terça-feira, 26 de dezembro de 2000

Entrevista dada à Revista Mundo Submerso

Introdução


Em muitos locais do mundo, e para que uma determinada zona seja favorecida ou conhecida pelas suas imersões, inúmeros centros de mergulho ou alguns particulares, optam por alimentar algumas espécies mais sedentárias que após algum trabalho acabam por ficar quase residentes e tolerantes à aproximação do homem.

Praticamente todos os mergulhadores conhecem métodos para fixar ou chamar atenção de um determinado peixe numa dada ocasião. Com o crescimento da actividade do mergulho, as solicitações aos operadores e centros de mergulho são cada vez maiores. Por consequência esses peixes mais sociáveis acabam, também eles, por receber mais atenção do "alimentador" levando a situações por vezes caricatas. Em determinado momento, no Mar Vermelho, alguns peixes napoleões foram intensivamente presenteados com ovos cosidos. Chegavam a comer dezenas por semana. Fora do seu padrão alimentar, mas sem dúvida deliciosos para aquela espécie, os ovos foram os causadores de um elevado nível de colesterol no organismo e, como consequência, a morte de certos exemplares. Este foi talvez um dos pontos de viragem na acção de alimentação e comportamento do homem dentro de água em contacto com a natureza.

Como a interacção com o meio ambiente é delicada é natural que se criem muitas vezes posições extremistas. O "feeding" (alimentação) passou a ser um acto reprovado e em alguns casos quase de dimensão "criminosa" em determinadas áreas do mundo.

Desde que enquadrado, e respeitando algumas regras, alimentar os peixes e tocar neles é certamente viável e aceitável. Vejamos o que alguns mergulhadores experientes e conhecedores destas situações nos dizem sobre estas situações.


Mundo Submerso - Quais os grandes inconvenientes de alimentar os peixes regularmente numa determinada zona?


Frederico Cardigos - O grande inconveniente é a alteração do comportamento natural. Isso tem consequências a dois níveis: sobre o animal e sobre os humanos. Ao nível dos animais pode acontecer que estes fiquem condicionados à alimentação externa e percam a capacidade de encontrarem comida por eles próprios. Isso pode ser grave para a sobrevivência dos indivíduos em caso da fonte cessar. Por outro lado, os desequilíbrios da cadeia trófica podem ter consequências de alguma gravidade para o funcionamento do ecossistema. Normalmente a espécie alimentada é favorecida e todas as outras ficam prejudicadas (a justificação científica para isto não cabe aqui). Também pode suceder que a dieta fornecida não seja a mais adequada e isso prejudique directamente a espécie alimentada. Aquilo que para nós é delicioso raramente coincide que com a dieta que seleccionou a espécie em causa durante milhares de anos.

E ao nível humano? De uma forma muito pragmática um animal alimentado é um animal com comportamento adulterado. Ou seja, se nós temos o trabalho de ir para dentro de água, cheios de equipamento, para ver a "natureza" estaremos a ser enganados no caso de animais alimentados. Isso não é a "natureza" é apenas um jardim zoológico em que os animais em vez de terem grades e correntes têm um outro tipo de condicionante, os "doces". Se quisermos ver a natureza como ela é teremos de dar-lhe a liberdade de decisão, sem condicionantes, como ela é. Por outro lado, um animal é sempre um animal... E quando alimentado vai passar a associar a presença do alimentador (você!) à comida gratuita. Se não lhe der comer, ou na quantidade suficiente, ele vai ficar irritado... Num caso de um animal de grande volume a irritação pode ser altamente desanconselhável... Outras vezes, você pode ser confundido com a comida ! Isso sucede com moreias condicionadas. Elas estão habituadas a ser alimentadas com salchichas... É tão giro... Até ao dia em que se esquece de levar as salchichas. Nesse dia os seus dedos podem passar a ser as salchichas. Isso pode ser MUITO desagradável. Felizmente, raramente acontece.

