sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Robots assassinos

Veículo subaquático autónomo "Infante" sendo testado no Canal Faial-Pico em 2003.
In: Relatório Anual de 2003 do Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico.

Em 2029, super-computadores dominam o mundo, determinados a eliminar a raça humana. Para destruir o futuro da humanidade enviam um cyborg indestrutível - um Exterminador - para o passado, com a missão de matar Sarah Connor, a futura mãe do líder da resistência humana, John Connor”. Esta poderia ser a simples sinopse de um filme de ficção científica de sucesso [*]. Ou não…
Lendo uma mensagem de correio electrónico de meu colega Eng. Luís Sebastião, registo “No início parece um género de um controlo de formação e, depois, com um pouco de processamento de imagem levam a medusa para um motor que a destrói em segundos...”. Trata-se da descrição de um teste de robots aquáticos feito por uma equipa estrangeira. Estes robots, automaticamente e através de sistemas computacionais muito avançados, detectam e destroem águas-vivas [*]. O sonho do veraneante…
Claro que, desenganem-se, o objectivo essencial destes “animais de ferro” não é propriamente proteger os banhistas, até porque, apesar de destruídos, os componentes das águas vivas continuam activos e viáveis o tempo suficiente para ainda irritar. O objectivo prático é apenas impedir que os sistemas de refrigeração das grandes indústrias fiquem entupidos com medusas, como aconteceu recentemente numa central nuclear sueca [*]. Não posso dizer que não seja importante, até porque sabemos quais as consequências que podem resultar de uma central nuclear que deixa de ser refrigerada… [*]
No entanto, tentar matar um problema raramente é boa solução. Sabe-me a pouco e a fraco. Porque não, em alternativa, concentrar esforços em mitigar a base do problema que, no caso das águas-vivas, aparentemente, são as alterações climáticas globais. Dizem alguns entendidos que as temperaturas mais quentes promovem a proliferação destes seres gelatinosos. Ao mesmo tempo, o decréscimo das populações de predadores, vítimas da pesca involuntária, como é o caso das tartarugas e dos peixes-lua, também parece dar uma ajuda neste crescimento populacional involuntário. Portanto, diria eu, seria apropriado concentrar os nossos esforços no combate à libertação de Carbono na atmosfera e não em construir letais robots subaquáticos. Aliás, um parêntesis para dizer que bom mesmo era acabar com aqueles outros robots que matam humanos à distância e sem julgamento e a quem deram o pomposo nome de “drones”. [*]
Também não me agrada nada que se transforme o mar à medida do homem. Não é assim. Na minha convicta opinião, o mar deve ser deixado tão pristino quanto possível e de lá devemos tirar, sustentavelmente, os recursos que necessitamos. Não temos o direito de transformar o Oceano numa fria aquicultura.
O Mar é Selvagem! Podemos lá ir buscar algum alimento e algumas soluções, estudá-lo, usufruir da sua rebeldia e imprevisibilidade mas, penso eu, não temos o direito de o modificar. Esta aproximação robótica é triste, fria e demasiado antropogénica para o meu gosto.
Com tudo isto, não pensem que sou contra a robótica ou, em particular, contra a robótica submarina. Nem pensar! Sou um entusiasta e vibro com os esforços do Institutode Sistemas e Robótica da Universidade Técnica de Lisboa, parceiros do DOP/UAç, para ultrapassar os problemas com que se confrontam diariamente. Principalmente quando se tentam conceber veículos subaquáticos autónomos (os AUVs), que têm enormes desafios associados ao controle de navegação, às comunicações e à economia de energia, há que reconhecer que esta é uma ciência de ponta. É uma ciência que cria instrumentos que auxiliam os cientistas do mar no estudo dasfontes hidrotermais de grande profundidade, dos montes submarinos e das grandes massas de água. Utilíssimo e fascinante, sem dúvida nenhuma.

Pela minha parte, desde que não lhes instalem instrumentos de matar, eu gosto imenso de robots. Desde aqueles que construíamos em legos até aos que, com várias toneladas, já vimos a ser testados no Porto da Horta, todos são fantásticos exemplos do melhor que a mente humana tem para oferecer.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

As coisas que vamos aprendendo…

Exemplo de mapeamento de habitats no Canal Faial-Pico.

