quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Em Dia Mundial do Mar

Imagem topográfica do Banco D. João de Castro (Açores)
obtida pelo Projecto ASIMOV (1998).

O Dia Mundial do Mar foi instituído pela Organização Marítima Internacional (IMO), uma das agências da Organização das Nações Unidas, e é celebrado na última semana de Setembro ou primeira de Outubro, sendo o dia específico deixado à escolha de cada Governo. Este ano, Portugal alinhou pela data apontada pela IMO e celebra hoje, dia 26.
Sendo a IMO uma instituição orientada para a segurança dos navios e do tráfego marítimo é com naturalidade que o tema escolhido este ano verse a importância do Sistema de Transporte Marítimo Internacional. Pelo que tenho observado, há realmente um empenho superlativo na tentativa de conceber melhores navios, capazes de transportar cargas com menor prejuízo ambiental e com maior eficiência económica.
Neste momento, por exemplo, a empresa VikingLine já possui um grande navio de transporte de passageiros cujo motor principal funciona com Gás Natural Liquefeito. Segundo um dos representantes do operador, de quem tive a oportunidade de ouvir uma interessantíssima palestra, os níveis de compressão obtidos na liquefação são da ordem das 600 vezes. É ótimo para ambiente, mas mau para as intenções de estabelecimento de um posto abastecedor para o tráfego internacional nos Açores. Se a tecnologia continua a avançar desta forma, dificilmente nos tornaremos um ponto de paragem obrigatória para os navios que cruzam o Atlântico Norte.
Um dos grupos de trabalho da IMO está a trabalhar na redução do ruído subaquático [ver páginas 40-43, *]. Este é um tema para muitos desconhecido, mas de primordial importância. Grande parte dos cetáceos comunica com base nos sons que emitem [*] e o ruído provocado pelo somatório das embarcações está longe de ser inerte [*]. Em certas zonas, como na costa Ocidental de Portugal Continental, falar, para os cetáceos, deverá ser como tentar comunicar na discoteca da moda às duas da manhã... De facto, as grandes baleias, capazes de fazer as suas longas canções circular até milhares de quilómetros de distância, estão hoje muito limitadas na captação destes sons [*].
No passado, houve grandes problemas causados por ensaios de deteção militar submarina utilizando baixas frequências sonoras. O resultado dessas tentativas foi uma elevada mortalidade em baleias-de-bico [*]. Felizmente, pararam.
Os objetivos são ambiciosos e do conhecimento público. Pretende-se reduzir as emissões de CO2 relacionadas com o transporte marítimo em 30% até 2020 e, imagine-se, 80% até 2050! A redução esperada de óxidos de azoto e enxofre (também conhecidos pela estranha sigla NOxSOx) é de 100% até 2050 [*, *, *]. Melhor não seria possível. Em termos de som, aponta-se também para uma redução considerável: 3dB até 2020 e 10dB até 2050!
Há também ambiciosos objetivos traçados para o aumento da segurança marítima e essa passa muito pelo que faz uma instituição que tem sede em Lisboa. A Agência Europeia para a Segurança Marítima (EMSA) faz uma auscultação permanente ao tráfego marítimo europeu e emite avisos e recomendações. O projeto mais emblemático desta agência, o SafeSeaNet, que permite aos Estados membros da União Europeia, à Noruega e à Islândia, fornecer e obter informações sobre o movimento de embarcações, já tem milhares de utilizadores permanentes [*, *].
