonamos o anterior projecto. Sinceramente, o que seria admissível? Insistir num investimento milionário ou fomentar uma aproximação reprodutiva e congruente com as actuais possibilidades? Obviamente, o segundo. Bafejados pela sorte, foi-nos proposto por um conjunto de jovens empreendedores locais de sucesso que fizéssemos uma enorme alteração no projecto. Estamos a trabalhar nisso e, em breve, teremos implementada uma solução imaginativa e que fomentará mais uma actividade na nossa ilha.
Mas mesmo que o projecto do Aquário Virtual corresse mal, e não está fora de hipótese que corra, seria admissível tentar julgar o trabalho feito no ambiente faialense com base nesse único facto? Pelos vistos, para algumas pessoas, o ambiente faialense resumir-se-á sempre ao que não conseguem ver. Nada a fazer…
Seria possível fazer melhor? É sempre possível fazer melhor, especialmente para quem, na bancada, se limita a ver o corso passar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Açores, terra de mares


Aspecto de um coral-negro.

Quando nos detemos a pensar como caracterizar o mar dos Açores, o primeiro problema é a própria definição do que seja o Mar dos Açores. Até há pouco tempo, o mar era a faixa costeira que conseguimos ver de cada uma das ilhas, muito utilizada para pesca e lazer, e os autênticos corredores percorridos pelas embarcações de transporte de pessoas e mercadorias.
Apenas os melhores pescadores ousavam pensar na tridimensionalidade das massas de água e nas variações temporais das suas características. Fosse por questões de segurança ou por questões de abundância de uma determinada espécie, os profissionais da pesca equacionavam as temperaturas da água, as correntes dominantes e a geometria dos fundos.
O advento das grandes expedições oceanográficas do final do século XIX e início do século XX alargou o pensamento sobre os mares que rodeiam as nossas nove ilhas. Principalmente as expedições dirigidas pelo Príncipe Alberto do Mónaco, tanto pela abrangência, duração, intensidade, como pela dedicação e inter-relação com a sociedade açoriana, destacam-se em termos de consequência e de perenidade. Os açorianos conhecem e beneficiaram dos observatórios meteorológicos construídos por iniciativa e impulso do Príncipe. Mas os mais de cem volumes de relatórios da estadia de uma enorme equipa concentram-se nos oceanos que rodeiam os Açores. Apenas para ilustrar numericamente, nunca houve um conjunto de expedições que registasse tantas espécies (cerca de duas mil) no mar dos Açores como esta centenária iniciativa. O nosso nível de ignorância era tão elevado que desconhecíamos bancos de pesca tão importantes como o hoje chamado Princesa Alice. Esta antiga ilha jaz a 35 metros de profundidade e é um dos locais dos Açores em que há maior probabilidade de ver jamantas em mergulho com escafandro autónomo.
O nome “Princesa Alice” foi herdado do navio de investigação monegasco que o identificou originalmente. Dois factos foram quase de imediato realçados pela equipa científica. Primeiro, que era um local cheio de pescado e, segundo, que, poucos anos após a sua descoberta, já tinha visto a sua riqueza extraordinariamente reduzida. Poucos anos de exploração piscícola desordenada condenaram o espaço a uma nítida exploração, bem registada também nessa época. Penso que terá sido o primeiro registo de severa exploração no mar dos Açores. Em terra, muitos anos antes, já o Padre Gaspar Frutuoso fizera alusões ao decrescimento de diversas populações de plantas e animais como consequência da acção humana. O estranho é que, durante séculos, nunca resultou desta constatação qualquer movimentação tendente a gerir os recursos marinhos ou a defender a riqueza biológica.