Ao regressar ao Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, após uma ausência de sete anos, interrogava-me sobre qual seria a grande novidade científica que me iria abismar. Estando relativamente a par do que se passa no estudo do mar, não podia ser uma novidade bombástica, daquela que se lê nos jornais. Essa, eu saberia. Portanto, estava curioso sobre aquela novidade deliciosa e esquiva, em que ainda não teria colocados os olhos. Ansiava por aquele momento em que dissesse um ingénuo disparate e me respondessem: “Mas nós já sabemos isso!”
Não tive que esperar muito…
Há novas espécies alienígenas marinhas nos Açores publicaram, entre muitos outros, os meus amigos Ricardo Cordeiro, Sérgio Ávila, Ana Costa (de São Miguel) e António Malaquias (vive na Noruega e é casado com uma faialense), o negócio do turismo de observação de jamantas [*, **] está em crescimento, não apenas nos Açores [**], mas no mundo inteiro [*], foi encontrada uma nova fonte hidrotermal de grande profundidade nos Açores [*] e as alforrecas estão a crescer em número porque os oceanos estão mais quentes, descobriram cientistas do Mediterrâneo [*, *]. Curiosamente, segundo estes cientistas, a nossa amiga água-viva (Pelagia noctiluca) [*] é uma das grandes beneficiadas. Estas foram algumas das primeiras novidades com que me bafejaram. Tanta coisa nova…
No entanto, o que mais me impressionou foi ficar a saber que foram definidos novos e variadíssimos habitats marinhos. Ou seja, houve um colega, o meu colega de gabinete Fernando Tempera, que passou muitas horas a observar vídeos da maioria das grandes expedições científicas e conseguiu sistematizar conjuntos de espécies e relacioná-los com as principais características biofísicas (como a profundidade e o tipo de substrato). É um daqueles trabalhos que exige muito conhecimento, para conseguir identificar todas as espécies, e uma enorme paciência…
Quando olhamos para a paisagem terrestre, distinguimos facilmente florestas, pradarias, praias, entre muitas outras. O mesmo aconteceria debaixo de água se conseguíssemos ver. Este colega abraçou a missão de tentar encontrar o equivalente a estas agregações até vários quilómetros de profundidade. Os vídeos recolhidos pelos submarinos [*, *] e veículos de operação remota (ROV) [*], transportados a bordo dos enormes navios de investigação que amarram no porto da Horta [*, *], foram escalpelizados detalhadamente e os resultados surgiram.
E, no campo dos mistérios que continuam sem resposta, aqui deixo alguns dos desafios que motivam os colegas da Universidade dos Açores: para onde vão as jamantas quando saem dos Açores? Porque aparecem mortas as baleia-de-bico apenas nas duas últimas semanas de Julho? Que espécies de profundidade que habitam o Mar dosAçores têm propriedades medicinais? Onde se acumulam as grandes concentrações de metais no mar profundo? Qual é o impacto esperado da atividade de mineraçãodos mares? Como irá evoluir a invasão de Caulerpano porto da Horta? Porque há espécies [*] que vivem em abundância no Faial e Pico, mas estão totalmente ausentes das restantes ilhas dos Açores? O que acontecerá com a acidificação dos oceanos consequente às alterações climáticas? Como irão evoluir as pescarias dos Açores? São tudo boas perguntas, para as quais há hipóteses explicativas, mas ainda não há verdadeiras respostas. Essas emergirão do estudo e dedicação dos cientistas dos Açores.
Ah, que mundo lindo este que está absolutamente cheio de maravilhosas perguntas! Melhor que o mistério da nossa ignorância é a conquista de uma resposta. Uma resposta. Uma boa resposta é o que espero conquistar até ao final do ano. Quando a tiver, aqui estarei a partilhá-la!

Exemplos de facies do mar profundo dos Açores.
(imagens de EMEPC, IMAR/DOP-UAz; Greenpeace (c) Gavin Newman; SEAHMA
in: Tempera, F, JN Pereira, AB Henriques, F Porteiro, T Morato, V Matos, M Souto, B Guillaumont, RS Santos (2012). Cataloguing deep-sea biological facies of the Azores.
Revista de Investigación Marina, 19(2): 36-38)