terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Extracção de areias nos Açores

Santa Cruz das Flores, Açores.

Ao rever os artigos que já publiquei, constatei que nunca toquei num assunto que já me fez sofrer um bom bocado: a extracção de areias. No final dos anos 90, surgiu o desafio para que o DOP fizesse a avaliação das areias existentes em volta das ilhas dos Açores. À primeira vista parecia um desafio inovador, porque nunca tinha sido feito nos Açores, e era necessário organizar muito trabalho de mar. Tinha o meu nome!
Já não me recordo se me ofereci ou se fui voluntariado… O que é certo é que, em conjunto com uma belíssima equipa, lá me meti a organizar as expedições. Diga-se neste ponto, em abono da verdade, que quando comecei não entendia nada, mesmo absolutamente nada do assunto. Pior do que isso, como tinha tido uma cadeira de geologia e outra de sedimentologia na universidade, pensava que sabia… Erro…
Porque a modéstia fica bem, falei com alguns colegas mais sabedores do que eu e, em conjunto com o Fernando Tempera, lá fomos alicerçando o conhecimento e o engenho necessário para debelarmos o desafio. Nas primeiras conversas, com colegas do Departamento de Geociências, ficamos a saber que, de facto, nos Açores a areia é um bem escasso e valioso. Pelo facto de não haver areia biogénica (formada pela degradação das conchas) a areia dos Açores resulta apenas do que é emitido pelos vulcões e do que é gerado pela degradação das rochas seja no leito das ribeiras ou nos chamados “rolos” junto ao mar. Daí a sua cor escura, ao contrário da coloração mais esbranquiçada das areias continentais. Em termos estatísticos, cerca de 90% da areia dos Açores é oriunda directamente dos eventos vulcânicos, 9% das escorrências das ribeiras e 1% da abrasão costeira. Portanto, o grande fornecedor de areia do nosso arquipélago tem estado improdutivo e ainda bem. A escassez de areia, essencial para a construção civil, pode, em última análise colapsar a edificação e, consequentemente, grande parte dos investimentos estruturais e, pelo menos, os empregos directos que a actividade gera.
Por tudo isto, ficou claro que tínhamos de ir procurar onde estavam localizados os depósitos de areias no mar dos Açores, tentar contabiliza-los e definir os locais que não deveriam ser explorados por questões relacionados com a sensibilidade ambiental. Aprendemos com os colegas do então Instituto Geológico e Mineiro que o princípio para procurar areias é extraordinariamente simples. Com aparelhos sofisticados provoca-se um grande barulho à superfície do mar, um autentico pequeno sismo, analisam-se os ecos, e, a partir daí, conseguem-se identificar as lagoas de areia que existem sobre o fundo rochoso do mar.
Infelizmente, para poderem circular perto de terra, os navios utilizados têm de ter pouco calado e a possibilidade de manobrar em pouco espaço. Em súmula, têm de ser pequenos navios… honestamente, lanchas. A embarcação escolhida foi então o “Águas Vivas” ou outros equivalentes. Também infelizmente, os circuitos eléctricos emissores de som, o tal grande barulho, têm de ser independentes dos que fazem a análise do seu eco. Ou seja, para cada sistema é imprescindível ter um gerador diferente. Somando tudo, para além dos dois motores da lancha, havia a bordo três geradores, sendo um deles dedicado a provocar um “grande barulho”. Tudo isto em onze metros de barco. Tenho-vos a dizer que este não foi o pior trabalho que jamais fiz, mas andou muito perto… Para poder aguentar todo aquele barulho, colocávamos protectores auditivos e, dentro destes, auscultadores de leitores de música com o volume no máximo, ou perto disso. Foi, realmente, um trabalho muito difícil e, à conta disso, ainda hoje odeio barulho. Felizmente, não ficámos surdos, mas pouco deve ter faltado.
Depois de termos andado a transportar esta maquinaria em volta da maioria das ilhas dos Açores, desenhamos os mapas que hoje servem para definir as áreas e os volumes de areias exploráveis no arquipélago dos Açores.
Certo dia, nas Flores, depois de trabalhar durante duas semanas a fio, já meios surdos, decidimos que iríamos descansar no Domingo. Era justo e, também, se não o fizéssemos, provavelmente, fugiríamos dali. Já ninguém aguentava mais um minuto de geradores… Mal sabíamos nós que havia uma disposição nas posturas municipais de Santa Cruz das Flores que, apenas aos Domingos, permitia, que em plena Vila, se matassem porcos de forma tradicional. Ao sofrimento do animal, expresso nos guinchos agudos e penetrantes, acrescia o nosso desespero. Foi o ponto mais baixo de um dos mais difíceis trabalhos que tive na vida. Felizmente, terminou!
À parte da violência da tarefa e do contexto que envolveu alguns dos seus momentos, este foi mais um contributo que os investigadores, técnicos e marinheiros do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores deram para o desenvolvimento sustentável da nossa Região. Ter participado nisso, deixa-me verdadeiramente orgulhoso.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Abram alas para o Natal

Foto: F Cardigos.

Lembro-me de uma antiga crónica de Vasco Pulido Valente, no jornal Público, em que dividia o mundo da educação das crianças entre o que é verdade e o resto. Defendia este brilhante cronista que, por exemplo, as histórias que relatavam amizades impossíveis entre animais deveriam ser banidas. Por exemplo, acrescento eu, amizades entre gatos e ratos ou tigres da Malásia e ursos, os primeiros por impossibilidade ecológica e os segundos também por impossibilidade geográfica, são deseducativos e causam embaraços na própria “consciência de si” das crianças. Ou seja, se os animaizinhos são tão “queridos”, “até falam”, “porque é que eu tenho de os comer?”, principalmente implicando isso a sua morte?! Isto para já não falar na farsa do século: o Pai Natal…
Devemos motivar a imaginação das crianças com mentiras e impossibilidades ou fortalecer a sua identidade com a dura verdade. Não tenho resposta, apenas opinião. A minha opinião é… tem dias e tem limites. Estranha resposta?! Talvez não. A minha experiência enquanto pai é de que as crianças sabem bem distinguir entre o que é pragmático e os amigos imaginários ou do mundo da imaginação dos adultos. O gato lá de casa e o gato das botas são entidades diferentes cuja única semelhança é miarem da mesma forma, excepto quando o das botas faz as suas longas serenatas… O pato, amigo do Pocoyo, e o pato que aparece no arroz também são entidades diferentes, sendo que o do arroz é muito mais saboroso, mas sem tanta piada.
Então, e qual é o limite? O limite, na minha mui modesta opinião, é quando os animais imaginários passam a ter características reais. Os filmes em que se colocam animais a ridiculamente mexer os lábios, imitando palavras reais, não são educativos e misturam os limites traçados pelas crianças. Atenção, não é que não goste de algumas excelentes abordagens cinematográficas, apenas penso que elas devem ser apresentadas às crianças depois de terem a capacidade de distinguir e achar piada à coisa. Senão, ficam apenas confusas...
Aquilo que está claramente para lá do limite do tolerável é utilizar o mundo do imaginário para estimular o consumismo e o egoísmo das crianças. Isso é devastador. Ou seja, Pai Natal, não obrigado! Para os meus filhos, o Pai Natal será sempre uma farsa desde que nasceram. “O Pai Natal não existe” é um dos conceitos que têm enraizado desde que se lembram de ouvir palavras. Assim, nunca foram alvo daquelas chantagens ridículas, na minha opinião, “se não te portas bem, o Pai Natal não te traz uma prenda”.
Tudo o que expus atrás é discutível. Admito. Cada pai e cada mãe, melhor do que ninguém, saberá qual a abordagem educativa que serve ao seu filho. O que não é discutível, no entanto, é o mau serviço que algumas empresas fazem aos nossos filhos. No outro dia, estava calmamente a almoçar num daqueles cafés que têm a televisão ligada. Desta forma, ao mesmo tempo que se almoça, vão-se ouvindo e vendo as notícias, trocando impressões sobre o dia-a-dia, ficando mais informados, podendo colaborar mais eficientemente para fortalecer a cidadania que se espera de todos nós. Até aqui, tudo bem. Reforço que o que ali estávamos a ver era o que, potencialmente, todas as crianças deste país poderiam estar a ver. A certo passo, nas notícias da TVI começam a mostrar uma senhora a ser chicoteada. Eu nem queria acreditar… Como é possível…? Dizia a notícia que ela tinha cometido o crime de “usar calças”. Ainda meio perplexo, pedi ao empregado que mudasse o canal porque me recusava a estar no mesmo espaço em que este tipo de imagens fosse difundido. Penso que o senhor não percebeu à primeira porque estava com outros afazeres e por isso tive que ser mais claro. “Recuso-me a estar perante imagens de um canal televisivo que difunde actos de barbárie como uma mulher a ser chicoteada”. Aproveitar a forma absolutamente imoral como alguns Estados tratam as mulheres para aumentar audiências e, adicionalmente, expor as nossas crianças a estas disfunções é demais para mim e intolerável para a educação que queremos para os nossos descendentes. Meio segundo depois, o senhor estava convictamente a mudar de canal.
Neste Natal, tenhamos atenção às crianças. Penso que mais do que prendas, elas agradecerão a construção de uma educação baseada na verdade e com valores bem estruturados e consequentes. É o que tentarei fazer.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Arquitecturas

Foto: F Cardigos - SIARAM.

Um dos temas com que sou confrontado amiúde está relacionado com as intervenções arquitectónicas em áreas com elevada sensibilidade ambiental, cultural ou social. E o tema não é pacífico.


Evidentemente, a primeira consideração a ter quando se concebe uma intervenção estrutural está relacionada com o objectivo concreto. Ou seja, antes da solução arquitectónica, o primeiro item é o objectivo. Se o objectivo for recuperar o património, evidentemente, a funcionalidade terá de se sujeitar às regras impostas pela própria recuperação. Assim, sem pensar muito no assunto, entre os objectivos mais comuns que colocamos na lista de requisitos quando pensamos em fazer uma obra contam-se: cumprir uma função, recuperar património cultural e valorizar património ambiental.