Mas vamos ao caso extremo. Os tubarões! Com a excepção de certas espécies mais vorazes e agressivas (tubarão branco e tigre), todos eles encaram os humanos com um misto de medo e curiosidade. Mas se os alimentarmos teremos oportunidade de os vermos com um comportamento algo diferente... Passarão ao comportamento alimentar e em vez de curiosidade terão fome e em vez medo passarão a ter agressividade. Pode ficar no meio de uma situação muito desagradável e nesse caso... cuidado com os dedos!

Então quando é que é aceitável alimentar os animais ? Raramente, na minha opinião... Mas há certos fins que podem justificar os meios... Brrr, eu não devia estar a escrever isto... Por exemplo, se quiser encher a objectiva com um peixe esquivo, como um peixe-cão, ficará com o trabalho facilitado se puser entre os dedos (fora do campo da objectiva, claro!) uma pequena recompensa. Claro que não é natural, claro que é reprovável, mas o efeito desta foto poderá enfatizar o sentimento de simpatia que certas pessoas têm sobre o mar e ajudar a tomar atitudes na sua defesa (utilização para educação ambiental). Claro que a fronteira entre um comportamento aprovável ou condenável ficará apenas dependente da consciência de cada um. Admito que quando comecei a fotografar cheguei a sacrificar ouriços para atrair alguns peixes. Essa atitude parece-me hoje digna de bárbaros... Mudam-se os tempos...


MS - É possível encontrar alternativas para fixar, ou manter um determinado peixe, ou peixes numa dada região?


FC - Claro que sim. A enorme simpatia e insistência da maioria dos humanos é hiper-cativante, não apenas para o sexo oposto, mas também para a maioria dos seres vivos. Seja você mesmo, insista nas visitas e de acordo com a espécie em causa tenha comportamentos adequados. Claro que não espere que numa zona em que haja predadores humanos (leia-se caçadores submarinos) os peixes tenham um comportamento particularmente amigável. Ou seja, para que numa zona os animais tenham naturalmente um comportamento sedentário e "amigável" tem que ser uma zona protegida. Daí passamos para as perguntas realmente importantes: "Para quando as zonas marinhas realmente protegidas neste país ?" Até os caçadores submarinos estão à espera disso por duas razões: primeiro, eles, mais do que ninguém amam o mar, e sabem que a pesca (toda a pesca) está completamente descontrolada. Segundo, sabem que as zonas de reserva fomentam zonas de fronteira (em relação às áreas protegidas) com belíssimos e deliciosos exemplares. Aqui fica o desafio! Fomente-se um debate amplo neste espaço sobre as áreas marinhas protegidas! Sendo esta uma revista de amantes do mar, porque não começarmos a falar em quais as zonas a proteger e principalmente porquê. Se as zonas protegidas forem propostas pelos próprios predadores (leia-se pescadores e caçadores), pelas pessoas que conhecem realmente o mar, será muito mais simples do que decisões arbitrárias e matemáticas provindas de obscuros gabinetes. Aliás essas decisões raramente têm depois uma verdadeira implantação no terreno. A Ilha do Corvo, Açores, lançou o mote. Pescadores profissionais, agentes turísticos e caçadores submarinos puseram-se de acordo e protegeram VOLUNTARIAMENTE uma certa zona. Não foi e não são necessárias leis. Aliás as áreas marinhas protegidas (AMP's) estavam previstas fora desta zona e são, desta forma, os locais que irão fazer com que elas sejam alteradas. É que as AMP's podem ser feitas pelo povo e para o povo! (onde já ouvi isto?)


MS - Hoje em dia inúmeros mergulhadores gostam de tocar os peixes ou outros seres marinhos, é certamente uma forma de os sentir mais próximos, íntimos. Em muitos locais do nosso planeta este acto é proibido. Existem de facto serias razões para o fazer?


