sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Caça Submarina


É-me difícil contemplar um animal vivo e, depois, tirar-lhe a vida.
Dasyatis pastinaca, ratão, fotografado no Recife Dollabarat.
Foto: F Cardigos SIARAM.

Era ainda um jovem quando me vi nesta situação. Na ilha do Corvo, eu e uns amigos tínhamos decidido ir fazer caça-submarina. Entrámos na Praia da Areia e nadámos para norte. Quando estávamos precisamente numa zona chamada Cabeço do Xavier, hoje classificada como Rede Natura 2000, um lírio com 4 ou cinco quilos aproximou-se de mim. Para mim, jovem citadino, aquele era o maior peixe! Hoje sei que os lírios podem ter até cerca de 50 quilos. Aquele estava, portanto, longe de ser um grande exemplar, mas, naquele momento era mesmo “o peixe!” pai e avô de todos os outros peixes.
Olhei para os meus colegas de caça e eles, a pouca distância, esbracejavam indicando claramente que eu devia disparar. A arma tinha os elásticos esticados e eu podia disparar a qualquer momento. Nem tive que mergulhar. Bastou apontar a arma e carregar no gatilho. O peixe arpoado partiu o cabo e caiu para o fundo nadando naquela que para si seria a derradeira espiral.
Antes de o ir recolher, detive-me a olhar para o peixe cuja curiosidade tinha sido por mim compensada com a sua morte. Senti-me mal. Continuei a fazer companhia aos meus colegas de mergulho, mas aquela seria para mim a última vez que caçaria por prazer.
Depois disso, por razões profissionais, tive que “fixar” (termo chique que os cientistas usam para dizer “matar”) muitos animais e plantas. Também, para alimentação, fiz mais uma vez ou outra caça-submarina. Não me dá qualquer prazer e, cada vez que o faço, interrogo-me se é realmente necessário retirar a vida daquele organismo em particular.
De um modo mais geral, hoje, pragmaticamente, entendo que a caça-submarina é um desporto exigente e compensador. Dado o tempo que se passa dentro de água, a caça permite uma boa adaptação ao meio e o estudo detalhado do comportamento animal. Ao mesmo tempo, não entendo como há pessoas que são capazes de desrespeitar a lei, nomeadamente, apanhando mais animais do que a lei permite, desrespeitando as espécies protegidas ou caçando em zonas classificadas por razões de conservação da natureza. Nutro, portanto, uma relação de amor-ódio por esta atividade.
Para se poder caçar é necessário ter mais de 16 anos, uma licença em dia e válida para o local em causa e equipamento de sinalização (para não ser atropelado por uma qualquer embarcação). Reforçando a necessidade de segurança do caçador, é necessário ter em atenção que, em caso de acidente, haverá, eventualmente, outras pessoas envolvidas no salvamento e, algumas delas, poderão também arriscar a sua própria vida. O meu conselho é que os interessados na atividade leiam alguma literatura sobre a temática e frequentem os clubes navais. Mesmo que não haja cursos formais de caça ou apneia, os clubes são excelentes polos para aprender as regras e as manhas desta interessantíssima atividade.
Ao crepúsculo, num qualquer recanto costeiro dos Açores, é possível sentir o cheiro de uma veja grelhada ao ar livre. O adivinhar do sabor e a antecipação da companhia é das boas memórias que um dia levaremos desta vida… e tudo pode ter começado numa bela tarde de caça-submarina.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

As cores de Portugal



A bandeira portuguesa em 1143.
In: wikipedia.

