sexta-feira, 24 de maio de 2019

Crónicas de Bruxelas: 44 - A Europa e Portugal em Véspera de Eleições


"A partir da Quinta de São Pedro, olho para os Açores e contemplo esta nossa Europa"
Foto: F Cardigos

Escrevo estas linhas na ilha de São Jorge, de fronte para o Pico e Faial. No coração do Triângulo, a partir da Quinta de São Pedro, olho para os Açores e contemplo esta nossa Europa.
Início esta pequena reflexão frisando que considero que na Europa Ocidental se vive, em termos médios, muito melhor do que no resto do mundo. Este é um facto que não me merece discussão, mas merece justificação, para os que tiverem dúvidas.
Parece-me indiscutível que se vive melhor na Europa Ocidental do que noutros locais por múltiplas razões, mas irei apenas destacar três: liberdade de expressão na imprensa, direitos legais das mulheres e qualidade ambiental.
Na Europa há liberdade de expressão e essa pode ser medida de diversas formas. Por exemplo, recentemente, já em 2019, os Repórteres Sem Fronteiras publicaram o seu índice de liberdade de expressão na imprensa e, lá estão, os países europeus nos primeiros lugares. Nos dez primeiros estão 7 países europeus. A diferença para a Europa Oriental está patente e percebe-se, atendendo ao crescimento dos extremismos de direita e dos regimes intolerantes. Polónia e Hungria ocupam posições muito pouco honrosas o que ajuda a justificar a minha decisão de separação entre a Europa Ocidental e Oriental.
De acordo com o Banco Mundial, apenas 6 países respeitam da mesma forma homens e mulheres do ponto de vista legal. São eles, Bélgica, Dinamarca, França, Letónia, Luxemburgo e Suécia. Sem surpresa, todos da Europa Ocidental, com exceção da Letónia.
Em termos de poluição, é certo que nem tudo é perfeito na Europa Ocidental. Por exemplo, sabemos que a poluição atmosférica é maior em Londres, Paris e Bruxelas do que noutras geografias. Sabemos disso e lutamos ativamente para a reduzir, abdicando progressivamente das viaturas mais poluentes no centro das cidades e coartando o espaço ao diesel, entre outras medidas de promoção de soluções ambientalmente satisfatórias.
Ao reduzir o uso do plástico descartável, a União Europeia apontou caminhos que outros tentam seguir, da mesmíssima forma como já o tinha feito ao nível da qualidade da água e do ar. Num encontro internacional em que estive há dois anos atrás, as autoridades turcas admitiam que usavam os indicadores e limites das diretivas europeias relativas à qualidade ambiental. Na Turquia não havia transposição ou legislação própria, apenas o uso direto da legislação europeia. Penso que é um sinal muito evidente de confiança no combate em prol do ambiente que se faz na União Europeia.
Nos dois primeiros itens que refiro neste texto (liberdade de expressão na imprensa, direitos legais das mulheres), Portugal ocupa a décima segunda posição. É um bom posicionamento, claro, mas que, como todos sabemos, ainda não nos pode deixar satisfeitos. Deve fazer-nos sentir orgulhosos e imbuídos da responsabilidade de quem aponta o caminho.
Em relação aos plásticos de uso único, não tenho dúvidas que faremos rapidamente a transposição da Diretiva europeia, mal esta seja publicada. Para além dos governos portugueses serem “bons alunos”, temos uma opinião pública, particularmente os mais jovens, que exige medidas rápidas e consequentes a nível ambiental.
Usei os temas mencionados atrás para provar que se vive melhor na Europa Ocidental do que no resto do mundo. Este conforto tem um preço. Exige que haja uma regulamentação mais exigente e uma fiscalização permanente, que não dê espaço ou tempo a excessos ou falcatruas. Para proteger os valores que mencionei atrás e outros é necessário um trabalho constante.
Olho para outras geografias e tento compreender quais são as mais-valias da Europa Ocidental que nos garantem a manutenção destes valores. Encontro um conjunto de elementos que me parecem ser importantes: a União Europeia, que garante a ação conjunta e a regulamentação, a NATO, para garantir a paz, o euro, para garantir a estabilidade económica e financeira, a tolerância, para que todos tenham espaço para expressarem as suas convicções em liberdade, e a educação, que desenvolva a cultura, a competência e valores tais como a exigência, a honestidade, a integridade, o respeito pela lei e por um sistema de justiça independente e a verdade escorreita e transparente. São estes os ingredientes que construíram a Europa Ocidental no pós-guerra e, na minha opinião, devem continuar a ser prioridades. Ou seja, para mim, qualquer aventura político-partidária que saia destas premissas não terá o meu apoio.