Apesar dos transportes marítimos serem um sector de importância primordial para os Açores, penso que o mar, felizmente, é muito mais do que uma enorme estrada aquática. Lá, nesse vastíssimo mar, está o alimento, a inspiração, a ciência, a recreação e a aventura. Este Mar dos Açores, que até há pouco apenas usávamos para transportes, comunicações submarinas (cabos) e para as pescas, começa a revelar parte do seu vasto potencial. Vemos, nomeadamente, possibilidades relacionadas com a aquacultura, biotecnologia com base em organismos do mar, mineração dos fundos marinhos, turismo [*] e energias offshore. Estas prioridades não são apenas uma visão pessoal. Nada disso. Estas são as prioridades da pragmática Comissão Europeia em termos de orientação de investimento [*, *, *, *]. Portanto, este não é apenas o caminho, mas é dos poucos caminhos que serão beneficiados pelos milhões que a Comissão colocou à disposição dos Açores para investimento nos próximos anos.
Ao Governo dos Açores caberá, como bem tem feito, distribuir verbas pelos investidores e dotar-se a si próprio das ferramentas que lhe permitam estudar o mar, vigiá-lo e fiscalizá-lo. Seja em cooperação com instituições como a Universidade dos Açores, a Marinha de Guerra Portuguesa e outras entidades, ou reforçando as Inspeções Regionais do Ambiente e das Pescas, terá de ser capaz de acompanhar e estimular o uso sustentável do vasto oceano. Olhando para as decisões feitas ao mais alto nível, apenas tenho de estar confiante.
O mar esconde segredos que poderão colocar os Açores em posição privilegiada para ajudar a resolver os problemas financeiros de Portugal [*], poderão solucionar algumas das doenças que o século XXI ainda herdou [*] e poderão inspirar as gerações futuras como o fizeram com as gerações passadas [*, *]. Certamente, iremos multiplicar por várias vezes as duas mil espécies já registadas no nosso mar [*, *], iremos descobrir novas substâncias e iremos encontrar soluções engenhosas para situações de poluição excessiva. Para que tudo isto aconteça nos 9 milhões de quilómetros cúbicos de água salgada que envolvem as nossas ilhas “apenas” é necessário investimento, conhecimento e organização.
Este é o mar real. Aquele mar que temos à beira das nossas ilhas e que insiste em se insinuar, como uma benigna caixa de Pandora.
Impõe-se, no entanto, tecer umas breves considerações sobre informações que têm circulado na comunicação social sobre gigantescos e misteriosos artefactos subaquáticos entre as ilhas da Terceira e São Miguel [*: tela de Carlos Carreiro que mostra claramente a "pirâmide"]. A primeira observação, como não poderia deixar de ser, é que a Universidade dos Açores possui batimetria detalhada dos fundos marinhos. Tanto o Departamento de Oceanografia e Pescas, para mapear os habitats marinhos [*], como o Departamento de Geociências, para compreensão da lógica geológica marinha, têm mapas com elevada precisão dos mares dos Açores. Não teria sido boa ideia enviar os dados obtidos pelo navegador recreativo para qualquer destes departamentos, para que os pudessem verificar? Para além disso, não seria normal e lógico que, a haver uma missão de exploração daquela informação, esta se fizesse com base nos navios de investigação do Governo dos Açores e que são geridos pelo Centro do Instituto do Mar da Universidade dos Açores? Ou usando o submarino da Fundação Açoriana Rebikoff-Niggeler? Sinceramente, desde a publicidade irrefletida e exagerada [*] a uma alegação altamente duvidosa [*], até à reação das entidades responsáveis [*], parece-me que esta é a forma errada de tratar o mar que pretendemos que seja nosso. Nas obras de ficção com palco no Mar dos Açores, como no “Capítulo 41” de Pedro Almeida Maia, que aproveito para aconselhar, este tipo de referências são plausíveis e desejáveis, mas em órgãos de comunicação social? Como se fizesse parte de uma inquestionável realidade? Isso não.