FC - Existem! Tocar nos animais pode ter um efeito muito perverso. Mas isso não significa que não se toque em nada. Mas siga duas regras muito inteligentes: não toque em nada que não conheça (para se salvaguardar de por a mão em cima de um peixe escorpião, por exemplo) e antes de tocar em algo que conheça aprenda quais vão ser as consequências para o indivíduo que pretende tocar. Se tocar num coral estará a condená-lo e como eles não estão em boas condições (por outras razões, diga-se) seria mais uma achega para a condenação. Na maioria dos bons Centros de Mergulho há "briefings" antes dos mergulhos sobre segurança e ecologia. Esteja atento e respeite as regras indicadas pelos guias. Isto leva-nos a outra conversa paralela: para quando a certificação dos Guias de Mergulho. Não estou a falar em leis e obrigações, mas fazerem-se acções de formação na área da Ecologia para que os Guias de Mergulho tenham conhecimentos detalhados sobre o que se deve ou não fazer debaixo de água, quais as relações entre os diversos animais e o que significam os diversos comportamentos. Muitas vezes estes indivíduos são hiper bem intencionados, mas não sabem e, por falta de orientação no mergulho nacional, continuam sem saber. Isso seria proveitoso para os formandos, mas também para os formadores, porque a informação de quem anda no terreno é muito valiosa e importante. Fica o desafio, desta vez é para a FPAS!

Mas os humanos são animais tácteis e também pertencemos à Mãe natureza. Temos o direito de tocar e a natureza tem que estar preparada para nós, visto que fazemos parte dela! Falemos então de exemplos práticos. Não toque nos corais, nem mexa nos ouriços (leia as "Delicadezas..." do MS anterior). Passe as mãos pelas algas ao de leve. Isto provoca um Efeito de Perturbação Intermédia que é muito proveitoso para a natureza (isto pode não parecer, mas é mesmo científico). Tenha, claro, cuidado não vá estar uma "surpresa" no meio das algas.

Toque, se conseguir (eh, eh...), em peixes e mamíferos marinhos! Esteja atento, seja calmo e cuidadoso. Estes animais adoram ser tocados, mas odeiam exageros. Os mais puristas defendem, e têm toda a razão, que tocar num animal é de certa forma condicioná-los, mas e daí ? Estamos a condicioná-los a nós, seres tácteis, e nada mais. O efeito mais perverso que isso terá é que os animais em causa poderão gostar. Os meros do Corvo gostam tanto que perseguem os mergulhadores em busca de festas! É tão bom ! Se tiver essa oportunidade faça, mas tenha cuidado com o sentido das festas. Sempre da cabeça para a cauda. O efeito da passagem da mão é retirar os ectoparasitas (vulgo pulgões). Se o festejar em sentido contrário poderá retirar-lhe algumas escamas e fazer com que o mero fuja!

Claro que o supra-sumo de tocar é ter a oportunidade de dar uma voltinhas no dorso de uma jamanta. Mas isso não é para os mortais...

Por falar em tocar, tenha cuidado com as SUAS próprias barbatanas! Não há nada mais demonstrativo da caloirice e/ou falta de educação de um mergulhador do que ver um rasto de poeira (e por vezes de inocentes animais) atrás de candidatos a Mergulhadores.


Entrevista dada à Revista Mundo Submerso

quinta-feira, 26 de outubro de 2000

Entrevista dada à Revista Mundo Submerso

Não considero que os mergulhos longe de terra possam ser apelidados de mergulhos no azul. 
O verdadeiro mergulho no azul, para mim, é um mergulho em que não se veja o fundo desde o início até ao final da imersão e em que haja a utilização de ajudas à respiração. 
Este tipo de mergulho serve para observar cetáceos ou grandes pelágicos. 
Claro que não li isto num livro, nem nada disso, é apenas a minha opinião. 
Penso que até escrevi um pequeno artigo para a revista sobre o mergulho no azul nos Açores, mas depois fiquei a matutar sobre isso. 
Sendo assim, o verdadeiro mergulho no azul é algo muito mais complexo. 
É um tipo de mergulho que desafia todas as regras de segurança e para o qual não há mitigação possível, apenas adrenalina. 

Mundo Submerso - Quais os pontos fundamentais que um mergulhador deverá ter bem presente quando mergulha num local bem longe de terra?