Por exemplo, quando se decidiu construir um edifício de recepção ao visitante na entrada da Furna do Enxofre na Ilha Graciosa colocou-se como objectivo número um a funcionalidade. Isso não significa que os restantes não fossem tidos em conta, mas, claramente, estávamos conscientes que, pela simples ocupação do espaço, o mundo natural não podia ficar valorizado com a presença de uma estrutura num local onde, anteriormente, não existia.

No caso do Centro de Interpretação do Lajido de Santa Luzia no Pico, a ideia inicial era recuperar o património cultural. Secundariamente, havia a funcionalidade (alojar uma exposição sobre a Paisagem da Vinha e os serviços do Parque Natural de Ilha) e a valorização do local. Penso que foi cumprido, mas não foi fácil até porque, mesmo as pequeníssimas diferenças entre o edifício recuperado e o que estava antes, foram alvo de meticulosas, mas importantes, críticas.

Pegando num caso mais perto de nós, quando se decidiu recuperar a antiga fábrica da baleia, ao pedirmos ao arquitecto que liderasse a intervenção, já sabíamos que iria resultar num projecto que valorizaria o património, mas, dificilmente, respeitaria totalmente a estrutura que nós conhecemos. Em abono da verdade, este edifício, conhecido pelos trintões e quarentões como “o tufo”, a antiga discoteca, tinha sido antes uma fábrica de processamento de baleia e de secagem de peixe. Ou seja, não era um edifício, mas sim uma sucessão deles e com funções muito variadas. Portanto, o arquitecto interpretou o edifício como agora é apresentado e que, em conclusão, resulta numa intervenção com a fusão de diversos estilos. Há quem goste e há sempre quem não goste.

Curiosamente, esta ambivalência na opinião sobre as novas estruturas tem já uma longa história, certamente com mais de cem anos. Por exemplo, quando se decidiu construir a Torre Eiffel, em Paris, houve abaixo-assinados e a estrutura teve mesmo de ser protegida porque se receava um atentado bombista. Hoje é uma das estruturas mais visitadas do mundo e é um símbolo universal de Paris e da humanidade. Quem imaginaria no longínquo ano de 1889?

Há outros exemplos da controvérsia da intervenção arquitectónica, mas a ideia base que hoje sustento sobre o assunto e que me foi ensinado por um amigo do Instituto Superior Técnico, é que, tal como na música, a boa arquitectura sobrevive. Se a jaula metálica que colocamos nas traseiras do Farol dos Capelinhos for uma boa ideia, daqui a uns anos ainda lá estará. Se não for um conceito adequado, o tempo a levará.

Entretanto, e como presságio positivo em relação ao futuro, ficam os prémios e reconhecimentos nacionais e internacionais obtidos pela unidade de acesso à Gruta das Torres, pelo Centro de Interpretação do Lajido de Santa Luzia, pelo Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos e pelo Centro de Interpretação da Fábrica do Boqueirão. Estão de parabéns os arquitectos Inês e Miguel Vieira, Ana Laura Vasconcelos e Nuno Lopes. As suas obras já são motivo de orgulho!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Fortes Maravilhas II

Complexo Vulcânico da Ilha do Pico.
Foto: Luís Quinta (c).

Obviamente, tinha de revisitar este tema. Depois do regozijo de termos vencido dois dos sete títulos de Maravilhas Naturais de Portugal, há que relembrar que estes galardões apenas valerão enquanto os relembrarmos. É necessário ter consciência que, tirando os açorianos, as pessoas que dirigem as restantes zonas do país não farão grande questão em recordar este evento, visto que não o ganharam. E manter em memória é muito importante e por muitas razões. Entre elas, talvez a mais relevante, a importância turística. Por outro lado, mesmo fora das actividades turísticas, existem diversas áreas que lucram com as certificações deste tipo. Por exemplo, a exportação dos produtos certificados como “Açores”, “Reserva da Biosfera”, “Marca Priolo”, entre outros, tende a obter preços mais elevados. O selo de pertencente às “Sete Maravilhas Naturais de Portugal” também ajudará a promover esses outros produtos ou serviços.
Uma forma de os relembrar é contar a história de como tudo aconteceu. Depois de meses a promover as candidaturas de todo o país, traduzida numa sucessão de centenas de milhares de votos, eis que, no veredicto final, a Lagoa das Sete Cidades e o Complexo Vulcânico da Ilha do Pico foram eleitos como duas das Sete Maravilhas do Naturais de Portugal. Segundo consta, embora não tenha sido confirmado, o facto de não podermos, de acordo com as regras do concurso, eleger mais de duas maravilhas, impediu que tivéssemos uma expressão ainda maior.
A visibilidade que foi dada às nossas maravilhas, desde as mais de três dezenas iniciais, às 13 pré-finalistas, às 5 finalistas e às duas vencedoras, foi extraordinária. Em todas as ilhas houve diversos aspectos identificados como potencialmente vencedores do concurso das maravilhas naturais de Portugal. O processo de selecção foi injusto até porque todos o são. Os critérios pertencem ao júri e este obedece aos regulamentos e à sua capacidade de ajuizar. Neste caso, o primeiro júri seleccionou 77 sítios, de entre todos os candidatos. Um grupo de 77 técnicos especialistas nas diferentes temáticas ambientais leu as descrições e seleccionou os locais que lhe pareceram mais adequados. De seguida, um grupo de 21 notáveis afunilou estes 77 locais nos 21 sufragados por todos os interessados. Estes notáveis incluíam-se entidades governamentais, os dirigentes das maiores organizações de ambiente e pessoas eminentes da nossa sociedade (ditos VIPs). O resultado foram os 21 locais seleccionados. Claro que não me ficaria bem expressar quais as minhas preferências, mas, curiosamente, as 21 propostas estão perto do que eu próprio preferia e não andaram longe do que tinha antevisto logo de início. De facto, há certos locais tanto nos Açores como em Portugal que são extraordinários e realmente incontornáveis quando pensamos em paisagem.
Resta ainda dizer que neste processo foi fundamental o apoio das diferentes instituições, dos embaixadores, dos padrinhos e, essencialmente, das centenas de milhares de pessoas que votaram nas nossas Maravilhas Naturais de Portugal. Aquilo que estas maravilhas são agora e serão no futuro é também o resultado do seu empenho. Ou seja, e colocando noutra perspectiva, quando queremos mesmo e juntamos esforços, as coisas acontecem. Aconteceu Açores!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Energias Renováveis Offshore

Foto: F Cardigos - SIARAM.

Um dos temas que mais interesse merece, neste nosso país milionário no que diz respeito ao oceano que o rodeia, é o investimento passível de ser realizado no alto mar. Por inerência à distância, profundidade e agressividade do meio, encontrar ideias compatíveis com o grande azul não é tarefa fácil.

Tradicionalmente, pensa-se em mar como um associado imediato da pesca e, de facto, desde que bem gerida, é uma actividade que resulta em bons rendimentos e perpetuados no tempo. Outro dos benefícios da pesca, certamente o mais relevante, é proporcionar proteína íctia indispensável a uma boa alimentação.

Nos Açores, desde há alguns anos, identificámos, muito por engenho do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, que a investigação científica associada aos montes submarinos e, principalmente, às fontes hidrotermais de grande profundidade são mais valias cuja promoção reverte para os Açores em conhecimento, presença de cientistas e acréscimo no movimento de técnicos pelas zonas portuárias. Hoje em dia, o porto da Horta é também um ponto de escala obrigatória para os grandes navios de investigação científica internacional. Temas como o estudo de cadeias tróficas em situação de pressão e poluição natural, a farmacologia, a remediação, a bioquímica, entre outros, estão na linha da frente graças ao empenho e competência dos nossos cientistas e daqueles que nos visitam.

Tirando estes dois temas (pescas e investigação científica), não é fácil falar em investimentos ao largo que sejam garantidos. Fala-se muito em exploração mineralógica, exploração arqueológica, mas nada parece ser consistente ou sério. No entanto, na última terça-feira estive num seminário em Lisboa que me deu uma perspectiva diferente no que diz respeito à exploração energética offshore. Num dia imparável, em que assistimos a 70 apresentações, com durações entre o minuto e meio e os quarenta, ficámos a conhecer grande parte das empresas (construção naval e civil, planeamento, projecto, segurança marítima, advocacia, disseminação, etc.), dos organismos administrativos, das autoridades marítimas, dos investigadores científicos e das organizações não governamentais que actuam em Portugal e cuja acção se cruza com estas temáticas. Cada uma apresentou um depoimento sobre o que conseguem fazer e o que gostariam de vir a fazer no mundo das energias offshore.

Esta organização foi superiormente implementada pelo Wave Energy Centre, uma unidade de investigação onde trabalha a Doutora faialense Ana Brito e Melo, e a Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar. Para além da extensa informação, que levarei diversos dias a absorver e a mentalmente organizar na totalidade, fiquei com a nítida sensação que este é o momento de avançar com as ideias que têm estado a ser desenhadas nos últimos anos. Por um lado, temos carência de energia e, por outro, os desenvolvimentos tecnológicos parecem agora viabilizar economicamente e ambientalmente alguns projectos.

As centrais eólicas do alto mar e a produção de energia com base nas ondas estão a ser alvo de um enorme investimento em diversos países. Portugal partiu na linha da frente, com um dos mais emblemáticos investimentos feitos na Ilha Montanha, mas hoje está claramente a perder o fôlego. Há que remotivar os diferentes parceiros que, como verifiquei, estão desejosos de investir, mesmo arriscando, para aproveitar as mais valias energéticas do nosso país, incluindo, claro está, as regiões autónomas.

Como referia atrás, durante este dia, foi recorrente a referência à Central da Energia das Ondas do Pico. Uns porque participaram no planeamento, outros na construção, outros na montagem das turbinas grande parte das empresas privadas de Portugal assentaram o seu início na inspiração e nos ensinamentos dados por aquela estrutura. Tanto os sucessos como os insucessos, foram fulcrais para o amadurecimento da temática no nosso país. Caso não tivesse outro futuro, e felizmente parece ter, esta Central já tinha cumprido a sua missão de servir de plataforma para o estudo do aproveitamento da energia das ondas.

