sábado, 21 de abril de 2007

É no fundo do fundo que se encontra a verdade

Desde tempos imemoráveis que se sabe que é nos sítios mais recondidos que se encontram as chaves para os diversos mistérios. É lá que há mais contrastes e mais verdades. No fundo do mar, ainda há milhares de espécies para serem conhecidas, nos planetas distantes haverá, provavelmente, mundos infindos, insólitos e, até agora, insondados.

Nas grutas, não é tanto assim... O silêncio, a escuridão, o jogo entre as sombras e os raios de luz que insistem em trespassar por de trás de cada estrutura. E o silêncio…? O belo e cortante silêncio que grita em cada gruta, apenas interrompido por um companheiro de aventuras mais aflito ou, bem no fundo do silêncio, uma gota de água que cai. A imagem deste silêncio é muito difícil de captar, sendo esta arte apenas acessível aos mais audazes dos predadores de imagens. Para mim, as grutas são apenas locais apaixonantes em que, costumo encontrar alguém que julgo conhecer bem. Pura arrogância. Ninguém se conhece bem a si próprio.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Momentos Perfeitos

Há momentos perfeitos!
Quando os deuses se resolvem juntar e colocam todas as linhas que gerem o universo em consonância e quando essa geometria é positiva, nós, os humanos, sem perceber porquê somos bafejados, inexplicavelmente, pelos “momentos perfeitos”. Por vezes, somos arrebatados com tal violência que, sem palavras, quase sem respiração, nos interrogamos sobre “o que é que acabou de passar por aqui?” Os “momentos perfeitos” podem durar de milésimos de segundos até dias. Não conheço ninguém que me tenha descrito um “momento perfeito” que tenha durado mais de três dias, mas admito que é possível. Até porque, tudo é possível.
Obviamente, a nível pessoal, e felizmente, tive os meus “momentos perfeitos”, mas não será sobre esses que quero escrever. Há “momentos perfeitos” que são perceptíveis por todos os que partilham determinadas experiências e estão suficientemente atentos para os receber. Sim, os “momentos perfeitos”, normalmente, carecem de atenção. Aqueles que tomam uma atitude superficial em relação à vida ou que são demasiado egoístas para olhar à volta, não terão acesso a um número tão elevado de “momentos perfeitos”.
Nesta última sexta-feira Santa tive alguns “momentos perfeitos” que quero partilhar.
A raridade estatística dos “momentos perfeitos” e a abundância do que eu senti neste dia estão, do meu ponto de vista paradoxalmente unidos. Diz a estatística que “não há bela sem senão” e, da mesma forma que “após a tempestade vem a bonança”, provavelmente terei alguns dissabores no futuro próximo. No entanto, a estatística diz também que “se as condicionantes de um determinado evento estiverem viciadas num determinado sentido, então esse evento repetir-se-á vezes sem conta num tempo infinito”. Portanto, das duas uma, ou estou numa maré de sorte, que inevitavelmente irá virar, ou os deuses estão generosos e resolveram bafejar a ilha do Faial com “momentos perfeitos”.
Quem me conseguiu ler até aqui deve estar a pensar, “mas quais foram esses momentos perfeitos que motivam tantas palavras?!”
Comecemos pelo início: sexta-feira, quatro e meia da tarde, a sala encheu-se de gente, a Professora Helen Martins, apanhada completamente desprevenida, ouve um coro de verdadeiros amigos do peito cantarem-lhe os “parabéns a você” pelos seus 75 anos. Segue-se o Filipe Porteiro, a contar a história da Helen, a nossa história, a história da Europa, a história do DOP e a história do Faial, de uma forma tão singela e bonita que me retenho a olhar para os meus amigos, colegas e familiares. Olho para eles e a garganta aperta-se-me, uma lágrima insiste em aparecer. Parece-me que todos sentem o mesmo. Em todas as faces, um sorriso contraído espelha o apreço pela Helen, por todos nós. Caio em mim e apercebo-me, naquele instante, que eu sou eles, que tenho cada sentimento que eles têm, que cada dor e alegria daquele grupo de pessoas, é a dor e a alegria da Helen.
Horas mais tarde, na Igreja Matriz da cidade da Horta, no início do Concerto de Páscoa, o Vítor Rui Dores diz pelo sistema altifalante que “a orquestra Camerata da Horta é por alguns considerada uma das melhores dos Açores a interpretar música barroca”. Sorrio-me interiormente porque considero um exagero e porque é bom que haja quem pense que nesta ilha se fazem coisas boas. Poucos segundos depois sou, literalmente, esmagado por uma interpretação sublime da Sinfonia al Santo Sepulcro de Vivaldi. Naquele “momento perfeito”, a orquestra Camerata da Horta foi mais que perfeita. Foi melhor que a melhor de todos os tempos e de todos os sítios. Todas as notas entraram em consonância com o templo, com a vida, com a humanidade… Obrigado a todos os que tornaram este Concerto possível.
Nos “momentos perfeitos” invade-nos uma tranquilidade, quase como se estivéssemos sob o efeito de um estupefaciente que nos faz esquecer os males que circulam pelo mundo. Quando despertamos não nos sentimos mal por, naqueles momentos, termos esquecido as nossas faltas ou que algures alguém sofre. Pelo contrário, sorrimos, com a certeza, talvez absurda, que, com o empenho de todos, tudo é possível e que o mundo irá mudar para melhor! Talvez seja mesmo essa a intenção dos deuses.