domingo, 17 de setembro de 2017

Crónicas de Bruxelas: 2 - Verde é a cor de Bruxelas


Os belgas podem ter, como todos os povos, imensas virtudes. No entanto, se há algo que é deles e de poucos mais, é o enorme bom gosto paisagístico.
Principalmente na Primavera e no Outono, os canteiros, as ruas, os jardins, os parques e as florestas embelezam-se de uma forma que chega a ser estonteante e não estou a exagerar.
Tudo isto resulta de uma estratégia de investimento nos espaços públicos que não tem paralelo em Portugal. Os Açores são lindíssimos, mas são-no naturalmente. É uma força bruta da natureza que os torna, tanto em terra como no mar, num dos mais belos locais do planeta. Não foi necessário qualquer investimento para serem como são. Aliás, por vezes, no caso dos Açores, o melhor é mesmo não mexer... A natureza nas magníficas ilhas do médio Atlântico Norte vale por si própria.
Até por ser uma cidade, em Bruxelas não é assim. Todos os parques têm equipas de jardineiros e as florestas têm serviços próprios que garantem o cultivo e a manutenção das centenas de milhares de flores, arbustos e árvores e a promoção das condições para que nasçam musgos e cogumelos. Os parques são desenhados por habilidosos jardineiros que colocam as flores nos sítios quase perfeitos. E digo "quase" porque, no ano seguinte, conseguem encontrar uma nova combinação ainda mais extraordinária que no ano anterior. Eu vi.
Apesar de não retirar qualquer prazer da maioria dos desportos singulares, exceptuando a natação, tenho praticado corrida por obrigação de manutenção física. Todas as semanas vou até uma das florestas que ficam no limite da cidade e obrigo-me a correr durante um pedaço de tempo que postulei como suficiente. A esta corrida semanal, junto uma caminhada diária de alguns quilómetros. Penso que o meu médico estará de acordo que isto é adequado, mas o melhor é continuar a não lhe perguntar...
Mas vem esta conversa do desporto à baila por causa da paisagem. Seria praticamente impossível praticar um desporto de que não gosto se não fosse acompanhado desta deslumbrante paisagem. No Outono, o amarelecer e avermelhar das folhas das árvores torna cada vista uma autêntica pintura de fogo de artifício cromático. No final de cada percurso há uma paisagem de cortar a respiração. Isso, diga-se, no meu caso até é perigoso porque, depois de correr alguns minutos, já fico muito perto de perder totalmente o fôlego...
Pouco me estimula a correr no Inverno e no Verão. No Verão, motiva-me a esperança de que as férias cheguem e possa partir para os Açores. No Inverno é apenas o ultrapassar-me que me empurra para a frente. Correr com temperaturas negativas ou pelo meio da neve é suficientemente radical para servir de "lebre". 
Mas a Primavera é espectacular. O renascer das folhas, que vou acompanhando e registando semanalmente, as flores que se vão multiplicando e que, com o avançar da Estação, se vão substituindo são extraordinárias. Há umas flores que, com o andar do tempo, vão como que subindo pelas encostas da floresta que mais frequento! Toda esta delicadeza e beleza é acompanhada por esquilos, morganhos, ratos, doninhas, raposas, dezenas de espécies de aves e, dizem, veados e javalis (eu nunca os vi). 

No outro dia, entre o desespero da luta contra o cansaço e o tédio que é para mim correr, vi um carro dentro da "minha" floresta. Nem queria acreditar. Comecei de imediato a esbracejar e a protestar como se a "casa" fosse minha... No meu melhor francês, que não é grande coisa, preparava-me para insultar o condutor quando reparei na farda do vigilante da natureza. Oppsss! Felizmente, tal como sei alguns impropérios em francês, também sei pedir desculpa, mesmo sem quase conseguir respirar...

domingo, 3 de setembro de 2017

Crónicas de Bruxelas: 1 - Em Bruxelas, tudo bem!