1. A grande dificuldade neste tipo de mergulho é encontrar um mergulhador que, por qualquer razão, não tenha seguido o plano de mergulho e emirja fora do local combinado.
2. É necessário ter consciência que se está a mergulhar num sítio perigoso, o mergulhador e a equipa que o acompanha deverão ter consciência que os níveis de perigo estão ampliados.
3. É fundamental ter mergulhadores experientes na equipa. Tenho a preocupação de, quando mergulho num local novo, tentar fazer-me acompanhar por mergulhadores que já conheçam o local. Por outro lado, não mergulho com mergulhadores inexperientes em mar aberto. Considero isso demasiado perigoso para todos. Só levo um mergulhador para mar aberto quando conheço o mergulhador ou quando este trás boas referências de colegas de mergulho em quem confio. Mas mesmo que conheça o mergulhador gosto de fazer um mergulho de teste de equipamento e treino de procedimentos antes de ir para um banco off-shore.

M.S. - Que peças de equipamento extra, recomenda para este tipo de mergulho? (tipo: boia de patamar, apito, buzina, etc.).

Tudo o que ajude a localizar um mergulhador é bem-vindo. Uma bóia de patamar por mergulhador é imprescindível, o apito ajuda e a buzina também (é pena serem tão dispendiosas). Uma lanterna de flashes pode ser fundamental no caso das coisas darem mesmo para o torto e se tiver de passar uma noite no mar.
Uma peça de equipamento fundamental para mergulhos longe da costa é o kit de oxigénio. Este equipamento pode ajudar a mitigar situações de grande apuro. Não irei falar aqui das situações e o modo como este equipamento deve ser utilizado porque seria leviano, mas defendo que as empresas de mergulho deviam possuir este equipamento a bordo e os dive-master deveriam ter habilitações para os utilizar. Atenção, para a administração de Oxigénio funcionar é imprescindível que o administrador saiba o que está a fazer! Uma forma complementar de avaliar o grau de preparação que um determinado mergulhador tem para fazer um mergulho deste género é averiguar se este sabe administrar Oxigénio. Um dos actos fundamentais na preparação do mergulho no azul é ensaiar a utilização do kit de oxigénio.

Por vezes levo scooters para baixo de água. Em cada equipa de dois uma scooter pode ajudar bastante. Principalmente para recuperar a posição de emersão depois de inadvertidamente ter, por exemplo, largado o cabo (o segundo mergulhador deverá agarrar-se à ponta das barbatanas do mergulhador que tem a scooter). Não é um remédio infalível, em muitas situações uma scooter com dois mergulhadores não vence uma corrente .

M.S. - Como deve ser feito um patamar de descompressão se existir ondulação.

Eu tenho uma técnica que é muito simples e que aconselho a todos: "não mergulhar se as condições meteorológicas não forem ideias". Claro que não a cumpro, mas evitaria utilizar a segunda técnica que é fazer o patamar ao contrário. Em vez de ficar pendurado na bóia de patamar, ficar suspenso no peso que se encontra no fundo. Atenção que para utilizar esta técnica é necessário perder o amor ao cabo e peso de patamar e encravá-los solidamente no fundo. Nos patamares mais profundos (9 e 6 metros) ajuda muito, mas para fazer o dos três metros é mais complicado principalmente por causa do efeito da diferença de pressão nos ouvidos. Aí o conselho é concentrar a descompressão nos patamares inferiores e depois fazer a emersão tão pausadamente quanto possível... Isto não deve fazer muito bem à saúde, mas não se pode ter tudo...

M.S. - Que requisitos deverá ter o barqueiro, ou quem ficar responsável pelas pessoas que estão na água?

Em relação ao pessoal de apoio para mergulhos arriscados, começo por indicar que mais importante que o barqueiro é ter um mergulhador de apoio a bordo. Este mergulhador deverá estar equipado com o fato e relativamente bem preparado para entrar dentro de água. A utilidade dele não está tão relacionada com entrar dentro de água, mas mais com a detecção e ajuda na aproximação aos mergulhadores que vão emergindo.

Uma vez, dei apoio como mergulhador a um amigo barqueiro. Estava mal preparado e mais preocupado em bronzear-me do que em verificar a posição dos mergulhadores, admito. A certo passo um mergulhador, completamente fora de tempo, emergiu. Apesar de novato compreendi que ele estava sub-lastrado. Peguei em dois pesos e nadei até ele. Apenas quando cheguei perto compreendi que este estava em pânico. Estando eu de fato de banho com um kilo e meio nas mãos pouco pude fazer para além de o agarrar pelas costas e falar com ele (o que já não é mau de todo). Mas o barqueiro é que salvou realmente a situação trazendo uma bóia circular (sim, aquelas tenebrosas que nos parecem inúteis) até ao nosso mergulhador e puxando-o para bordo. Se estivesse de fato ou com qualquer outro sistema de flutuação poderia ter eu resolvido a situação, mas...