Outros temas relacionados com a utilização do potencial energético do mar, como o aproveitamento do gradiamento térmico marinho, as correntes de maré e a geotermia marinha ainda parecem estar numa fase mais embrionária. Não houve nesta conferência qualquer referência séria a estas hipóteses o que, quem sabe, poderá ser um excelente indicador para o surgimento de pólos de investigação e desenvolvimento com génese nos Açores...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Nadando com golfinhos

Há uns dias atrás, recebi uma estudante de jornalismo sulafricana que desejava falar sobre natação com golfinhos para efectuar um trabalho de final de curso. Começámos por falar no elevado número de espécies presentes no arquipélago e as razões que o promovem. Depois, falámos sobre os delfinários e a surpresa começou quando lhe disse que não era totalmente contra estas estruturas. Tive que lhe explicar que o entusiasmo, emoção e mobilização com que especialmente as crianças saem dos delfinários é expressivo e consequente. Informei-a que, num mundo perfeito, seria totalmente contra estas estruturas, mas no nosso, é um dos preços a pagar para que melhore. “Mas vocês não têm?!”, exclamou ela, aludindo ao facto de não haver delfinários nos Açores. Coloquei o meu melhor sorriso e disse “não precisamos. Para nós a natureza, felizmente, vem em estado puro e, neste caso em particular, está ali no gigante azul!”
A certo passo, ficou mesmo muito intrigada porque o meu entusiasmo com a natação com golfinhos não era enfático. Eu disse-lhe que não me parecia que os golfinhos ficassem particularmente delirantes com a presença humana; de outra forma não seriam tão esquivos, não teriam atitudes agressivas para quem com eles nada e não limitariam ao mínimo o tempo de presença de humanos nos seus grupos, principalmente quando estão crias por perto.
A seguir, depois destas explicações, fui alvo de enormes elogios do tipo “vocês estão tão avançados nos Açores. Enquanto noutros locais, como na Tanzânia, a actividade está completamente desregrada;  aqui têm legislação precisa e ainda consideram intensificá-la”. Como a minha honestidade não tem limites e é desbocada, tive que a desiludir um pouco… "É também racionalidade económica. Nos Açores, suspeitamos que a natação com golfinhos irrita tanto os animais que estes se tornam mais fugidios para todo o negócio de observação de cetáceos. Há cientistas a monitorizar a actividade e, quando o momento chegar, se chegar, acabar-se-á a natação. Evidentemente, estar com animais selvagens é um risco. Noutros locais, já foram registados eventos menos simpáticos com golfinhos, e, ao mesmo tempo, também temos que pensar no conforto dos próprios animais, mas a tomada de decisão, no final de tudo, provavelmente assentará em racionalidade económica. Esta racionalidade económica actua a dois níveis: primeiro, como disse, se não houver animais será mau para todo o negócio, mas há outro factor. Os turistas amantes da natureza, até pelo poder económico que têm de ter para aqui chegar, estão muito bem informados e não são complacentes com actividades que perturbem os animais. Ou seja, caso fique cientificamente provado que os animais são perturbados pela natação com golfinhos e nada fizermos, arriscamo-nos a perder o objecto da actividade e os interessados em efectuá-la. Seria uma extraordinária irresponsabilidade não actuar."
Ela estava verdadeiramente surpreendida e dizia “mas os outros destinos não irão lucrar com a abdicação dos Açores?”. Aí, pude brilhar… “Repare”, disse-lhe, “os Açores já estão habituados a liderar no que à gestão do mundo natural diz respeito. Portanto, tal como noutros tempos se ia a África para caçar animais, hoje os safaris são fotográficos. Claramente, se se mantiver o crescimento civilizacional, certamente que a simples perturbação não será tolerada, até como apontam diversas directivas comunitárias. Portanto, se os Açores liderarem, teremos ainda mais turistas de excelência a fazer questão de visitar estas ilhas paradigma!”. Tal como aconteceu em relação à observação de cetáceos, em que implementámos uma das primeiras legislações a nível mundial, estamos em condições de, também aqui, e adaptando o lema da Universidade dos Açores, “iluminar”.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ruído


Quando cheguei de férias, uma das piores notícias que me deram é que tinham, finalmente, consertado o sino da Torre do Relógio. Para contextualizar, tenho que informar que o sino da Torre do Relógio fica a 25 metros do vidro duplo que protege o quarto que contém o meu leito. Apesar de tocar “apenas” entre as oito da manhã (madrugada ao Sábado e Domingo, como todos sabem) e as nove da noite, por vezes, torna-se insuportável. Imaginem o que é estar a ler um livro entrecortado a cada 15 minutos por um bing-bong ou quatro bings-bongs seguido de bings por cada hora que passou… É terrível. Já reparei também que se eu estiver prestes a sair ou a chegar a casa, misteriosamente, a mais longa sequência de bings e bongs espreita e ataca! Poucas sensações serão tão desagradáveis como estar a colocar a chave na porta e traz! cinco bongs e doze bings. Já notei um certo esgar de riso do infernal relógio. A sério! Aquele “haa, ha, ha, ha, haaaa…” sabem?!
Vem esta história, terrível e quase verídica, a propósito de algumas queixas que me têm sido transmitidas durante este período de festividades em relação ao “exagerado” ruído produzido por mega aparelhagens, emitindo sons de duvidoso bom gosto, digo eu, e que, sem outro nome, chateiam! De facto, para quem não gosta, ou mesmo para quem goste, mas, simplesmente, esteja cansado, é muito desagradável ouvir os cantores, cancenotistas, grupos, DJs, projectos e outros emissores a propalarem a sua arte até às seis da manhã. É verdade, mas, numa sociedade tolerante, temos de ter alguma paciência e, afinal de contas, não é todos os dias.
Para que não se pense que estas coisas podem acontecer por livre arbítrio, relembro que há uma lei que rege o ruído nos Açores. Trata-se do Decreto Legislativo Regional nº 23/2010/A de 30 de Junho. Este mesmo diploma prevê que, em casos excepcionais, a edilidade possa dar uma autorização de emissão de ruído, a chamada “Licença Especial de Ruído”. Para além das já mencionadas festas, pode justificar a emissão desta licença, por exemplo, a realização de uma obra relevante que se prolongue para além do horário diurno.
Com a sua razão e apesar da legalidade, alguns cidadãos não gostam do barulho que certas festividades geram. Nesse caso, sugiro que se junte com os seus vizinhos e elaborem uma petição para ser apreciada pela edilidade. Certamente, haverá sensibilidade para que, numa próxima autorização, seja tida em conta a sua perspectiva.
Há locais que, por contingência da sua natureza, como os grandes aglomerados populacionais, aeroportos,  portos, estradas, emitem regularmente som com elevada intensidade. Para esses a lei prevê a realização específica de “Planos de Acção”, elaborados de forma participativa, e destinados a gerir os problemas e efeitos do ruído bem como, quando necessário, a reduzir a sua emissão. Para além disso, de dois em dois anos, a Câmara Municipal tem de elaborar um “Relatório do Ambiente Acústico”. Nele terão de ser evidenciados quais os progressos efectuados em matéria de combate ao ruído e a adequação dos diferentes emissores sonoros aos contextos geográficos em que se inserem.
Há poucas coisas que incomodem tanto como o ruído. Nos casos extremos, o ruído pode provocar alterações no comportamento humano e, resumidamente, infelicidade. Se temos que ser tolerantes para com o ruído a que nos expõem, também terá de haver sensibilidade para o nosso merecido descanso. No entanto, e como tantas vezes vou escrevendo, apenas se tomam boas decisões quando colectivamente participamos nelas. A lei abre vias de participação. Saibamos utilizá-las.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Copenhaga na Dinamarca


Tive a oportunidade de passar férias na cidade de Copenhaga. Acompanhado da família, visitei museus, parques, festividades (assistimos a uma Gay Pride Parade!) e passeamos, muito. Foi um período instrutivo e em que transpareceram várias coisas: os cidadãos de Copenhaga são cultos, orgulhosos e preocupados com o ambiente (há milhares de bicicletas a circular por todo o lado). Por outro lado, a cidade tinha sinais de desmazelo, reparei em diversas construções em muito mau estado de conservação, não era assepticamente limpa, como poderíamos esperar de uma capital de um país nórdico, e vi diversos vagabundos dormindo pelas ruas. Aliás, rezam os mitos urbanos que um dos mais bem sucedidos pedintes de Copenhaga era um funcionário público português que considerou mais lucrativo dedicar o seu tempo a vaguear pelas ruas desta cidade do que “picar o ponto” no nosso país.
Uma das coisas que mais orgulha os dinamarqueses é o seu sistema de segurança social. Afirma quem lá vive que pagam muito todos os meses, mas não têm demora no sistema de saúde, a assistência social é óptima e as escolas são quase perfeitas.
Mas “não há bela sem senão”… Ao mesmo tempo, informaram-me que, este é um país que privilegia claramente os nascidos na Dinamarca em detrimento dos forasteiros residentes. Aliás, falando com alguns destes estrangeiros a viver na Dinamarca, todos foram unânimes em afirmar que a Dinamarca é um excelente país, onde se vive bem e, cumprindo as regras, se usufrui de uma das sociedades mais organizadas e inteligentes do mundo. No entanto, é um país frio e distante em que as relações humanas entre os locais e os visitantes tardam em formar-se. Daí que digam que, um dia, ou voltarão ao país de origem ou partirão para outro local mais “quente”.
É certo que Portugal não tem grandes recursos endógenos e a organização da nação podia ser bem melhor. No entanto, não temos grandes focos de violência, há completa liberdade de expressão, usufruímos de paz social, vivemos num estado de direito, temos um sistema de saúde e de ensino razoáveis, tirando muito lamentáveis excepções, não temos pessoas a passar fome, temos acesso a bens culturais e, generalizadamente, a nossa qualidade de vida permite-nos dormir tranquilos. Não são muitos os países que se podem gabar do mesmo.
Há umas semanas foi publicada uma estatística que assinalava Portugal como o 27º melhor país do mundo para se viver. Para além das variáveis económicas, integrava também dados relacionados com a Saúde, Educação, entre outros. Logo surgiram as vozes interessadas do costume pondo em causa a validade da contabilidade ou exacerbando os resultados. Provavelmente, a realidade é mesmo esta: nós vivemos, com problemas, certamente, num canto muito aprazível do mundo. Exigentes como somos, queremos melhor, mas não devemos, na minha opinião, entrar numa espiral de depressão que nos amarrará, inevitavelmente, a uma tristeza inexplicável.
Pelo que tenho visto lá fora, sabe muito bem viver cá dentro!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros


Neste último final de semana na Ilha do Corvo, constatei que mergulhar com escafandro é um pouco como andar de bicicleta. Nunca se esquece! A convite dos meus amigos corvinos Fernando Jorge Cardoso e Celso Silva fui fazer uma das actividades que mais gosto e que, por imperativos da vida, já não praticava há vários anos.
Mergulhar! Deixar-me cair de costas para o Oceano e sentir a água entrar vagarosamente dentro do fato… Brrr… Um arrepio. Frio enregelante, mas passageiro…
Olhar! Deixar as bolhas partirem até que a sombra do fundo deixe de ser deslavada. Esvaziar o colete, partir. Imergir. Fazer com que os contrastes do fundo tomem formas e adivinhar as espécies que cobrem as diferentes rochas.
Compensar! Este já não é um corpo batido por centenas de mergulhos por ano. Agora há que pensar bem nos procedimentos de segurança e conforto. Comecemos por injectar ar para os ouvidos, compensando assim o aumento de pressão.
Dez metros! Tudo corre bem. Paro, enchendo o colete com algum ar. Observo a superfície, perscrutando os meus colegas de mergulho. Regra de ouro do mergulho: “nunca mergulhar sozinho”, diz-me o meu avisado, mas enferrujado cérebro. Não resisto à impaciência! Sigo para o fundo como uma bala desamparada. Volto a encher o colete aos quinze metros para parar junto ao fundo.
Estou no topo de uma crista, de uma das dezenas de cristas que prolongam a ponta Sul da Ilha do Corvo em direcção ao mar profundo. É entre duas dessas cristas que se situa o Caneiro dos Meros. Esta Reserva Voluntária, criada pela conciliação de boas vontades é respeitada desde 1998. No final desse ano, um conjunto de jovens corvinos convenceram a comunidade de pescadores a deixar uma porção do mar em paz. Hoje é por estes considerado um sítio sagrado que está protegido porque assim o decidiram. A iniciativa foi tão modelar que os pescadores já foram convidados a palestrar fora da ilha, para falarem sobre este assunto. Apenas para terem uma ideia da importância que este local tem também para mim, fiz uma pequena pesquisa. Constatei que nos 99 artigos que publiquei até hoje e de que tenho registo (sim, este será o centésimo), em 23 falei sobre o Corvo e em nove referi a Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros.
Passados quase doze anos, continuariam os meros por lá? Ainda não tinha acabado de repensar nestas palavras e aproxima-se de mim o primeiro peixe castanho com as típicas manchas amarelas. É fantástico! Custa-me exteriorizar o empolgamento que senti. Doze anos após uma boa intenção, sem qualquer legislação que o imponha (por escolha dos locais) e os meros lá estão.
Três! Contei três dóceis meros durante este mergulho. Um deles pousou sobre o que eu imagino serem os 35 metros. Avisado pelo ranger das minhas articulações, mal rodadas, preferi limitar a imersão aos 25 metros e, por isso, não pude ir festejar este rei dos mares costeiros dos Açores. Senti, no entanto, que ele teve pena e eu levo saudades!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Bons negócios!

Foto: F Cardigos - SIARAM.

Tenho que advertir que não sou economista e o que irei expressar neste artigo resulta da minha experiência como viajante desta vida em conjunto com o bom senso do meu amigo Mário Frayão. Na minha opinião, um bom negócio é aquele que é sustentável, atinge a sua fase de lucros líquidos, no máximo, em cinco anos e contribui para a felicidade a quem dele vive. Esmiuçando um pouco mais, sustentável, para um ambientalista como eu, é uma actividade que contribua para o progresso, mas que não hierarquize os pilares fundamentais: ambiente, economia e sociedade.
Em diversas circunstâncias públicas tenho defendido a necessidade de investimento. Por diversas razões, considero que este é o momento de investir e, portanto, acho que eu próprio tenho de apontar alguns exemplos que eu considero bons. Esta não é uma listagem exaustiva, resultando apenas da minha percepção do que vou vendo e do que me vão informando. Por razões óbvias, não me ficaria bem referir os nomes das empresas envolvidas, mas estou disponível para trocar ideias mais detalhadas com quem o desejar.
Nos últimos anos, as actividades que mais diversidade têm apresentado e, nalguns casos com excelentes ideias, são as ligadas ao turismo. Há uma unidade de Turismo de Aldeia na Ilha das Flores, Concelho das Lajes, que, apesar de estar encerrada durante o Inverno, gera tais lucros que os seus proprietários se dão ao luxo de manter todos os empregados permanentemente no activo. Esta unidade é extraordinária sob todos os pontos de vista incluindo o patrimonial já que foram recuperadas com a traça original mais de uma dezena de casas.
Ao chegar ao Pico para promover uma actividade sobre o GeoParque dos Açores, perguntei a uns turistas se estavam alojados num determinado empreendimento. Eles disseram com tristeza que tinham tentando, mas apenas havia vagas em Setembro… de 2011! Repare-se que esta unidade tem o preço de alojamento diário com preços a rondar os 175 euros. É extraordinário.
Alicerçados num investimento quase intimista com os turistas, fazendo as saídas em pequenas embarcações, são diversas as empresas que se consolidaram no mercado e tornaram os Açores um dos melhores destinos do mundo para a observação de cetáceos. Neste momento, há dezenas de milhares de pessoas que se deslocam às nossas ilhas para, acima de tudo, ver algumas das mais de duas dezenas de espécies que circundam as ilhas.
Na Ilha do Faial, uma unidade de turismo rural faz também torneios de golfe… rústico! O sucesso é tão grande que as actividades chegam aos maiores órgãos de comunicação nacional de Portugal.
No passado, por oportunidade e por ignorarem o risco os açorianos tiveram o azar de orientarem todo o investimento numa única direcção. Sucederam-se assim os chamados períodos do pastel, da laranja, da vinha, da baleia… todos eles condenados pelo mercado ou por contingências ambientais. Hoje em dia considera-se fundamental a diversificação. Seguindo essa estratégia e, nalguns casos, os instrumentos financeiros colocados à disposição pelo Governo, alguns investidores têm apostado na agricultura biológica. Curiosamente, na Ilha Terceira, nas Fontinhas, há um destes modernos agricultores que se orgulha de ter um negócio viável e nunca ter pedido um cêntimo ao Governo “porque não preciso!”. Ou seja, mesmo admitindo que são casos extremos, numa exploração agrícola convencional os apoios rondam os 47% (números oficiais) e, neste caso, 0%. Digam-me lá que não há aqui um nicho interessante?!
Entre os projectos de investimento privado que mais fundos do Governo têm cativado estão os na área ambiental. Quase todas as médias empresas dos Açores ligadas à construção e à metalurgia têm diversificado a sua acção para a área de gestão de resíduos. Numa sociedade moderna, com uma qualidade de vida apreciável, se há coisa que sempre se gerará são resíduos. As exigências em termos de saúde pública e salubridade ambiental exigem tecnologias avançadas e sistemas organizados. Algumas empresas, com excelentes resultados ambientais e bons resultados económicos, têm investido e aproveitado as oportunidades fomentadas pelo Governo. Parece-me um caminho a equacionar.
Algumas vozes mais interessadas na sucessão política do que na felicidade do seu povo têm-nos conduzido a uma letargia que eu considero preocupante. Evidentemente que há problemas, mas, muito mais que infortúnios, possuímos um conforto contrastante com o que existia neste país no passado próximo e, acima de tudo, há novas possibilidades. Estamos num mundo moderno que procura muito daquilo que ainda existe nos Açores.
Relembro que os títulos ganhos pelos Açores e que claramente ligam o nosso desenvolvimento ao Ambiente, colocam-nos num patamar de excelência que abre algumas das portas mais exigentes do mundo. Aqueles que têm jeito para o negócio, que não é o meu caso, por favor, olhem com atenção. É o momento de investir!