Ao ler uma entrevista a uma pessoa que está a fazer um trabalho relevante em Bruxelas, deparei-me com a opinião de que as pessoas nesta cidade, ao verem os militares nas ruas, “sentem que estão em guerra”. Não podia estar mais em desacordo.
Nas memórias mais antigas que tenho, incluem-se os dias a seguir ao 25 de Abril de 1974 em Lisboa. A capital de Portugal estava, literalmente, pejada de soldados e, estes, significavam mudança, paz e liberdade. Ficou gravado na minha memória. Para mim, soldados nas ruas são, pura e simplesmente, a antítese da guerra. São esperança de mudança.
Claro, tenho que admitir, esta é apenas a minha percepção pessoal.
Passeemos um pouco por Bruxelas para ver o que aqui se passa.
Todos os dias, ao entrar e ao sair do trabalho, faço questão de cumprimentar os soldados com que me cruzo, que estão escalados para proteger as Instituições Europeias. A calma paira e o bom tempo do final de tarde conduz-nos à simpatia e placidez.
Claro que nem sempre foi assim. Nos dias a seguir aos ataques de Paris e Bruxelas, a maioria das pessoas estavam assustadas com esta nova realidade e tristes por aqueles que sofreram directa ou indirectamente com a barbárie. No entanto, apesar da dor não passar, o medo rapidamente foi substituído pela curiosidade e pela resistência. A melhor forma de lutar contra os terroristas é não sucumbir à tentação do medo. Assim foi! Apesar de algumas perdas, que com o tempo serão corrigidas, penso que o mundo civilizado ganhou amplamente este desafio. Entre as perdas contam-se os ataques aos direitos civis e à privacidade, o Brexit e a inacreditável eleição do novo Presidente norte-americano, mas o bem irá prevalecer. É apenas uma questão de tempo.
Voltemos aos soldados. Poucos dias depois do choque inicial, passou a haver uma enorme curiosidade em relação aos militares que passaram a povoar Bruxelas. A toda esta curiosidade, os soldados respondiam com uma cortesia lacónica, simpáticos, mas mantendo a distância necessária à missão.
Apenas quem não se tenha detido um minuto a ver as notícias na televisão pode confundir o que se passa em Bruxelas com qualquer guerra. É uma diferença abismal. Felizmente, nunca estive num teatro de guerra e não quero estar! No entanto, nada pode estar mais distante do que se passa por aqui. Não há dramas, não há tiros, não há gritos, não há sofrimento, nada…
Escrevo estas linhas pouco depois de mais um alerta terrorista para a zona de Bruxelas. Todos sabemos que o perigo está latente e, há poucas semanas atrás, houve um ataque felizmente frustrado precisamente pelos soldados de Bruxelas. Estes soldados-de-paz impediram mais um drama. Obrigado. A presença dos militares aconchega-nos, dá-nos segurança e serena um pouco mais o coração desta União Europeia confusa e meio perdida.
A pessoa que referi no início deste artigo é uma professora no bairro mais problemático, ou que disso tem fama, de Bruxelas, Molenbeek. Com o seu trabalho está, sem dúvida, a ajudar a fazer diferença pela positiva. No entanto, o excesso de dramatismo, numa situação que, claramente, não o tem, faz-me pensar nos oportunismos alarmistas típicos da extrema direita.
Não! Temos de ser claros. Há problemas e eles têm que ser resolvidos. Porém, sem cair num excesso de ingenuidade, considero que é pelo optimismo, pelo rigor, pela sabedoria, pela curiosidade, pela tolerância e pela alegria que conseguiremos alterar o futuro para muito melhor.
Por fim. Num qualquer parque do centro de Bruxelas olho para o lado e vejo dois soldados (andam quase sempre aos pares). Perto deles, um homem aborda uma mulher com uma conversa tão previsível e melosa quanto explícita e consequente. Olham-se com olhos grandes e bem abertos por bonitos e suaves sorrisos. Ele conserta-lhe uma madeixa do cabelo que o vento tinha empurrado para a sua face. Ela permite. Continuam a conversar com os olhos dele metidos dentro dos olhos dela e os dela perscrutando o coração dele…
Definitivamente, isto seria impossível num qualquer teatro de guerra.
Em Bruxelas, tudo bem!