Informação adicional:

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Crónicas de Bruxelas: 43 - Quem tem medo da democracia?


A casa da democracia europeia, o Parlamento Europeu em Estrasburgo.
Por F. Cardigos 


Ultimamente, temos sido confrontados com resultados de plebiscitos que levantam algumas dúvidas relativamente aos nossos mecanismos democráticos, particularmente quanto à consulta direta dos cidadãos. A vitória da intolerância, do populismo e do isolacionismo que foram expressos nas eleições norte-americanas, do lado de lá do Atlântico, e na Turquia, Hungria e Polónia, deste nosso lado, e, claro está, o Brexit demonstram que há necessariamente que refletir o processo democrático.
Neste artigo, não irei discutir a justiça dos resultados ou o mérito dos concorrentes, mas apenas a introdução de ferramentas que possam reforçar a democracia. Esta minha reflexão, apesar de defender alguns pontos de vista, não me encerra neles próprios. É uma reflexão e isso significa que é um processo em curso, até para mim próprio, passe o pleonasmo.
Quando analisamos o resultado de cada uma das eleições mencionadas atrás, verificamos que, por trás, há uma qualquer particular disfunção. Por exemplo, nos Estados Unidos da América jamais o Presidente Trump teria ganho as eleições se cada voto contasse o mesmo. Isto porque, segundo o sistema utilizado, o vencedor de cada Estado, com exceção do Maine e do Nebraska, tem direito a todos os votos (the winner takes it all). Apenas para dar uma ideia, caso houvesse uma democracia de um ser humano um voto, teríamos tido o Presidente Al Gore e a Presidente Hillary Clinton. Assim não foi. O voto de um republicano da Califórnia ou o voto de um democrata do Texas deveria contar igualmente para a eleição do Presidente dos Estados Unidos, mas, na realidade, não é bem assim. Portanto, ponto 1, para a eleição dos Presidentes, cada cidadão deveria contar um voto.
Tanto nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América como no Brexit muito se falou da interferência russa. Fosse esta concretizada através das notícias falsas (fake news), de apoios a determinados candidatos ou pontos de vista ou de interferência no sistema eletrónico de contabilização de votos, houve, de facto, uma enorme desconfiança. Há, portanto, que munir o sistema judicial de instrumentos financeiros e legais para detetar e punir quem disseminar notícias falsas, quem der apoios ilegais ou quem tente atentar contra a cibersegurança. No antigo bloco de leste, os regimes populistas que começam a grassar nalguns países são também, em parte, resultado das notícias falsas propagadas pelos próprios governos. A Comissão Europeia tem estado a reagir, mas, eventualmente, já vai tarde. No caso da Polónia, a situação já é tão grave que o governo está a tentar interferir diretamente no sistema judicial, um crime contra o Estado de Direito e, se o conseguirem concretizar, fatal para a democracia.
Outro ponto que me parece interessante estudar é a abstenção. Não seria um problema se a abstenção tivesse uma distribuição homogénea no espectro social. No entanto, estou convencido que os votantes muito descontentes são mais facilmente mobilizáveis para votar e estes são, também, os mais facilmente atraídos pelos discursos extremistas. O descontentamento com a sua situação ou com a classe política motiva as “franjas” da sociedade que consideram que as soluções radicais podem ser os elementos necessários para se chegar a uma sociedade mais justa e equitativa. Não ceio que assim seja, e, portanto, parece-me, é essencial que os moderados voltem às urnas. Alguns países, como a Grécia e Bélgica resolveram esse assunto com o voto obrigatório. De facto, se somos obrigados a pagar impostos, e bem, porque não somos obrigados a contribuir para a identificação dos nossos governantes? O que é mais importante? Contribuir para o sistema pagando os impostos ou decidir quem os vai gerir?! Se não gostarmos de qualquer das propostas que nos são apresentadas, podemos sempre votar em branco, mas nem sequer ir às urnas?! Não me faz qualquer sentido. Penso que, no caso do Brexit, se todos os cidadãos britânicos tivessem votado, o resultado teria sido outro.
Por fim, a questão do acumular das eleições. Em Portugal, há sempre datas diferentes para as eleições presidenciais, europeias, legislativas, regionais e autárquicas. Já na Bélgica, as próximas eleições europeias serão acumuladas com as federais (equivalentes às nossas legislativas) e regionais. Eu compreendo que ambos os sistemas têm vantagens, mas defendo que deveria prevalecer a acumulação de eleições numa mesma data. Aponto como vantagens, por um lado, o combate à abstenção, porque as pessoas tendem a votar mais para as legislativas e menos para as europeias, e, por outro, o desentrelaçar do voto de penalização. Em Portugal, as pessoas votam para as europeias não tendo em conta as questões verdadeiramente da Europa, mas sim para promover ou penalizar o governo da República ou Regional, esquecendo-se que não são essas as eleições que estão em questão. Se, no mesmo dia, tomassem decisões relativas a cada nível de decisão, este factor de “transferência” ficaria grandemente atenuado.
Há outros instrumentos que deveriam ser equacionados, como o voto à distância pela internet e um maior investimento na componente informativa das campanhas. É inacreditável que as pessoas conheçam minimente as pessoas por quem vão votar, mas desconheçam os respetivos programas. Se eu perguntar quem conhece o programa proposto pelo partido em quem vão votar, quantas pessoas poderão responder com honestidade que o conhecem?! Talvez uma medida ou outra mais popular, mas de resto… tenho grandes dúvidas.
A democracia é o melhor dos métodos para nos governar. No entanto, ela não está fechada numa redoma. Pode ser manipulada e pode ser melhorada. Apenas com reflexão e discussão poderemos chegar mais longe e fazer melhor. Aqui deixo o meu ponto de partida.