O mar real, com os seus fundos palpáveis, com organismos marinhos, com a sua cultura marítima e com espaço para infinitas atividades aquáticas, é suficientemente complexo e aliciante para quem tem o espírito polvilhado de água salgada. Vou mergulhar!

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

… e as alforrecas dominarão os mares!

Pelagia noctiluca

Há uns dias atrás contactaram-me de uma publicação com distribuição nacional e pediram-me informações sobre alforrecas. Aparentemente, há um livro que defende a tese de que as alforrecas irão dominar o planeta e queriam saber o que pensava sobre isso. Tentei orientá-los para quem sabia mais do assunto do que eu, mas insistiram que queriam a opinião de uma pessoa que anda no mar e convive com as alforrecas na primeira pessoa.
Assim sendo… respondi: “as razões ainda são difusas e nem posso garantir que, em relação aos anos anteriores, haja mais águas-vivas nos Açores, como lhes chamamos por aqui. Aquilo que posso garantir é que incomodam mais!
Ainda ontem, estava a mergulhar no Monte da Guia, fazendo censos de uma alga invasora e, ao chegar à superfície, zinga!, fui tocado por uma Pelagia noctiluca, como lhes chamam os cientistas. A dor não mata, mas é como uma vergastada concentrada num único ponto. Depois, incha, irrita, arde e dói. Mais uma vez, não mata, mas chateia. Passadas 12 horas, apenas resta um leve inchaço ruborizado.
Este foi um caso pacífico. Em pessoas mais sensíveis ou nos encontros com espécies mais agressivas, as consequências podem implicar a aplicação de fármacos ou mesmo a ida ao hospital [*]. Quando o "toque" é dado por uma caravela-portuguesa, é mesmo necessário ir ao hospital [*]. Para além da dor se aproximar do insuportável, este exótico animal pode matar e mata mesmo...
Os Cnidaria, de que fazem parte as alforrecas, são dos animais mais antigos do nosso planeta. As alforrecas têm uma organização morfológica muito simples, mas são tão eficientes que não se extinguiram nos milhões de anos em que 99% das espécies jamais existentes desapareceram [*]. Para além do nosso respeito e distância de segurança, merecem a nossa contemplação e admiração. É que, para além da longevidade dos seus antepassados, são dos organismos mais bonitos que a água salgada nos oferece.”
Penso que foi uma resposta honesta ao que me perguntavam, mas depois fiquei a remoer… Não propriamente na resposta, mas mais na premissa de que as alforrecas irão dominar os oceanos num mundo em mudança climática…? A relevância desta afirmação que jamais poderá ser provada é igual à daquela outra que dizia que “depois do holocausto nuclear, o planeta será dominado pelas baratas!”, lembram-se?
Aliás, isso fez-me lembrar uma tese meio humorística que defende que tudo é previsível desde que aumentemos o factor tempo. Vulcões, tremores de terra, tsunamis, tempestades e outras manifestações da ira de Deus irão acontecer de facto, basta não definir bem o quando… Durante uma enorme ventania, um grande amigo dizia-me com a sabedoria científica que apenas ilumina os melhores “ainda vão vir dias de bom tempo!”. Como negar ou contrapor?! Genial!

Remoendo ainda mais, pareceu-me que eu estaria a pensar mal. Claro que devemos reflectir nos diferentes cenários possíveis até para tentar perceber como os resolver, se estes forem problemáticos. Mais importante, portanto, do que os oceanos serem dominados pelas alforrecas, é saber como evitar chegar a esse ponto. É que admitir um oceano dominado por alforrecas em detrimento das espécies mais complexas hoje existentes, equivale a admitir que regredimos centenas de milhões de anos na cadeia evolutiva. Tal não pode acontecer! Visto que os seres humanos apareceram somente há duzentos mil anos, isto é, claramente, uma questão de auto-preservação…

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O que é mergulhar com escafandro autónomo?

Detalhe de Estrela-do-mar, Ophidiaster ophidianus,
fotografada no Monte da Guia, Faial, Açores.

