domingo, 28 de janeiro de 2018

Crónicas de Bruxelas: 12 - Como fazer bem um país

"Naissance d'une Nation" de Marius Vos.
Foto: F Cardigos

Ao contrário do que este título poderá indiciar, e apesar de ser um firme defensor da autodeterminação dos povos, eu sou muito crítico quanto à formação de novos países. Penso que a cultura, a dimensão, a coerência, a solidariedade e a redundância da maioria dos países actualmente existentes deve ser mantida e apenas colocada em causa perante situações extremas.
Ainda em jeito de introdução, devo deixar claro que não estou a escrever sobre a Catalunha ou a Escócia, mas sim sobre Estados soberanos. Portanto, não vou escrever sobre o eventual futuro, mas sim sobre o passado. Para olhar para esse passado, vou-me deter em três exemplos: Timor-Leste, Eslováquia e Estónia.
Como as pessoas da minha geração e mais idosas se lembram, no início do século, após dezenas de anos de repressão Indonésia, Timor-Leste conseguiu a sua independência. Várias pessoas protagonizaram a resistência timorense, tornando-se heróis internacionais. Portugal, neste período, na minha opinião, escreveu algumas das suas páginas de ouro em termos de abnegada solidariedade e virtude diplomática.
A Eslováquia nasceu, enquanto país soberano, por cisão da Checoslováquia em 1993. Muito simplesmente, as autoridades do Sul demonstraram interesse em ser independentes e o Norte aceitou. A norte ficou a República Checa e a Sul a Eslováquia. Não houve dramas nem confrontos. O então Presidente da Checoslováquia não apelou a nacionalismos, nem movimentou as tropas. Tudo foi feito com rapidez e elevação.
Por último, quero deter-me no caso mais antigo deste trio. A Estónia cobre um território habitado desde há mais de oito mil anos. Durante centenas de anos, o seu espaço fez parte de países como a Alemanha, a Dinamarca, a Suécia e, finalmente, o Império Russo. No século XIX , por iniciativa de intelectuais deste território, fizeram-se esforços para valorizar a cultura estónia passando também por uma divulgação e normalização da própria língua. Com o segundo maior nível de literacia do Império, a população da Estónia estava preparada para o processo que hoje é denominado por “acordar nacional”. Localmente, uma das formas utilizadas para valorizar a cultura foi a realização de encontros de coros musicais. No século XIX esta seria uma maneira eficiente de transmitir a língua de uma forma apelativa, harmónica, inclusiva e festiva. Desde 1869 que o Festival de Coros da Estónia anima a cidade de Tallinn a cada cinco anos. Em 2014, perante 80 mil pessoas, actuaram mais de trinta mil cantores divididos em mais de 1000 coros. São números impressionantes e que, sem dúvida, movimentam uma pequena nação.
Entre os passos mais importantes do “acordar nacional” no século XIX conta-se o progressivo estabelecimento de instituições estónias o que, aproveitando a Revolução Russa de Outubro de 1917, permitiu que no início de 1918 a Estónia já se autoproclamasse como país independente. As instabilidades europeias dos anos 30 e 40 atiraram a Estónia para um período de quase nula autonomia, quanto mais independência… Em 1991, com a queda do Muro de Berlim, a Estónia voltou a ser um Estado soberano e, já agora, assente numa democracia sólida.

Por razões completamente diferentes e com percursos contrastados, Timor-Leste, Eslováquia e Estónia tornaram-se recentemente inquestionáveis Estados soberanos. As suas jovens democracias, ainda com algumas vicissitudes, são prometedoras de países estáveis e justos. Penso que são exemplos dignos de como se faz um país. 

domingo, 14 de janeiro de 2018

Crónicas de Bruxelas: 11 - Banda Desenhada

Aspecto exterior do Museu Hergé.
Foto: F Cardigos

Uma das virtudes da Bélgica é o seu apreço pela banda desenhada. Na cidade de Bruxelas existem diversas livrarias e dois museus especializados nesta arte. Alguns dos maiores vultos dos livros aos quadradinhos são belgas e, apenas para nomear o mais conhecido, relembro que Hergé, o criador do Tintim, era belga. Mas há muito mais: os estrumpfes, o Gaston Lagaffe e o Marsupilami são também belgas. Mesmo o Michel Vaillant, que é tão francês quanto uma personagem de banda desenhada pode ter nacionalidade, nasceu na revista do Tintim. Para além de Vaillant, também Blake e Mortimer, Ric Hochet e Alix nasceram na revista “para jovens dos 7 aos 77 anos”. Aliás, as ligações entre a Bélgica e a França, no que diz respeito à banda desenhada, são muito intensas. Por exemplo, as personagens Spirou e Fantasio foram criadas em França, mas foi o belga Franquin que produziu as suas histórias durante dezenas de anos.
Porque sou apreciador de banda desenhada, visitei com algum cuidado os dois museus completamente dedicados a esta arte aqui em Bruxelas. Um deles tem o nome de Centro Belga de Banda Desenhada e está instalado num edifício Arte-Nova com alas que versam temas como os autores belgas ou a arte de desenhar. No entanto, a ala que me impressionou mais foi a dedicada à cidade de Bruxelas. Os curadores do museu ampliaram vinhetas que ilustram a cidade de Bruxelas. O resultado é impressionante. Sentimo-nos a fazer uma visita virtual guiada pelos mais importantes heróis da banda desenhada, belgas ou não, passando de telhados para ruas e de ruas para os edifícios mais emblemáticos. Valoriza a cidade e a banda desenhada. Muito bem!
O segundo museu é dedicado às personagens de banda desenhada. Aqui estão em exibição muitas centenas de bonecos de banda desenhada com tamanhos que variam desde o polegar até ao tamanho real, se é que uma personagem de banda desenhada pode ter um tamanho “real”... Nalguns locais, incluindo no próprio museu, é possível adquirir este tipo de bonecos ou os seus acessórios. Por exemplo, numa livraria de Bruxelas, vi um modelo da nave que “levou” o Tintin à Lua à venda por mais de oitocentos euros e, neste momento, num sítio da internet pedem 1250 euros por um exemplar em resina do Gaston Lagaffe a dormir no ninho dos marsupilamis!
Já fora de Bruxelas, há um outro museu muito interessante. Este é totalmente dedicado a Hergé, o criador do Tintin. Está instalado num edifício moderno, concebido de raiz para albergar algumas das preciosidades criadas por este autor e, evidentemente, com particular destaque para as Aventuras de Tintim e Milu.

Para os belgas a banda desenhada é tão importante que um dos aviões da Brussels Airlines, está totalmente decorado com imagens das Aventuras de Tintin. Já tive a sorte de viajar para Lisboa neste avião. Para além das imagens omnipresentes, à partida de Bruxelas distribuíram álbuns do Tintin para lermos durante a viagem. Não há dúvida que é uma excelente forma de promover um dos produtos de maior sucesso da Bélgica e divulgar a sua cultura. Talvez fosse de fazer o mesmo na SATA, eventualmente usando queijadas da Graciosa, amostras de queijo de São Jorge, poemas de Antero, fotografias subaquáticas ou, sei lá, tanta coisa... Não sei se seria financeiramente viável, mas poria o mundo a falar ainda mais sobre os Açores, tal como eu estou agora a escrever sobre a Bélgica!