Notas:

quinta-feira, 2 de maio de 2019

O futuro nos Açores tem tons de azul marinho


Navio de Investigação "Arquipélago",
uma peça fundamental para estudar o Mar dos Açores.
Foto: F Cardigos

A vida levou-me a trabalhar em Bruxelas, junto das instituições europeias. Apesar de, na maior parte do tempo, observar de longe o que se passa nos Açores, até por inerência das minhas funções, olho para as ilhas com enorme atenção. Talvez esta distância me tire um pouco da paixão da discussão do momento e da emoção do envolvimento na argumentação, o que lamento, mas dá-me o tempo para pensar e relacionar com o que de bom e de mau se vai fazendo noutras geografias da Europa e que confluem em Bruxelas.
Ao mesmo tempo, por defeito de formação, sigo com enorme atenção os temas relacionados com o mar. Para além de ser licenciado em biologia marinha, sempre me dediquei profissional e emocionalmente aos assuntos do mar. Mergulho, nado, navego, adoro comer bom peixe e outros produtos do mar e, quando nos Açores, vivo com vista para o mar e detenho a audição nas ondas que batem contra os rochedos.
Não se pode amar o que não se conhece e dificilmente se justifica a conservação do que não tem utilidade. Por isso, compreendo que para gostar e proteger o mar é necessário conhece-lo ou usá-lo ou, preferencialmente, ambos.
Apenas compreendo o desenvolvimento da economia do mar com base no investimento e resultados privados. Ao sector público compete acompanhar, regular, estimular e, em casos excecionais, liderar, mas o investimento deve ser privado. Se um pequeno investimento não for privado é porque, possivelmente, não tem razão de ser. O protagonismo do investimento apenas deve fugir aos privados nas grandes obras ou nos setores estratégicos com volumetrias não facilmente assimiláveis pelas empresas. São os casos dos portos, dos transportes marítimos de passageiros e do sector educativo, no caso dos Açores. No que ao resto diz respeito, atuem os privados!
Pode dizer-se, e é verdade, que o sector privado marinho nos Açores ainda tem pouco peso e que este está razoavelmente dependente dos fundos europeus postos à disposição pelo Governo Regional. Em termos históricos isto foi importante para estimular o aparecimento do investimento privado, não sendo menos verdade que este aconchego continua a ser essencial para reduzir o risco associado aos investimentos no oceano. Ou seja, entre aplicar as reservas financeiras privadas no mar de uma região ultraperiférica da Europa ou no continente, onde a proximidade ao mercado tudo simplifica, dificilmente um privado apontará às ilhas a não ser que haja um estímulo adicional. Este estímulo pode ser emocional, pelos que se apaixonam pelos Açores ou que aqui têm relações familiares, ou económico. É aqui, no estímulo económico, que entra o apoio do Governo, criando programas para os que optam pelo território insular.
É difícil traçar a linha que define o limite do estímulo financeiro. Por exemplo, poderíamos pensar em estímulos equivalentes a 100% do investimento. Isso facilitaria certamente a celeridade do investimento, mas permitiria uma total desresponsabilização do investidor.
Pelo que vou verificando, no investimento privado marinho nos Açores há quase sempre três componentes: capitais próprios, empréstimos bancários e estímulo das entidades públicas. Já o balanço entre os três é muitíssimo variável.