A partir de 1911, a recém-formada República Portuguesa estabeleceu que seria representada por uma bandeira verde e vermelha, as cores do Partido Republicano. Graças ao Estado Novo, esta bandeira impôs-se e hoje a grande maioria dos portugueses sente-se identificado com este símbolo nacional. Que fique claro que, para mim, não o é. As cores de Portugal são o branco e o azul. Aliás, como o nome de Portugal, para mim, é “Portugal” e não “República Portuguesa”. Esta coisa de misturar regimes com nações é redutora e, no nosso caso, alienante de uma parte dos portugueses que não se identifica com a República. Que fique também claro que, entre os defeitos que têm todos os regimes, eu prefiro a democracia republicana.
Não me parece que se devam mexer nos símbolos de um país, a menos que haja uma razão tremendamente importante. É até porque penso dessa forma que não me parece que se deva agora perder muito tempo a pensar em voltar à forma anterior. O erro está feito. Aliás, o mesmo se poderia aplicar ao hino, também alterado pelos republicanos… Ressalva apenas para dizer que o “Hino daCarta” era o Hino de Portugal apenas desde 1834, portanto, um jovem quando comparado com as cores da bandeira, com a língua ou com o país.
Começo desta forma para enfatizar que os pilares simbólicos da nação, como a bandeira, a língua e o hino, não devem ser tocados. Da mesma forma, o Presidente da República não deve ser deposto, a Constituição não deve ser suspensa e a Cultura deve ser sempre apoiada.
Acontece que nos últimos anos, os governos da República já alteraram a língua, com um inexplicável acordo ortográfico, a Constituição está claramente suspensa e a Cultura está a ser menorizada, como ficou patente com a passagem de Ministério a Secretaria de Estado.
Estava-se em plena segunda grande guerra quando o primeiro-ministro inglês se negou a cortar o apoio à Cultura para favorecer o esforço bélico. Segundo Wiston Churchil, se não houver Cultura, porque é que estavam a lutar?
Em particular, o desrespeito pela Constituição é gravíssimo. Como podem os dirigentes políticos da administração pública jurar a Constituição e, depois, desrespeitá-la? Até o próprio Presidente da República já teve de referir que o orçamento de Estado não pode desrespeitar a Constituição, remetendo a “batata quente” para o tribunal constitucional. No entanto, que dirá o militar que tem de defender a Constituição com a própria vida? Na minha opinião, desrespeitar a Constituição é um passo muito grande em direção à anarquia ou à submissão a outros interesses que, menorizada a Constituição, se lhe poderão sobrepor. Ao fazer efetivos esforços para reduzir o Estado Social, menorizar a Cultura e desrespeitar a Constituição, o atual Governo da República está a contribuir para esbater a nossa relação connosco próprios, enquanto sociedade organizada e orgulhosa de si mesma.
Por tudo isto, restam algumas soluções. A primeira é que o Tribunal Constitucional diga, como já o fez antes, que esta é uma situação “de facto”, pelo que nada há a fazer. Poderemos então, à portuguesa deste Portugal contingencial, dizer que “é o que temos” e “culpar” o Tribunal. O Estado Social continuará a esbater-se até termos o apoio aos desfavorecidos transformado em esmola aos pobrezinhos e a Cultura será metamorfoseada em caricatura de um país perdido de si próprio.
A quem interessa isso? Nem a Direita portuguesa parece estar a gostar do caminho. Então, a quem interessa? Será que os países do centro da Europa precisam de mão-de-obra barata na periferia? Será que a nossa miséria (e da Grécia, da Espanha e da Itália) é essencial para travar o crescimento económico da China? Será isso? Sou muito pouco adepto das teorias da conspiração, mas o que leva a tentar reduzir o Canal 2 da RTP, as delegações da televisão nas Regiões Autónomas e a Antena 2 a elementos vestigiais? Que leva a simplificar ad nauseam os despedimentos? Que leva a que o Ministro das Finanças bloqueie a economia, literalmente, esvaziando os bolsos da generalidade dos portugueses para “alimentar” a Banca? Que leva o Governo da República a sufocar financeiramente as Regiões Autónomas, criando até o estatuto de “residente nos Açores” para o acesso ao Sistema Nacional de Saúde? Portugueses de quê? Nem me atrevo a responder, tal o embaraço.
Haverá alternativa? Penso que sim. Na minha opinião, é urgente que o Presidente da República designe um Governo de iniciativa presidencial que suspenda as medidas anticonstitucionais do Memorando da Troika. Não é o respeito de um Tratado precipitado ou as prioridades de um Governo que devem colocar os valores nacionais em causa. Esses são os mais importantes. O resto é dinheiro e tempo. Felizmente, a Europa tem o primeiro e o segundo teremos conjuntamente de o encontrar.