A minha experiência indica que o barqueiro em si deve ter conhecimentos de mergulho e proceder de forma adequada se as coisas correrem mal. Há barqueiros que conseguem seguir as bolhas dos mergulhadores e claro que esses dão muito jeito. Outra característica que pessoalmente muito aprecio é os barqueiros que se sabem aproximar dos mergulhadores. É terrível ter alguém sempre por cima dos mergulhadores com receio de os perder e, por outro lado, sabe muito bem chegar à superfície e ver de imediato o sorriso seguro de um bom companheiro.

Há barqueiros fantásticos! Uma vez a mergulhar no Dolabarat tive a sorte de estar acompanhado por dois excelentes barqueiros (embora apenas um barco). Tínhamos duas equipas de mergulho e estavam umas condições fantásticas para a prática do mergulho com escafandro autónomo. Como costumam dizer os marinheiros quando as condições ideias estão reunidas: "tudo pode acontecer..." De facto uma das equipas saiu da zona da coroa e foi imediatamente colhida por uma corrente intransponível. Os nossos barqueiros (um antigo pescador e um mergulhador profissional) marcaram de imediato a posição dos mergulhadores que permaneciam na coroa. Quando reparámos na fateixa a descer sobre a nossa posição percebemos que a situação não era boa e iniciámos a emersão cumprindo todos os preceitos do bom mergulho. Os nossos colegas de mergulho foram entretanto recolhidos em segurança. Se o barco tivesse partido em busca dos mergulhadores transviados sem marcar a nossa posição poderia ter-nos perdido e ficaríamos em maus lençóis. Graças à resposta pronta e eficaz de uma boa equipa de apoio evitou-se o pior.

M.S. - Prefere ter o barco fundeado, ou à deriva (com motores a funcionar) ?

Na preparação atempada do mergulho considero ideal ter a bordo pelo menos três conjuntos de fateixas, cabos com 50 metros de algodão (ou uma mistura suave) e bóias. O cabo deve ter uma espessura e suavidade adequada para nos podermos agarrar, ou seja, aquele cabo verde de polietileno é horrível porque escorrega e é, normalmente, demasiado fino.

Dependendo do barqueiro e restante equipa de apoio, das condições meteorológicas (incluindo correntes, marés reais, etc.) e dos equipamentos disponíveis a bordo equaciono qual a melhor forma de proceder durante o mergulho.

Quando estou a liderar o mergulho tento integrar todas as opiniões e tomar a decisão mais eficaz. Não sinto que o meu papel seja diminuído quando não estou a liderar. Nessa situação tento, quando solicitado, dar a minha opinião de uma forma tão sucinta e explícita quanto possível. Só considero estarem reunidas as condições para mergulhar depois de ter feito entender ou entendido qual será a missão de cada mergulhador.

Penso que a situação ideal permitiria tomar decisões antes de chegar ao local, mas infelizmente isso ainda não me aconteceu. Há sempre uma variável que impede que o mergulho se realize exactamente conforme planeado.

Basicamente, diria que prefiro ter o barco ancorado se tiver bom tempo e que prefiro ter o barco à deriva se as condições meteorológicas forem instáveis. É necessário ter o barco disponível para socorrer um mergulhador se este se soltar do cabo guia, mas por outro lado com o barco à deriva é necessário ter uma bóia de imersão. Ora acontece que a partir desse momento a maioria dos barqueiros tomam mais atenção à bóia que aos mergulhadores. Infelizmente, não é impossível que a fateixa da bóia garre (i.e. se solte do fundo) e lá vão os nossos mergulhadores ficar sozinhos até que o barqueiro perceba.