Apesar de algumas iniciativas pontuais meritórias, as expedições oriundas do Principado apenas tiveram verdadeiros herdeiros quando nasceu a Universidade dos Açores. Tanto do ponto de vista da biologia como da geologia, o mar, os fundos marinhos e, mais recentemente, os sub-fundos começaram a ser verdadeiramente prospectados. O esforço que as equipas de investigação dos departamentos da Universidade têm feito em conjunto com os parceiros que foram identificando a nível nacional e internacional, resultam num conhecimento dos mares que ocupa tendencialmente todos os meios, habitats e espécies. Esta aventura do conhecimento tem demonstrado interessantes resultados que integram diferentes ciências e explicam alguns dos mais inesperados fenómenos do planeta Terra. Nesta busca pela verdade, merece particular destaque o estudo das fontes hidrotermais de grande profundidade, locais sem luz, com pressões dificilmente imagináveis, com variações de temperatura de dezenas de graus em poucos centímetros e com elevadas densidades de compostos químicos, para nós, letais. Estes compostos, normalmente limitadores da vida, são precisamente o que aqui a alimenta. Bactérias especializadas medeiam a síntese de matéria orgânica e consubstanciam a base de uma cadeia trófica totalmente desconhecida até ao final dos anos 70.
É, portanto, envolvidos nesta profusão de conhecimento que os açorianos vão perscrutando novas oportunidades e vislumbrando caminhos que, como numa aventura, arriscam seguir. É nesta senda que ganhámos inesperadas competências, como seja a gestão de quatro áreas marinhas para lá da zona económica exclusiva. Apenas uma destas áreas tem mais de 93 mil quilómetros quadrados e, para os países signatários da convenção OSPAR, somos nós os responsáveis pela sua gestão, incluindo o licenciamento das eventuais operações que se realizarem sobre os seus fundos. Temas como a prospeção mineralógica, investigação científica, tecnologia azul e turismo marinho do alto são expressões que começam a entrar no léxico quotidiano com uma assustadora velocidade.
Balizando ambientalmente estas responsabilidades e colocando fronteiras em relação à utilização, desenvolveu-se uma rede de áreas classificadas ou de elevada importância dos mares dos Açores integrando-a no Parque Marinho dos Açores. Para além das classificações OSPAR, ficaram sob este instrumento de gestão as áreas classificadas ou potencialmente a classificar ao abrigo das Directivas Aves e Habitats.
Com fundamento, há críticas quanto a este elevar de área e competências, apontando uma certa incapacidade de fiscalização. É certo. Fazer fiscalização tradicional no mar dos Açores é o mesmo que, ilustrando, ter um autocarro a percorrer todo o Portugal continental. Impossível. Mas a magnitude do problema é muito mais elevada se pensarmos que a ZEE que rodeia os Açores tem 10 vezes mais área que o Continente e uma corveta se desloca habitualmente a um quinto da velocidade de um autocarro. Para fazer, com os métodos tradicionais, a fiscalização dos Açores precisaríamos de meia centena de corvetas. Como isso é impraticável, teremos de pensar de uma forma bem diferente. Urge utilizar utensílios de deteção remota, associados aos satélites, apostar nos sistemas VTS e AIS e utilizar outras ferramentas imaginativas como fontes de monitorização ambiental e observação situacional. Assim, sem grande esforço, mas com uma enorme organização, poderemos facilmente exercer uma fiscalização apropriada da nossa própria casa.
Libertámo-nos dos mares costeiros e dos corredores de transportes. Hoje, o Mar dos Açores está em transição entre o quase um milhão de quilómetros quadrados da zona económica exclusiva e os mais de dois milhões que resultarão da provável delimitação da plataforma continental. No entanto, esta metamorfose terá de ser acompanhada pelo empreendorismo necessário a uma exploração séria e uma aproximação precaucionária e responsável, inerente a uma utilização sustentável. O Mar dos Açores cresceu, está mais conhecido e é mais útil, mas teremos de fazer um esforço para que a abrangência de utilizações se alargue a todos os novos temas. Este mar de responsabilidades e oportunidades precisa de coragem, valentia, bravura e inteligência. Felizmente, são todas características bem açorianas!