domingo, 1 de agosto de 2010

E de tanto viajar…


Uma das actividades que me ocupa muito tempo é viajar. Seja por assuntos nas diferentes ilhas, seja para apresentar novas soluções, seja para coordenar actividades no continente ou para relatar a nossa postura internacionalmente, acabo por viajar, pelo menos, uma vez por semana. Ao longo destes três últimos anos tenho acumulado uma longa experiência sobre o funcionamento dos nossos transportes, principalmente aéreos. Assim, e com a falta de modéstia que me caracteriza, aqui vão algumas dicas sobre a gestão da viagem.
Antes da viagem: tente estabelecer uma relação de proximidade e de fidelidade com o operador que trata das suas viagens. Esta boa relação permitirá que seja tratado com um cuidado acrescido, nomeadamente no que diz respeito a informações sobre atrasos, oportunidades de alteração de horários e linhas de comunicação privilegiadas. Tanto se telefona que, a certo passo, lá escapa o número de telemóvel pessoal…
Os preparativos da viagem: não viaje com bagagem no porão a menos que seja absolutamente necessário. Cumprindo as orientações em termos de transporte de líquidos, o que não é difícil, mas tem de ser previsto, raramente uma viagem até dois dias carece de mais do que uma pequena mala de mão. Principalmente quando se passa pelo aeroporto de Lisboa, em que as bagagens demoram sempre mais de meia hora a sair, quando saem de todo, evite levar bagagem de porão... De qualquer forma, tenha um livro à mão.
Durante a viagem: seja cortês com o pessoal de bordo e fale com o seu colega do lado. Raras são as vezes em que não se aprende qualquer coisa nova. Se o seu interlocutor não estiver para aí virado irá notar na primeira resposta. Todos temos dias em que, simplesmente, não nos apetece. É de respeitar.
De facto, esta coisa do “mais pesado que o ar” voar soa-nos muito estranho e, por mais que nos expliquem que é possível e que é o meio de transporte mais seguro do mundo, viajar de avião continua a gerar muitos medos, quando não pânicos. No entanto, repare, eu já viajei muitas vezes e o meu avião nunca caiu! Mais, as tripulações que me transportaram já viajaram muito mais do que eu e o avião deles também nunca caiu. É pouca ajuda, eu sei… Mas olhe que era mesmo um grande azar que fosse calhar-lhe logo a si.
Depois da viagem: Não desespere se a sua mala não saiu. Primeiro, verifique se está na bagagem fora de formato. Acontece. Depois, caso continue sem aparecer, faça a reclamação. Para que não tenha ilusões, irá perder meia hora. Primeiro para que chegue à sua vez e, depois, para que possa dar todas as informações requeridas, irá ser necessário tempo. Caso tenha por perto o livro que eu aconselhei lá atrás, estará no momento de o utilizar.
Sim, a companhia aérea é a culpada por ter sido irresponsável e ter perdido a sua bagagem e, sim, a fila é enorme e, sim, o procedimento de descrição da bagagem é moroso... Tem toda a razão, mas o funcionário que está à sua frente não tem culpa. Engula em seco e sorria! Como será o único a fazê-lo nesse dia, verificará imediatamente como irá ser bem tratado. De qualquer forma, uma coisa é certa, em mais de duas dezenas de malas desviadas, nunca perdi uma e nunca fui roubado. Num período de quinze dias, consegui ter a mala “atrasada”, como prefiro chamar-lhe, três vezes e em todas voltou a aparecer um dia depois e com todos os itens no seu interior. Não fosse o incómodo de ficar privado do material de higiene pessoal e da roupa interior lavada, até fomentaria este serviço. Sim, é que no dia seguinte, no máximo dois dias depois, a mala aparece misteriosamente no quarto de hotel ou em casa.
No aeroporto de Lisboa não use a praça de táxis das Chegadas. Nas Partidas, há uma segunda praça de táxis, com muito menos gente e em que os taxistas são infinitamente mais bem-educados. Há poucas palavras que, sem perder a compostura, permitam ilustrar as cenas a que já assisti na Praça de Táxis das Chegadas. Nos restantes aeroportos, apenas posso relatar boas experiências.
Viajar é bom. Conhecemos novas realidades, interagimos com pessoas diferentes e ganhamos experiência. Mas, não há bela sem senão… O combustível consumido nas viagens liberta dióxido de Carbono e outros compostos extremamente nocivos e catalisadores das chamadas “alterações climáticas”. Para tentarmos colmatar este efeito podemos comprar “créditos de Carbono”. Ou seja, paga-se para que alguém, em seu nome, plante as árvores necessárias para capturar o Carbono que a sua viagem libertou. É simples e deixa-nos de consciência tranquila.
E pronto. Faça viagens, muitas viagens!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Super-estrelas

Foto: F Cardigos - SIARAM.

Segundo o dicionário, o termo “super-estrela” deve ser utilizado para classificar uma pessoa célebre que tenha um raro prestígio, conhecido numa escala global e que seja proeminente ou bem sucedido em qualquer especialidade. Evidentemente, eu não conheço nenhuma celebridade. No entanto, há uns dias atrás convivi durante algumas horas com uma super-estrela. Por convite de um amigo comum, dei por mim a subir ao mais alto ponto de Portugal com o antigo jogador de futebol Pedro Pauleta.
Não sei o que vos parece, mas eu sempre pensei em super-estrelas como vedetas distantes, arrogantes, presos em jaulas de primeira classe, incapazes de mais do que um esboçar de sorriso em direcção à plebe, encarcerados em roupas, carros e festas de selecta mediocridade. Eu pensava assim. Por isso, na minha subida ao Pico, por mais que me tenham dito e redito que o Pauleta não era nada disso, já estava à espera de, no mínimo, um gigante distanciamento.
Nada mais errado.
Começámos a subir e, perante o nosso ritmo de amadores, o Pauleta avisou logo, “amigos, gosto muito de vocês, mas eu tenho de voltar a tempo do futebol.” Bom, pensei eu, isto começa mal… Acabamos de começar e já estamos na fase das despedidas… Ao mesmo tempo, tentei contemporizar, dizendo para mim mesmo, afinal de contas trata-se de um profissional deste desporto de competição, é natural que queira chegar a tempo de ver a final do mundial da sua profissão.
No percurso, a forma física, o vigor e a agilidade dele vieram imediatamente ao de cima. Enquanto nós parávamos a cada 200 metros, o Pauleta saltitava por cima das rochas abrindo o caminho sem qualquer vislumbre de cansaço. Por muito que os seus amigos mais íntimos enfatizassem que ele “está em baixo de forma”, “nitidamente cansado pelos dois jogos de beneficência que realizou ontem” e “é pena, o jantar ter sido tão longo e tão cheio de animação…”, para mim, o antigo jogador era inacreditavelmente lesto. Com os meus botões conversava e perguntava-lhes, se isto é o Pedro Pauleta cansado, abatido e moído, o que será este homem em plena forma?
A resposta foi-me sendo dada por um e por outro ao longo da subida. O Pedro Pauleta é o melhor marcador de sempre da selecção nacional de futebol, o melhor jogador de sempre da equipa Paris Saint German, de acordo com uma votação feita pelos adeptos, está no onze ideal da principal equipa de Bordéus, onde jogou durante alguns anos, e é o segundo melhor marcador da selecção nacional de Portugal em finais do campeonato do mundo. Obviamente, está no estrelato do futebol internacional, principalmente em Portugal e em França.
No entanto, o que mais me impressionou foi o contraste entre a vedeta, que é, e a humildade e a acessibilidade que demonstrou. Foram dezenas de pessoas, e não estou a exagerar, que durante a subida lhe pediram para ser fotografadas com ele. Pessoas totalmente anónimas que receberam de volta um sorriso e uma disposição sempre pronta a retornar a simpatia de que era alvo. A certo ponto, uma criança que descia da montanha dizia à sua mãe “já ganhei o dia!”. Quer dizer… Ele tinha acabado de conquistar a mais alta montanha de Portugal, mas foi a fotografia com o Pauleta que o fez ganhar o dia...
No topo de Portugal, no cimo da montanha do Pico, perto dos deuses do Olimpo que o olhavam certamente com um rasgo de curiosidade e uma mal contida inveja, o Pauleta deu entrevistas, colaborou com os jornalistas em infindáveis takes “porque o Sol não iluminou da forma certa.” Em conclusão, e era esta a principal missão desta expedição, foi uma boa ajuda para promover o Pico enquanto candidato a maior maravilha do mundo natural de Portugal. Por falar nisso, não se esqueça de votar!
Eu não sei, nunca o saberei e também, honestamente, não tenho qualquer interesse em o saber, mas, se todas as super-estrelas forem em privado como o Pedro Pauleta que eu conheci, então o mundo da elite internacional é muito mais simpático do que eu antevia. Ainda bem! 