A Economia Azul é o conjunto de atividades com intuito lucrativo, realizadas em meio marinho e enquadrados pelo desenvolvimento sustentável (ações que respeitem e não hierarquizem o ambiente, a economia e a sociedade). Nos Açores, na minha opinião, a economia azul tem ainda um valor residual comparado com o potencial existente. Para além das atividades monitorizadas pelo Barómetro PwC da Economia do Mar, e que tem apontado resultados razoavelmente positivos, há setores ainda inexplorados ou ainda com elevado potencial de crescimento. De entre os que não oferecem grandes resistências ambientais a priori, destaco pela sua diversidade tipológica a produção de energia com origem marinha, a exploração biotecnológica, a aquicultura, a mediação jurídica para o sector marítimo, o cinema e divulgação televisiva e a construção e reparação naval, entre muitos outros. São muitas e muito contrastadas as atividades que me ocorrem ao correr da pena. Sendo arrojado, porque, de facto, não se sabe se terá viabilidade ambiental, a exploração de minerais no mar profundo parece ser uma atividade adicional com interesse económico. Para estas e outras atividades marinhas há estímulos disponíveis e estes, aparentemente, ir-se-ão manter no futuro, de acordo com a tendência apontada pelas negociações nas instituições europeias para o próximo quadro comunitário de apoio.
A pesca e o turismo são atividades com evidente interesse e lugar no mar do arquipélago dos Açores. No entanto, porque são atividades já consolidadas, é essencial acompanhar o seu desenvolvimento para garantir que não são vítimas da massificação. A aposta na qualidade, em ambas as atividades, tem de ser constante e isso inclui também novos investimentos.
Um dos outros fatores limitantes ao investimento privado é a falta de educação ou cultura na temática em causa. No caso dos Açores, para além dos departamentos de oceanografia e pescas (DOP) e de biologia da Universidade dos Açores, do AIR Centre e dos clubes navais, está prestes a entrar em funcionamento a Escola do Mar dos Açores e avizinha-se o Observatório do Atlântico. Para além destas, há outras estruturas educacionais indiretamente relacionadas com o conhecimento marinho e, estou em crer, sempre que é identificada uma oportunidade ou debilidade, o investimento correspondente é feito. Parece-me que, do ponto de vista estrutural, estão a ser dados os passos certos para munir o Arquipélago com as ferramentas educacionais adequadas.
Do ponto de vista humano, na educação há passos a dar e parece-me que a total falta de investigadores no quadro do DOP com menos de cinquenta anos é um sinal muitíssimo preocupante. Não é um ponto insignificante e condiciona alguns investimentos, mas ainda não ensombra o potencial da economia do mar nos Açores.
Por tudo isto, parece-me que o futuro pode, deve e será muito azulado nos Açores. O mar, esse gigante que nos abraça com quase um milhão de quilómetros quadrados, é já casa para diversas empresas, mas tem ainda um enorme potencial. Estou em crer que o crescimento do investimento privado marinho irá dar um interessante contributo para contrariar a contração demográfica, aumentar a qualidade de vida e reforçar o valor estratégico dos Açores.