Imaginemos a situação ideal e perfeita: chegados ao Banco Princesa Alice, depois de três horas de viagem, estamos todos bem dispostos e encontramos de imediato a coroa. O GPS e a sonda parecem uns autênticos aparelhos de relojoeiro e esta tarefa foi muito facilitada.
Como tudo corre bem, chegámos no momento da mudança da maré que coincide com o meio da manhã - apenas porque esta história é prefeita. É necessário mergulhar a meio da manhã para que, depois do almoço ligeiro, se possa realizar um segundo mergulho. Isto nunca acontece porque aquele dia em que não há mau tempo, presente ou previsto, e em que a lua é de quarto tem uma probabilidade baixa de coincidir com uma mudança de maré a meio da manhã. Atenção que não aconselho um segundo mergulho de garrafa, visto a profundidade ser elevada neste local, mas um pequeno passeio com poucas apneias e ligeiras pode ser altamente compensador: jamantas, wahoos ou espadins-brancos, tudo é possível e provável.
Depois colocamos a primeira bóia de localização na coroa. Como tudo corre bem, não temos de tentar mais que duas vezes para que a fateixa deixe de garrar. A seguir apoitamos a embarcação. Enquanto os mergulhadores vestem os coletes - o resto do equipamento já estava vestido e as garrafas colocadas nos coletes, visto este ser um mundo perfeito - o barqueiro, descontraidamente, coloca um cabo na popa da embarcação com 25 a 50 metros que termina num balão laranja. Para complementar a operação coloca um cabo que une o cabo da poita à popa da embarcação. Claro que nada disto será verdadeiramente necessário porque estamos a mergulhar no estofo da maré e o trajecto entre a popa da embarcação e o cabo de poita, por onde iremos submergir, se faz facilmente sem qualquer tipo de corrente a contrariar os movimentos.

Isto é num mundo perfeito, a realidade é outra:

Chegamos ao Banco Princesa Alice depois de quatro horas de viagem. Ao contrário do que se previa o vento mudou de quadrante e apanhamos com aragem pela proa. Devido ao bater do barco metade dos mergulhadores enjoaram e decidiram não efectuar o mergulho.
O GPS - por aquelas razões que apenas o exército dos Estados Unidos sabe - está com um erro grande. A sonda está a funcionar a meio gás porque é velha e como a termoclina está muito pronunciada não conseguimos distinguir entre o fundo e aquele eco estranho. Acabamos por ter de utilizar o dispositivo humano de detecção de baixas (mais conhecido por mergulhador em apneia).
Colocamos a bóia de localização da coroa depois de cinco tentativas extenuantes. Com isto tudo já perdemos a maré da manhã e para não perder tudo entramos dentro de água para observar a coluna de água. O banco é lindo. Tirando a parte por cima da coroa, onde as correntes são imensas, o Princesa Alice até é calmo e as jamantas que insistem em nos vir observar são umas perfeitas bailarinas que - como toda a gente sabe - dançam ao som do tema "As Ilhas dos Açores" dos Madredeus.
Quando entramos dentro de água e depois de termos esperado cinco horas pela nova mudança de maré, por qualquer razão misteriosa, a corrente não amainou (i.e. não ficou mais fraca). Lutamos como bravos mergulhadores para alcançar o cabo da poita, o regulador entra em débito todas as vezes que voltamos a cara para verificar se os nossos companheiros ainda estão connosco, mas conseguimos!
Como as condições estão longe se ser as ideias o nosso barqueiro colocou uma segunda embarcação dentro de água. O semi-rígido de apoio da nossa embarcação está pronto para socorrer qualquer mergulhador que se solte do cabo de mergulho. Atenção: isso já me aconteceu e nesses momentos é necessário que o mergulhador tenha calma e que confie no seu barqueiro e no vigilante de mergulho. Ele irá buscá-lo em menos de nada. Pânico é a última coisa necessária numa situação deste género. Para facilitar a sua localização encha o colete com algum ar, isso irá projectar o seu corpo um pouco para fora de água, sem se cansar coloque uma mão sobre a cabeça (escusa de fazer aquele sinal ridículo que nos ensinam nas aulas de mergulho), mas aumente tanto quanto possível a área de contraste entre o seu corpo e o mar. Neste dia felizmente isso não aconteceu. O mergulho é estrondoso! O Banco Princesa Alice é a verdadeira pérola do Atlântico, tão selvagem que nos faz lembrar o pântano assombrado de Avalon, com um azulão tão escuro e profundo que nos fomenta um respeito pela imensidão universal, como se aqui se reunissem os deuses quando desejam ter todas as emoções. É um mergulho a não perder.
Apesar de contentes sentimos uma certa frustração por não ter aproveitado as duas marés, por isso e contrariando todas as regras de segurança, entramos na água ao final da tarde para um último olhar a este azul. É nessa altura que começa a aparecer um cardume de chicharros e depois cavalas e depois... espadins ! Como são lindos os espadins-brancos...