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A lista de compras


Há uns dias atrás, no decurso de um longo e saboroso pequeno-almoço, dei por mim a dissertar sobre as possibilidades de desenvolvimento para o Faial. O meu interlocutor, o meu amigo Sr. Mário Frayão, trazia alguns desabafos sobre o desinvestimento na ilha do Faial. A minha argumentação começou por tentar ser, como sempre, positiva e encorajadora. Disse-lhe que, mais importante do que listar as derrotas, era tentar descobrir as mais-valias e lutar por elas. Penso que tive algum sucesso porque, pouco tempo depois, entusiasticamente, eu e o meu interlocutor elencávamos os pólos de desenvolvimento do Faial. Não sendo especialistas na matéria, vale o que vale, mas é o meu resumo sobre o que expressámos: 1) Marina; 2) Cultura; 3) Parque Natural de Ilha; 4) Investigação científica marinha; 5) Tecnologia e Pedagogia marinha; e 6) Distribuição de turistas.
A Marina é um óbvio pólo de desenvolvimento. Na minha perspectiva, poderiam fortalecer-se os serviços em volta da mesma, criando um prestígio que ainda não tem. Por exemplo, dar apoio legal, vender produtos marítimos, dar serviços na área da electrónica e electricidade. Para que funcionasse, e porque tenho tido ouvido algumas insatisfações, estes serviços poderiam ser divulgados, como são, mas também certificados pela Administração Portuária. O desporto ligado ao mar, com o Peter e o Clube Naval em fundo, tem uma enorme oportunidade no Faial.
A Ilha do Faial, até por os faialenses terem disponibilidade de tempo, foi e é um pólo cultural. Dificilmente se poderia esperar que, num território com apenas 15 mil habitantes houvesse tantos grupos de teatro, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, jornais, um conservatório de música… Penso que os Bandarra, o Teatro de Giz, o jornal Fazendo e a Universidade Sénior são algumas das recentes emanações muitíssimo curiosas e valiosas. A cultura faialense, obviamente, lucra do cruzamento de linguagens que os nossos visitantes mais ou menos permanentes nos vão deixando. Penso que é essencial estimular a partilha de experiências. Antigamente, havia a mania, benigna, de convidar os novos visitantes a partilhar algumas das suas aventuras de vida. Por vezes, há alguns rasgos nesse sentido, mas devia ser institucionalizado. Por exemplo, a Câmara Municipal ou a Sociedade Amor da Pátria poderiam convidar os novos, mesmo que temporários, faialenses a efectuar uma palestra pública. Alguns, até por timidez ou modéstia, não aceitariam, mas tão enriquecidos ficaríamos com os saberes daqueles que aceitassem. Que sonhos nos dariam?
O Parque Natural de Ilha do Faial representa uma enérgica forma de apresentar a nossa natureza. Haja interacções com os agentes privados e temos aqui um manancial que nem arrisco prever o potencial. Os turistas associados ao turismo natureza são os únicos que, tipicamente, usam recursos financeiros interessantes e não colocam em risco ambiental o sítio que visitam. Penso que a incorporação no Faial de novas valências ambientais, para além da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar e do Gabinete do Subsecretário Regional das Pescas, como a Entidade Reguladora para as Águas e Resíduos, a Empresa Pública Azorina e a Associação GeoParque são importantes. No entanto, sempre que isso estiver em causa, tal como outras ilhas têm os seus protagonismos, será essencial reforçarmos sempre o sector do Ambiente com a sua centralidade na Ilha do Faial.
Graças ao bom trabalho dos profissionais de Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores (DOP) liderados pelo Doutor Ricardo Serrão Santos, a investigação marinha do Faial é uma realidade. Ano após ano, num trabalho sem vacilar e sem ostentação, o Faial obtém os dividendos que a visibilidade do DOP lhe tem dado. Apenas precisamos de ir acompanhando os trabalhos, até para aprendermos com aqueles profissionais, e ajudar quando for necessário. Isso aconteceu quando foi necessário construir o novo edifício e, possivelmente, será necessário quando se pensar em substituir o Navio de Investigação “Arquipélago”.
Mais do que chorar a partida da Rádio Naval da Horta, que admito ser uma perda muito relevante, tenho-me detido no tentar encontrar alternativas. Primeiro pensei na ideia do Doutor Gui Menezes para o pólo tecnológico associado ao mar. No entanto, ao participar na entrega das Cartas de Alto-Mar aos alunos do Curso de Especialização Tecnológica do DOP, a ideia tornou-se óbvia. Porque não juntar na Rádio Naval as valências de Parque Tecnológico e Unidade Pedagógica Profissionalizante de actividades associadas ao mar? Que tal um Parque Tecnológico e Pedagógico de Assuntos do Mar na cidade da Horta? Pelo que ouvi na entrega das cartas, por parte de entidades tão insuspeitas como a Escola Naval e o Instituto Portuário e de Transportes Marítimos, esta ideia apenas faz sentido na cidade da Horta e com a sua coordenação entregue à Universidade dos Açores. Vamos por aí?
A ilha do Faial, se funcionar em conjunto com o Pico, é um excelente distribuidor de turistas. É curioso verificar que cada ilha isoladamente não funciona. Mesmo com o Instruments Landing System, a reorientação da pista, etc. o Faial sozinho não consegue. Haverá sempre uma bruma ou um vento que, em conjunto com o Morro de Castelo Branco, impedirão uma aterragem 100% segura em todas as situações. O mesmo, por outras razões, acontece no Pico. Agora, as duas ilhas em conjunto, como distribuidoras do seu próprio turismo e, adicionalmente, o de São Jorge, Flores e Corvo são imbatíveis. Finalmente, acabar-se-ia com grande parte da imprevisibilidade das viagens para o grupo central e ocidental dos Açores. Parece fácil, mas será?
Claro que, para que tudo isto funcione, temos que eliminar alguns riscos. Penso que o maior deles todos é a intolerância ou a falta hospitalidade. Da mesma forma que somos capazes de cativar, até pela nossa curiosidade inata (lá estou eu a considerar-me faialense…), também somos capazes de nos distanciarmos numa falta de paciência extraordinariamente arriscada.
Evidentemente, ao Governo cabe alavancar alguns dos investimentos estruturais mais importantes e que servirão de base ao nosso futuro comum. Mas muito mal estará um povo que se esqueça de si próprio e enjeite o seu potencial. Mais do que dissertarmos sobre uma lista de obras que podem ou não ser uma realidade, agarremo-nos aos nossos enormes pontos positivos e partamos para o futuro brilhante que temos à nossa frente, se quisermos ter a coragem de olhar!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Realmente…

Há colunistas, também neste jornal, que utilizam uma técnica abrasiva e vil que denominaria de “atiro para ser conhecido”. Com a aplicação desta técnica, não há informação, justificação, um rasgo de justiça, uma ideia original ou, sequer, um laivo de honestidade. Cegamente, atira-se em todas as direcções, até porque algum há-de acertar. Esta técnica tem a única vantagem de empurrar os visados para uma resposta e, assim, ganhar visibilidade e protagonismo. Há diversas figuras nacionais que utilizam esta técnica, mas, tipicamente, são líderes de pequenos partidos de oposição, sem crédito e sem qualquer mérito. Falam apenas para introduzir ruído e obter dividendos fáceis, estéreis, inconsequentes e perecíveis. A sua argumentação, invariavelmente, passa pela utilização de chavões populistas e apelam, de forma velada, à xenofobia. Talvez por desde tenra idade ter vivido em terra que não era a minha de nascença, noto a xenofobia à légua.
Apenas em termos de brincadeira assumida, por vezes, escrevo sobre assuntos que não domino. De resto, escrevo e publico artigos sobre ambiente, paisagem, conservação da natureza, mar e mergulho. Acontece também dissertar sobre temas culturais e sociais, mas apenas com a superficialidade de um interessado que contempla, sem me aventurar no conselho ou crítica, excepto quando informado. Pergunto, oiço, contraponho e, apenas depois, tento estabelecer as minhas conclusões e, se justificável, partilho-as.
O Ambiente dos Açores está em óptimas condições. Mas para se poder falar de Ambiente há que definir Ambiente. Para além de uma data comemorativa, o Ambiente inclui as condições atmosféricas, oceanográficas, geológicas, biológicas e ecológicas. Se o bom estado ambiental existir poder-se-á, eventualmente, usufruir do mesmo. Ou seja, há dois passos sucessivos e não transponíveis. Primeiro, bom estado ambiental e, posteriormente, o usufruto do mesmo. Centros de Interpretação, trilhos, bares, restaurantes, e outros, são muito importantes até porque permitem o usufruto e a recolha de mais-valias económicas e sociais, mas, para existirem, a primeira componente tem que ser salvaguardada. Portanto, quem quiser escrever sobre ambiente, por favor, comece de início, pelo Ambiente.
Através de diversas classificações nacionais e internacionais, o Ambiente dos Açores está certificado como possuindo uma enorme qualidade. Não sendo exaustivo, deixo apenas as classificações que dependeram da actuação do departamento de Ambiente que dirijo: Reservas da Biosfera, Áreas Ramsar, Áreas Marinhas Protegidas da OSPAR, Quality Coast e, admirem-se os menos informados, Praia de Ouro para a Praia de Porto Pim, na Ilha do Faial.
Para obter estas classificações há um trabalho de bastidores, aparentemente invisível (principalmente para quem não quer ver…), que analisa cada indústria potencialmente poluidora, monitoriza diversas variáveis ambientais e, sempre que necessário, actua. É por esta razão que, no Porto da Horta, todos os dias (não é uma crónica a cada quinzena…) mergulhadores saem para o mar e recolhem uma alga involuntariamente introduzida no nosso porto. Se esta alga se expandir, estaremos perante o maior desastre ambiental jamais ocorrido nas nossas águas.
Porque estamos conscientes que os verdadeiros problemas ambientais das nossas ilhas não são edifícios, temos lutado permanentemente contra a proliferação dos organismos invasores, pela boa gestão dos resíduos e pela salubridade da água de consumo. Entre as diferentes técnicas utilizadas, e é apenas uma delas, utilizamos a educação ambiental. E entre as diferentes técnicas utilizadas para a educação ambiental, lá está, a interpretação com os desejados edifícios e o betão associado que alguns arquitectos anseiam. Mas esse não é o Ambiente. O Ambiente é o que lhe está subjacente, é muito mais vasto e, diga-se, muito mais importante e permanente.
Entre as diferentes técnicas de educação ambiental contam-se a promoção das actividades escolares e, sem admiração, os Açores têm o maior nível de implementação de eco-escolas a nível nacional. Para além disso, dinamizamos acções em grande parte dos eventos dos Açores. Veja-se agora o caso da Feira do Mundo Rural do Faial, com o nosso Eco-Pavilhão.
Na Ilha do Faial há um subdepartamento chamado Parque Natural de Ilha do Faial. Este núcleo é constituído por trinta jovens e menos jovens que, dedicadamente, melhoram as condições ambientais do Faial. Através de acções no terreno estão a fazer (não são palavras escritas, estão mesmo a fazer!) a limpeza de flora invasora e a replantação de flora natural no Monte da Guia, Morro de Castelo Branco, Vulcão dos Capelinhos e Caldeira. Dinamizaram, em conjunto com as Freguesias, a limpeza das orlas costeiras e foram muito mais além. Estão a preparar o modelo do Parque Natural de Ilha dos Açores e não se admite que um cronista, sem qualquer pergunta fazer, ponha o trabalho deste grupo em causa. Não é fácil manter-se o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos em funcionamento, com toda a sua complexidade tecnológica, e, ao mesmo tempo, criar as valências que irão ser apresentadas nos próximos dias. Pergunte-se antes de escrever. Se não retirar o veneno dos dedos, pelo menos permite que não façamos figuras tristes ao errar completamente.
Alguns cronistas não querem saber, mas o Faial tem dos mais elevados índices de exportação de resíduos do país. Isso não significa que tudo esteja pronto, mas, como alguns cronistas deveriam saber se perguntassem antes de atirarem maldosas calúnias para a imprensa faialense, há um projecto em elaboração para requalificação do aterro controlado da Praia do Norte. E, alegre-se cronista do betão, haverá um investimento associado de seis milhões de euros!
Da minha casa olho para o Canal e vejo um porto em construção, barcos à vela e canoas encimadas pelo ponto mais alto de Portugal. Eu sou um privilegiado por viver nesta terra e, como tal, trabalho muito para a preservação e para a melhoria das condições ambientais, em primeira linha na componente da existência do bem ambiental e da sua qualidade, mas também, assumidamente em segundo plano, na sua vertente de contemplação e usufruto. Oxalá, outros, de forma crítica e participativa, percebam o mesmo já que, para alguns, a sua existência implica não morderem a própria língua...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Amnistia Internacional