Admito que é difícil para alguém que não conheça, imaginar a paz e a tranquilidade que se sente debaixo de água a uns simples 15 metros de profundidade. O que proponho nestes 4 mil caracteres que se seguem é tentar partilhar essa sensação.
Imagine um prédio, como o novo bloco do hospital da Horta, e imagine que está no seu topo à superfície da água. Lá em baixo, junto à entrada do bloco, está o mergulhador, perscrutando os fundos marinhos. É essa a altura da coluna de água que separa o mergulhador da superfície.
Graças à impulsão que empurra o mergulhador para cima, o mergulhador pode “flutuar” na coluna de água, “voar” até ao terceiro andar e depois voltar ao rés-do-chão. É muito conveniente que, perto do final do período do mergulho, esvoace até ao último piso…
O sentimento de imponderabilidade que se usufrui neste “voo” subaquático é extraordinário. Pode dar cambalhotas, "fazer paraquedismo" ou ascender sem qualquer esforço. Aquela coisa dos pulinhos de quem anda na lua, tendo aquela ligeira sensação de ficar no “ar” durante algum tempo, é o quotidiano no mergulho com escafandro autónomo. Como extra, nesta má comparação com os astronautas, refira-se ainda que lá em baixo, na entrada do bloco, os peixes vêm observar o mergulhador com uma curiosidade tal que até parece que ele veio de outro planeta…
Tenho de salientar, no entanto, que no mergulho nem tudo são rosas. Por exemplo, as ascensões não podem ser rápidas e qualquer erro pode resultar em acidentes muito graves. São acidentes raros, mas acontecem e podem ser letais.
Para quem queira iniciar esta atividade, aconselho vivamente os chamados “batismos de mergulho” que as empresas de turismo subaquático ou a Marinha promovem. São simples e servem para ter uma primeira aproximação. Depois, se gostar, é continuar!
Quanto a mim, lembro-me perfeitamente que no meu primeiro mergulho, quando pela primeira vez coloquei um regulador na boca, tive que me concentrar para obrigar o meu corpo a inspirar. Esteve longe de ser automático…
Depois, outra sensação memorável que tive no mergulho foi quando a minha sinusite se extinguiu. Ao ascender dos 25 metros, durante o exame de mergulho, senti, de repente, um enorme alívio na face. Não liguei, até porque, a sensação de alívio, sendo boa, não era nada junto da novidade dos peixes, água, algas, fundos marinhos e da emoção. Quando saí da água reparei como todos me olhavam com espanto e preocupação. A minha máscara estava suja de um líquido cujas cores me escuso a descrever dada a sua repugnância. Desde então, desde os meus dezasseis anos, nunca mais tive problemas com inflamações dos seios perinasais.
Graças ao mergulho, em apenas uma semana, esta última, pude nadar com jamantas, ver fontes hidrotermais bem ativas a 40 metros de profundidade junto ao Faial e descansar o corpo na solidão subaquática que encontramos no sopé do Monte da Guia. Vi e fotografei animais que se encontram no limite da imaginação da maioria dos seres humanos e pude ter o privilégio de os partilhar de imediato (a fotografia digital dá uma boa ajuda). Hoje, o mergulho com escafandro autónomo dá-me uma paz e tranquilidade únicas e proporciona-me histórias e aventuras que tenho o prazer de contar aos meus filhos e, se tiver essa felicidade, aos meus netos. Aconselho vivamente!
Em resumo, os barulhos são diferentes; os movimentos são diferentes; o “voar” nesta “atmosfera” aquosa é diferente, até há quem lhe chame nadar; os organismos que nos rodeiam são diferentes; o calor é diferente, até há quem lhe chame frio; daí aventurar-me a dizer que o extremo do “sair cá dentro” é mergulhar no nosso magnífico oceano!
Da mesma forma que os astronautas devem ter sensações absolutamente únicas, o descobrir o meio aquático também é fantástico e radical. Uma grande diferença entre os dois é que o segundo está ao alcance de todos. Outra diferença é que o segundo permitir-lhe-á descobrir outros modos de vida enquanto o espaço exterior tem, basicamente, isso, espaço...