Por vezes, quando há tempo ou quando o trabalho assim o obriga, marcamos o local de mergulho com diversas objectos. No Banco D. João de Castro chegámos a colocar cinco bóias todas ligadas entre si em profundidade (para não implicar com a navegação) e com dois barcos de apoio para fazer um trabalho de geolocalização. Claro que nesse caso, mesmo emersos, para onde quer que olhássemos tínhamos sempre uma bengala visual. Infelizmente, este tipo de planeamento é moroso e tira um pouco da poesia de mergulhar longe de tudo. Fica um mergulho demasiado humanizado.

Seja qual for a situação no local, tenha ciente que só deve mergulhar quando, em consciência, considerar estarem reunidas as condições para um óptimo mergulho. Decidir não realizar um mergulho, por mais tentador que este pareça, não é qualquer vergonha é apenas uma decisão individual que qualquer mergulhador responsável compreende, aprova, respeita e admira.

Entrevista dada à Revista Mundo Submerso

sexta-feira, 5 de maio de 2000

Mergulhar no Mundo

Finalmente chegou o extracto bancário e é mesmo verdade: Este ano vai poder fazer AQUELA viagem ! Então é assim: para além de preparar tudo o resto, que é com certeza muito importante, o que o vai fazer gozar a sua viagem, você que é mergulhador, é estar debaixo de água nos sítios que escolheu. Seria muito fácil dizer que o sítio tal é espectacular, ou que o sítio tal-e-tal tem os tubarões mais pacíficos do mundo. Mas para gozar mesmo a sério não vai bastar olhar, não se contente com isso, vá mais longe e mais fundo...

Se fizer antecipadamente os trabalhos de casa vai poder entrar noutra dimensão igualmente muito bonita e altamente compensadora. Esse é o Mundo Fantástico da Biologia Marinha.

A regra número um é: Planear; a número dois: Pesquisar; a número três: Comunicar.

Planear: é necessário saber onde pretende ir (dependendo dos seus sonhos e das suas possibilidade) e o que quer fazer (mergulho aventura, mergulho para iniciados, etc.).

Pesquisar: Antes de pensar em partir faça uma pesquisa na internet, nos motores de busca mais gerais, utilizando palavras chave como: o local onde pretende mergulhar, "sea", "underwater", "SCUBA", etc. Verificará, para sua surpresa, que obterá respostas seja qual for o sítio. Bem, pode ser que não encontre respostas se colocar um sítio realmente recôndito, mas se colocar um nome mais generalista, (p. ex. "Porto" em vez de "Cedofeita", é natural que tenha mais sucesso). Claro que lhe irão aparecer imensas páginas sem interesse, por isso, numa segunda tentativa, limite ainda mais a pesquisa e adicione o seu grupo de animais favorito (p. ex. "fish" ou "octopus"). Irá notar que está mais próximo do seu objectivo. Ao ler, ficará mais familiarizado com o local escolhido e começará a ter sensibilidade para os detalhes da sua zona e que espécies poderá encontrar. Agora, que está munido do nome das espécies, vá até à biblioteca, procure nas enciclopédias o que lhe interessa saber e deixe-se mergulhar pela aventura do conhecimento. Tome especial atenção às características morfológicas (forma, tamanho, cor, etc.) que lhe permitirão identificar as espécies, depois leia o que puder sobre o seu comportamento.