O título deste artigo deveria ser “organizações não-governamentais”, já que irei dissertar sobre este tema, mas decidi realçar uma das maiores instituições do mundo e, para mim, também uma das mais importantes. De facto, a Amnistia Internacional (AI) tem 2,2 milhões de apoiantes que consideram relevante a forma como promove os direitos humanos. Um dos slogans da Amnistia é “posso não concordar com o que dizes, mas luto para que o possas dizer”.
Esta organização é um dos exemplos de dezenas de organizações internacionais que lutam para que o nosso planeta azul seja, entre outras causas também meritórias, um pouco mais justo e equitativo e onde haja maior qualidade ambiental. Para além da AI, irei abaixo destacar um conjunto de organizações que estão a mudar o mundo para muito melhor.
Cada vez que há uma catástrofe, em qualquer parte do globo, de imediato uma expressão nos assalta a memória: “Cruz Vermelha Internacional”. Digam lá que não tenho razão?! A Cruz Vermelha, também conhecida por Crescente Vermelho ou Cristal Vermelho, para não ferir susceptibilidades religiosas, é uma das mais unânimes organizações de intervenção em teatros de guerra ou de catástrofe natural. Não será inerte o facto de agregar 97 milhões de voluntários. Destaco também, os Médicos Sem Fronteiras que, ao contrário de outras com o mesmo objectivo, não permitem a auto-promoção dos profissionais que, no campo, contribuem voluntariamente para as diferentes causas humanitárias.
A UNICEF não pode ser classificada como não-governamental, mas, de qualquer forma, destaco-a para que seja dado eco da sua acção que, em muitos sentidos, acaba por ser similar às Organizações Não-Governamentais. A UNICEF é um organismo das Nações Unidas que também recebe fundos privados e, portanto, todos podemos contribuir para as diferentes acções de salvaguarda das crianças que promove.
Em termos ambientais, a nível internacional destaco a Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF) e a Greenpeace. A primeira tem uma acção mais discreta, mas muitíssimo eficiente, recolhendo fundos no mundo inteiro, junto dos seus 5 milhões de apoiantes, e dedicando-se a fortalecer as causas ambientais também nos países mais carenciados. É frequente encontrar membros da WWF nas reuniões ministeriais ou nos grupos de trabalho especializados em diversas temáticas ambientais. A acção da Greenpeace é sobejamente conhecida e reconhecida e não apenas junto dos seus 2,7 milhões de apoiantes. Esta organização voltou a surpreender quando, em 2006, veio aos Açores enaltecer as acções positivas do Governo Regional na salvaguarda do seu mar.
Em Portugal, associações como a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), a Quercus ou a SPEA merecem o nosso respeito. A SPEA (acrónimo de Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves) é um dos membros da BirdLife International, uma organização que reúne organizações de diversos países com o intuito comum de proteger as aves. Por curiosidade, um dos membros da BirdLife International é a britânica Royal Society for the Protection of Birds, uma respeitável associação com um milhão de associados pagantes.
Tanto a SPEA como a Quercus têm delegações com actividade nos Açores, mas também há organizações endógenas nos Açores como, entre outras, os Montanheiros, os Amigos dos Açores, a Gê-Questa, a Azorica ou o Observatório do Mar dos Açores.
Existem, obviamente, muitas mais organizações não governamentais idóneas e com diversos âmbitos de actividade e áreas de influência geográficas. Para além das organizações visando acções sociais e ambientais, que refiro atrás, há organizações com aproximações religiosas, outras culturais e outras apontando as suas baterias para causas laborais específicas, como as Ordens ou os Sindicatos.
Na minha opinião, ser cidadão, implica aderir a causas e lutar por elas. Portanto, seja onde for e com quem for, parece-me que o importante é mesmo participar.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Qualidade Ambiental: Açores!

Muito se fala sobre a qualidade ambiental dos Açores… O mar é azul, a componente terrestre é essencialmente verde, as montanhas são castanhas-negras de basalto e terra e as falésias são de vermelho ígneo. No entanto, será isso suficiente? Evidentemente que não. Para se averiguar qual a qualidade ambiental dum lugar, é necessário ir mais fundo, ou melhor, analisar mais detalhadamente.
Então, os Açores o que são…? Todos sabemos que são constituídos por nove ilhas dispersas pelo Nordeste Atlântico, com idades entre os 12 milhões de anos estimados para a ilha de Santa Maria e os 52 anos verificados na Ponta dos Capelinhos na Ilha do Faial, com origem vulcânica e com tamanhos entre os 17 quilómetros quadrados do Corvo e os 747 da Ilha de São Miguel. Estes dados, importantes, pouco nos dizem sobre a qualidade ambiental. Mesmo que juntemos variáveis climatéricas, como a pluviosidade, dispersa por todo ano, embora mais intensa no Inverno, ou as temperaturas amenas, entre os 15 e 25ºC, ainda pouco sabemos sobre a tal da qualidade…
Adicionemos então mais de 6500 espécies das quais 450 são endémicas. Ah… Agora sim, temos aqui um dado claramente interessante. Há 450 espécies que apenas podem aqui ser observadas. Isso parece claramente uma mais-valia… E é também uma mais-valia o facto destas ilhas estarem no meio das rotas migratórias de cetáceos e aves. Os Açores, especialmente as ilhas do Grupo Central e Oriental, são visitados por dezenas de milhares de turistas que procuram ver algumas das 25 espécies de golfinhos, cachalotes e baleias que por aqui aparecem. Já ao Grupo Ocidental (Flores e Corvo), deslocam-se ornitólogos de todo o mundo para observar algumas das mais de trezentas espécies que nos cruzam.
A população dos Açores também é especialmente interessada em Ambiente. Há dezenas de pequenas organizações não-governamentais e há projectos de elevado interesse. Num desses projectos, o SOS-Cagarro, são salvas milhares de aves marinhas por ano! Para transmitir a informação ambiental, temos Centros de Interpretação e Ecotecas. Estas estruturas foram construídas em todas as ilhas e servem exclusivamente para transferir conhecimentos sobre o mundo natural do nosso arquipélago.
Temos que saber mais. Já conseguimos compreender que há qualidade, mas será esta uma verdadeira qualidade ambiental? Adicionemos mais dados: Há mais de oitenta áreas protegidas, dezenas de planos de ordenamento ambientais e, por ano, são exportadas mais de 12 mil toneladas de resíduos.
No entanto, para garantirmos a qualidade, podemos sempre optar pelos certificados jornalísticos. O New York Times já se referiu aos trilhos de São Jorge, aconselhando vivamente a sua visita, a revista Islands colocou a Ilha do Pico entre as vinte melhores para se viver e a revista do grupo National Geographic, a Traveller, destacou os Açores como o segundo destino turístico sustentável do mundo. Há dias atrás, o Sunday Telegraph salientava os Açores, classificando-os como um dos dez melhores destinos do mundo para a observação de cetáceos.
Por certificação da Associação Bandeira Azul para a Europa, nos Açores, há dezenas de áreas balneares que ostentam a Bandeira Azul e há uma centena de Eco-escolas, o que abarca a quase totalidade do parque escolar. A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves reconheceu a importância do nosso território no que diz respeito às aves, tendo recomendado a criação de várias áreas protegidas, as quais têm sido, na totalidade, integradas nos Parques Naturais de cada Ilha. A própria UNESCO reconheceu a qualidade ambiental dos Açores tendo classificado três ilhas, na sua totalidade, como Reservas da Biosfera: Corvo, Flores e Graciosa e, entre as duas zonas classificadas como Património da Humanidade, uma delas tem um cunho ambiental muito próprio: a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico. Estamos também a preparar o caderno de candidatura para a criação do GeoParque dos Açores. A Convenção Ramsar classificou 12 sítios dos Açores como especialmente relevantes para o papel que a água aí desempenha nos serviços prestados à conservação da natureza. A União Europeia classificou nos Açores 40 sítios como pertencentes à Rede Natura 2000: 15 Zonas de Protecção Especial para aves, 2 Sítios de Importância Comunitária (Menez Gwen e Lucky Strike, as duas mais importantes fontes hidrotermais de grande profundidade da ZEE dos Açores) e 23 Zonas Especiais de Conservação. A Comissão OSPAR classificou sete Áreas Marinhas Protegidas nos Açores, uma das quais já fora da Zona Económica Exclusiva dos Açores. Ou seja, a comunidade internacional pertencente à Comissão OSPAR reconheceu os esforços e a competência dos Açores a um tão elevado nível que lhe atribuiu a autoridade de gerir a Fonte Hidrotermal de Grande Profundidade Rainbow, um sítio já para lá da Zona Económica Exclusiva. Caso único na Europa.
No caso específico dos cinco locais dos Açores candidatos a maravilhas do mundo natural de Portugal, temos a destacar que a Ilha do Pico tem classificações como Zona Especial de Conservação, inerente à Directiva Habitats (Rede Natura 2000), Zonas de Protecção Especial, inerentes à Directiva Aves (Rede Natura 2000), tem uma área Ramsar, o Canal Faial-Pico está classificado através da Comissão OSPAR como Área Marinha Protegida e há na ilha diversas Áreas Importantes para as Aves. A Ilha do Pico é, legalmente e factualmente, um Parque Natural de Ilha.
Furna do Enxofre é um Monumento Natural do Parque Natural de Ilha, localiza-se no coração da Reserva da Biosfera da Ilha Graciosa e está classificada como Área Ramsar.
Algar do Carvão localiza-se na Ilha Terceira, é um Monumento Natural Regional, possui diversas espécies endémicas e pertence a uma Área Ramsar.
Lagoa do Fogo é uma Reserva Natural do Parque Natural de Ilha de São Miguel, é Área Ramsar e é Zona Especial de Conservação ao abrigo da Directiva Habitats (Rede Natura 2000).
Lagoa das Sete Cidades é uma Área de Paisagem Protegida do Parque Natural de Ilha de São Miguel e é Área Ramsar.
Se tudo isto não é qualidade ambiental, então o que será?