O comportamento é mesmo essencial! No caso de espécies agressivas, um pouco de conhecimento sobre o seu comportamento fá-lo-á aproximar ou recuar perante o desconhecido. Para além disso, o conhecimento do comportamento das espécies vai-lhe fazer compreender grande parte do que se passa debaixo de água. Mas não pense que é fácil, grande parte da informação encontra-se dispersa e para a encontrar é necessário trabalhar. Existem alguns livros que fazem uma súmula das principais características e comportamentos dos organismos subaquáticos, são chamados "Guias".

Para cada Oceano ou Mar existem guias específicos, muitas vezes limitados a um grupo de organismos. Algumas empresas são especializadas em excelentes guias, como os publicados pela National Audubon Society ou a Mc Graw Hill (excelentes para os Estados Unidos), a IKAN ou a Verlag (Mediterrâneo, Atlântico Norte, e outros) ou os FAPAS (que apresentam a vantagem de estarem escritos em Português). Atenção que é totalmente impossível fazer um inventário total de todas as editoras.

Consultar um guia é uma tarefa extraordinariamente simples. Todos os guias têm um índice com os nomes científicos (habitualmente no final) e a maior parte tem um índice com os nomes em inglês e na língua nativa da zona a que se refere. Para cada espécie há uma descrição, uma foto ou um esquema e, por vezes, um sistema de gráficos que simboliza a zona de ocorrência e as características principais (comportamento alimentar, frequência de ocorrência, etc.)

Normalmente, os guias são identificados pelo último nome do autor principal, pelo grupo de animais que representam, pela área a que se referem e pela editora. Não é fácil sugerir guias, principalmente porque a sua diversidade é enorme e porque nunca podem estar completamente actualizados, devido a novas identificações de espécies, à diversidade linguística, etc., mas aqui vão algumas sugestões:

Peixes

Gosto e utilizo muito o Debelius (IKAN). Dá uma excelente ideia da diversidade e das características diagnosticantes dos peixes do Atlântico e Mediterrâneo.

Para um guia com fotos com de grandes dimensões sobre o Mediterrâneo pode recorrer ao Patzner (Verlag). Este autor publicou também um bom guia para invertebrados.

Se for para as Maldivas pode utilizar o Nahke (Verlag). As fotos são grandes (o que simplifica as identificações), e os resumos sobre as espécies, embora muito curtos, encontram-se em duas línguas (Alemão e Inglês).

Invertebrados

Atenção: não há nenhum guia de invertebrados completo. Para os Açores, Madeira e Canárias utilizo o Wirtz (Verlag). Tem algumas gralhas, mas não são graves e permitem uma identificação das macro-espécies (macro quer dizer que são visíveis sem recorrer a lupas ou microscópios) mais comuns. Este autor publicou também um bom guia de peixes.

Crustáceos

O Debelius (IKAN) tenta fazer um inventário dos macro-crustáceos mais comuns no mundo inteiro. O resultado é um excelente guia de campo, mas obrigatoriamente incompleto.

Para Portugal o clássico é o guia Fauna Submarina Atlântica do Professor Luís Saldanha (Europa-América). Este guia, embora fraco em fotografias, tem um resumo sobre as espécies mais importantes de invertebrados, peixes e mesmo alguns répteis e mamíferos mais comuns em Portugal (incluindo obviamente as ilhas adjacentes).

Algas

Este grupo apresenta normalmente as maiores dificuldades de identificação. Aconselho o guia francês Boudouresque (Delachaux & Niestlé).

Comunicar: Depois de coligidas todas as informações importantes escreva às empresas de mergulho que pretende visitar e às entidades públicas de divulgação científica. Às primeiras peça esclarecimentos sobre as espécies e comportamentos que pretende observar, para além de obter respostas interessantes poderá avaliar o grau de empenhamento e de nível científico que estas realmente têm.

As entidades públicas de divulgação (embora pouca gente saiba, existem!) são as extensões para o grande público das Universidades e Institutos de Investigação. No caso dos mares dos Açores, esse papel é representado pelo Fórum Oceanos e pode ser contactado através da página internet (http://www.pg.raa.pt/oceanos). Através desse tipo de entidades é possível tirar dúvidas sobre os detalhes científicos ou legislativos mais específicos.