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Fortes Maravilhas!


Foi recentemente anunciado que os Açores têm 5 sítios na “lista curta” das candidatas a 7 maravilhas do mundo natural de Portugal. Entre 21 possíveis, 5 são dos Açores. Obviamente, fico muito contente porque este é um reconhecimento do valor ambiental da Região e porque nos dá uma elevada visibilidade no que diz respeito ao turismo natureza. No entanto, por outro lado, das 18 maravilhas que faziam parte da listagem anterior, houve treze excluídas e isso, se, por um lado, reflecte uma necessidade estatística de representatividade do país, também, acaba por relegar para segundo plano alguns belíssimos sítios do nosso arquipélago.
Portanto, resolvi, com este artigo, também prestar memória aos excluídos e, antecipadamente, quero reiterar que o foram porque, provavelmente, não são tão conhecidos do emérito júri que fez a selecção ou o mediatismo dos locais seleccionados foi mais elevado. Costa Noroeste do Corvo, Caldeira e Capelinhos no Faial, Zona Central, Complexo Hídrico das Fajãs e Costa Leste das Flores, Costa Sul do Pico, Complexo Ilhéus das Formigas e Recife Dollabarat em Santa Maria, Fajã da Caldeira de Santo Cristo e dos Cubres e Algar do Montoso em São Jorge, Paisagem Protegida das Furnas em São Miguel, Caldeira de Santa Bárbara na Terceira e Fontes Hidrotermais de Grande Profundidade são, quanto a mim, dos mais belos locais do mundo e todos mereciam ter estado na final.
Os votantes terão agora que escolher entre 21 belíssimos locais do nosso país seleccionados. Não há dúvida que, tal como os 77 sítios da listagem anterior, todos estes 21 sítios merecem estar na lista final. A escolha do júri deve ter sido realmente difícil…
Entre os açorianos também não será fácil seleccionar. Mais vale votar em todos!
Na categoria “Grandes Relevos” temos a montanha mais alta de Portugal, associada à Paisagem da Vinha, Património da Humanidade, à Gruta das Torres e às 25 espécies de baleias, cachalotes e golfinhos no mar circundante. Na categoria “Grutas e Cavernas” temos dois sítios (será mesmo necessário escolher…). Na Ilha Graciosa, em plena Reserva da Biosfera dos Açores, temos a Furna do Enxofre, a maior abóbada vulcânica da Europa, e, um pouco mais longe, na Ilha Terceira, temos o Algar do Carvão, um pequeno local vulcânico tão especial que possui espécies de artrópodes endémicas do mesmo. Na categoria “Zonas Aquáticas Não Marinhas” está a esplendorosa e majestática Lagoa das Sete Cidades, paisagem deslumbrante com o maior reservatório de água doce superficial dos Açores e, também, um ícone das Ilhas. Na categoria “Zonas Protegidas”, no meio de São Miguel, está a Lagoa do Fogo, local prístino (intocado), defendido a todo o custo pelos micalenses e açorianos.
Já sabemos que, no máximo, apenas duas áreas dos Açores farão parte das 7 maravilhas finais. Que fazer? Não é fácil… Para o ajudar a votar, há mais informações e boas orientações no sítio internet da organização (http://www.7maravilhas.sapo.pt). Bons votos!
Melhor ainda do que votar, é usufruir destes locais e nós, que vivemos nos Açores, temos uma vantagem adicional. Repare-se que, estatisticamente, caso houvesse uma Distribuição uniforme, deveríamos ter 1/7 dos locais seleccionados, dado existirem 7 Regiões em Portugal para efeitos deste concurso. Isso, caso tivesse acontecido, deixaria os Açores com 14% dos sítios. Mas, curiosamente, tivemos 24% dos 21 finalistas, ou seja, mais 10% do que seria espectável. Posto de outra forma, em pleno Ano Internacional da Biodiversidade, à porta de nossas casas, estão grande parte das fortes maravilhas do mundo natural de Portugal!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Painho de Monteiro

Há pessoas que recordaremos para sempre com saudade e estima. O sorriso, a bondade e o génio científico do Luís Monteiro ir-me-á acompanhar enquanto a memória não me falhar. Todos deveríamos ter como um dos objectivos de vida ser recordados com o mesmo apreço com que o Doutor Luís Monteiro é. Eu tenho esse desejo.
Ele não me contou, possivelmente não terá contado a ninguém, mas, partindo dos poucos dados relatados em artigos científicos, eu imagino esta história como a irei relatar. Estava o Luís a efectuar trabalho de campo no Ilhéu da Praia, na Ilha Graciosa, Reserva da Biosfera dos Açores, quando reparou que o assobio de uma ave não correspondia com o que deveria esperar daquela espécie. O Luís era um ornitólogo de elevada craveira e, pelo cantar, tinha a capacidade de identificar as aves, o seu género e, quem sabe, até o humor daquele animal em particular. Neste caso, a menos que a ave estivesse constipada, a imagem do painho não batia certo com o piar. O que estaria a acontecer…? Daí para a frente, imagino ainda, o Luís deve ter passado a registar os cantos e as ocorrências dos painhos para tentar desvendar o mistério.
O que se tem a certeza é que, a certo passo e tendo como base o canto destas aves, o Luís postulou que havia duas populações de painhos das tempestades no Ilhéu da Graciosa: a população de painhos de Verão e a de Inverno. Mais ainda, ele especulou que, apesar de não existirem diferenças morfológicas evidentes, provavelmente, estaríamos na presença de duas espécies. Uma delas seria o Oceanodroma castro, que habita os Açores, a Madeira e as Galápagos, e, a segunda, a da população quente, uma nova espécie para a ciência. Mas como prová-lo? O canto não seria suficiente e os indivíduos das duas populações são mesmo muito parecidas… Só havia uma solução: a análise genética. Havia que analisar o DNA e verificar se eram basicamente iguais ou se as diferenças eram suficientes para justificar uma nova espécie. De imediato começaram as recolhas, mas, para ter uma amostra robusta, foi necessário algum tempo. Tempo demais para o Luís.
Apesar de não ter sobrevivido para constatar que as suas observações e indícios estavam completamente correctos, por uma questão de justiça, o painho que nidifica apenas no Ilhéu da Praia, na Ilha Graciosa, chama-se hoje Painho-de-Monteiro ou, para os cientistas, Oceandroma monteiroi.
Em pleno Ano Internacional da Biodiversidade, apraz-me registar que a publicação científica que estabelece a nova espécie não foi alvo de qualquer contestação e, portanto, contrariando Charles Darwin, os Açores têm uma biodiversidade extremamente interessante e que inclui, agora, cerca de 450 espécies endémicas. Mas, complementarmente, sendo uma espécie que, no mundo inteiro, “de Bissau a Palau”, apenas nidifica no pequeno ilhéu graciosense, esta ave está, obviamente, em perigo crítico. Ganhamos uma espécie, mas colocou-se-nos a enorme responsabilidade de a gerir correctamente.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Micro contributo para a Justiça de Portugal

Fui ao tribunal! Por indicação de um Senhor Juiz, prestei declarações no âmbito de um determinado processo. Obviamente, e até porque é um processo em curso, não o irei comentar. Posso, no entanto, comentar o procedimento em si, visto não ser esse que está em julgamento. Vale a pena pensar nisso porque, estando a Justiça numa enorme encruzilhada, alguma reflexão, quiçá contributo, poderá ser útil.
Recebi uma carta indicando que daí a alguns meses deveria ir ao edifício do Tribunal da Horta prestar declarações. Como não havia indicação sobre o tema, aguardei e, no dia mencionado, cinco minutos antes da hora marcada, lá estava eu no local previsto. A senhora funcionária do Tribunal mandou-me entrar, identificou-me, advertiu-me sobre as minhas obrigações e deu-me as perguntas. Estavam escritas e eram apenas duas. Eu respondi, a senhora transcreveu as minhas declarações e, dez minutos depois, estava pronto.
Quando ia a sair, pus-me a pensar… Porque é que eu tinha ido até ao Tribunal…? As perguntas eram simples, lacónicas e de resposta absolutamente inconsequente. Tinha bastado um telefonema para me fazer estas perguntas, sem qualquer gasto para os Tribunais. Este processo pode ter estado meses parado à espera de respostas a duas perguntas! Realmente… Foi necessário um juiz para fazer um despacho com as questões, um funcionário para transcrever o despacho, uma carta a circular pela Região Autónoma dos Açores, um funcionário para me receber e transcrever as minhas respostas e uma impressora para que as respostas ficassem num papel onde eu as pudesse assinar. As declarações terão agora que ser devolvidas ao tribunal de origem, recebidas pelo correspondente funcionário administrativo, analisadas pelo juiz que, se tiver dúvidas, terá de percorrer todo o caminho inverso. Até fico tonto ao tentar perceber este percurso…
Com todo o respeito, porque é que o senhor juiz não me telefonou?! Na época das escutas telefónicas, que servem para fazer todo o tipo de investigações (o que até fica mal ao Estado), porque é que o juiz não me telefonou e me fez aquelas perguntas? Disseram-me que “não pode ser…” e “isto são coisas sérias, não podem ser resolvidas pelo telefone…” Apeteceu-me rir… Um primeiro-ministro pode ser posto em causa por causa de escutas telefónicas promovidas pelo sistema judicial, mas a mim não me podem interrogar pelo telefone. Devo ser muito importante… Não me ri porque respeito as instituições do Estado Português e pela senhora funcionária do Tribunal que foi correctíssima, mas, de facto, isto está feito para não funcionar.
Eu vou muito poucas vezes a Tribunal e, se calhar, o meu caso foi uma excepção. Oxalá seja. Se não for, alguém que reveja os procedimentos judiciais. Eu posso dar outros contributos que não escrevo aqui para não me tornar maçador, mas as pessoas que trabalham nos tribunais que façam um simplex. Como eu vi, não faz sentido. Simplesmente.